terça-feira, 20 de maio de 2025

Sophie Kinsella contra o BurnOut

Que Sophie Kinsella é uma das minhas autoras favoritas todo mundo já sabe, e não é segredo pra ninguém.

Compro seus livros às vezes sem nem ler a sinopse, pois já sei o que vou encontrar. Mocinhas atrapalhadas, personagens hilários, cenas de vergonha alheia, um romance bem gostosinho e uma representação razoavelmente fidedigna do ambiente corporativo.

Por isso, quando vi esse livro, com esse título, sabendo que era dela, tive certeza de que precisava ler. Porque ninguém melhor que Kinsella para escrever uma romcom sobre burnout.


Pois bem. Nossa mocinha da vez é Sascha, que trabalha numa start up de serviço de viagens, o Zooze. E como toda empresa modernosa, ela é muito preocupada com o bem estar dos funcionários, oferecendo diversas iniciativas para mantê-los felizes. Exceto contratar mais gente para que eles não fiquem sobrecarregados. A rotatividade dos funcionários é absurda e quando alguém reclama de estafa, o RH dá bronca e manda escrever os sentimentos num mural. O resultado num cenário desses é só um: burn out, o mal dos nossos tempos. Depois de um surto que envolve uma cena maravilhosa incluindo perseguição e freiras (essa cena é sensacional!), Sascha recebe uns dias de folga para cuidar do seu bem estar e resolve passar um tempo numa região onde geralmente passava os verões na infância. Seu plano de cura envolve sucos de noni e um aplicativo cuja fotografia tem uma Garota perfeita usando Neoprene e que promete transformar sua vida em 20 passos (ou 30, não lembro). Lá, ela conhece Finn, um grosso rabugento (ou será que não?) que também está afastado do emprego por ter batido a caneca na mesa e gritado com outros colegas.

Só por essa sinopse, já dá pra ver que Sophie Kinsella tinha acertado em cheio na representação do tema. Além da empresa supostamente preocupada, estão no livro também todos os sentimentos de quem já passou por isso: o óbvio cansaço, má alimentação, a sensação de que não há mais espaço na sua vida para qualquer coisa além do trabalho e até o desânimo de procurar outro emprego (porque mudanças consomem muito da nossa energia, e quem está com burn out já não tem disposição pra encarar nenhuma mudança! Eu sei, já estive lá, infelizmente). Mas não bastasse isso tudo, ela ainda aborda a pressão que a gente se coloca para ser saudável e serena. 

Isso tudo em meio a personagens secundários totalmente apaixonantes (impossível não se afeiçoar pelos funcionários do Rilston), um enemies-to-lovers muito bem construído e até dois mini mistérios sobre o passado do casal. 

Ou seja, uma romcom divertida, deliciosa, amarradinha, tipicamente Kinselesca. O que já é muita coisa.

Nos últimos tempos, no entanto, Kinsella tem me pegado de jeito por outro motivo: emoção. Não sei se tem a ver com o diagnóstico recente de tumor no cérebro que ela recebeu, mas já é a segunda vez que Dona Sophie aperta o meu coração todinho, enchendo meus olhos de lágrimas. E mais uma vez num livro mais curtinho, de menos de 400 páginas.

Tanto esse quanto o último que li dela, de alguma forma, falam sobre a dor da perda de pessoas queridas (mesmo que elas ainda estejam aqui). Sobre saudade da infância. Falam sobre memória e de legado. Toda as cenas envolvendo o Terry são lindas, lindas, lindas, lindas... E o final então, nem se fala.

Legal também pontuar como esse plot do Terry se conecta com o processo de cura que Sascha e Finn precisam passar. O mar como agente de reconexão da própria alma, mas não simplesmente por ser como é (muito embora o mar opere esse tipo de milagre mesmo), mas por representar as pessoas que eles eram no passado. E como os conselhos de sabedoria do Terry SEMPRE foram os melhores.

Quem já teve burn out sabe que não é uma questão somente de estar sobrecarregado. É sobre equilíbrio e estabelecer limites. Sobre se reconectar com a sua própria essência (e isso não tem nada a ver com sentir a terra debaixo dos seus pés ou meditar todos os dias). Sophie Kinsella não romantiza o processo. Não existe trabalho perfeito. Nem rotina perfeita. Sim, às vezes você vai ter que fazer hora extra. E alguns dias vão ser eletrizantes. E tudo bem. Mas não dá pra ser assim sempre. Senão as coisas perdem o sentido. A gente tem que trabalhar pra viver, e não o contrário.

O Burn Out, sem dúvida, é um dos meus livros preferidos da escritora. Se tivesse que dar uma nota, seria a mesma do Rilston. Cinco, Dez, TODAS AS ESTRELAS. 

PS. Eu não sei o que Hollywood está esperando pra fazer um filme disso aqui, porque o roteiro tá prontinho.

sábado, 1 de março de 2025

Ódio a São Paulo

Tá pra sair uma música mais mentirosa que Sampa. Caetano que me desculpe, mas toda vez que desembarco em Congonhas, ou até um dia antes de ir pra lá, alguma coisa acontece no meu coração, mas não é um sentimento bom não. É aquela sensação de domingo à noite, logo depois do Fantástico, em que você se ressente da semana que virá e perde toda a vontade de viver.

Porque apesar de ser a cidade que nunca dorme, a impressão que fica é que a cidade não vive. No Rio de Janeiro, o trio: “Baía de Guanabara, Pão de Açúcar e Cristo Redentor” te dão Aquele Abraço assim que você chega. As calçadas de Copacabana te convidam a andar num ritmo mais ameno. A praia te chama pra jogar um futevôlei e tomar uma água de coco.

São Paulo não é uma cidade que te abraça. É uma cidade que te engole. Te sufoca. Sim, o transporte funciona e você chega muito mais longe em menos tempo. Mas tudo a base de viadutos horrendos. Você não vê o horizonte. Quase não vê árvores. Só prédios e construções cinzentas. Asfalto preto e cimento cinza. O metrô chega em qualquer lugar que você quiser. Mas as estações também cinzentas são tão tristes quanto um cemitério. O que custava uma corzinha, um cuidado, uma decoração? Até em NY as estações tem uns ladrilhos.

Dizem que SP é a NYC brasileira. Mas, ó, não é mesmo. Sim, NYC é uma loucura também, com arranha céus enormes, e trânsito e um monte de gente pra cima e pra baixo e rato no metrô (é tem isso, infelizmente), mas NYC, apesar de tudo isso, vive.

NYC é uma cidade pra se andar a pé. O skyline é incrível. Tem parque com pingue-pongue do lado da Times Square. Você vai comprar pão e flores na sua esquina. O nova-iorquino é progressista, faz questão da qualidade de vida. De fazer coisas legais.

Em SP tudo é longe. É uma cidade feita pros carros. Feia que dói. Muitos bairros dormitórios que você precisa andar 5 quarteirões (horríveis) pra achar um supermercado. É um pesadelo de urbanismo e paisagismo. Sim, o Ibira é top, o nosso Central Park deles. Mas, precisava ser de tão difícil acesso? Por que cargas d'água não tem uma estação de metrô do lado, sabe?

Mas, às vezes fico pensando que a cidade é assim por culpa do próprio paulistano / paulista. E aí vamos entrar num tópico a parte. Galera, paulista é um povo muito mané. Assim, a cidade é muito mais rica do que o Rio, dá pra ver. Mas o paulista é muito coxinha. Inclusive os pobres. Os ricos gostam de ostentar sua riqueza de todas as formas. Desde a roupinha da TracknField pra ir no Ibira, até os shoppings com banheiro de mármore e porta que abre com sensor de mão (taí uma coisa inútil). Tudo é uma desculpa pra torrar o dinheiro numa “experiência diferenciada”. De preferência num lugar que tenha fila pra entrar. Difícil achar um paulista que não defenda o mito do selfmade man. Bom, tá explicado por que os caras adoram um tucano de estimação, né?

A impressão que dá é que tudo é uma grande Barra da Tijuca, com aquele bando de condomínios cafonérrimos, sem nenhuma harmonia entre si. Com habitantes ainda mais pedantes, e sem a praia pra dar aquela amenizada.

Dizem que se come muito bem em SP. E é verdade. Restaurantes caros, com assinatura de grandes chefes, e novidades gastronômicas dificilmente chegam em terras cariocas. Mas se você quiser um PF de qualidade, vai ficar passando vontade. Pra começar, o feijão é aquele marronzinho (ironicamente chamado de carioca) e a feijoada é na quarta-feira (um claro exemplo do não entendimento da cozinha de reaproveitamento que é a feijoada). Para uma cidade que se vangloria de trabalhar muito, não me parece fazer sentido alocar o prato justo na quarta-feira, afinal, quem é que consegue realmente trabalhar depois de uma feijuca de respeito? Mas, de maneira geral, SP não sabe servir um pé sujinho saboroso. Por duas vezes pedi um PF e comi o pior arroz com feijão da minha vida. Fiquei fascinada como eles conseguem errar no arroz e feijão! E o que dizer do restante dos “pratos típicos” de São Paulo? Eles deviam se envergonhar de chamar “pão com mortadela” e “pastel” de culinária local. E eu ainda nem falei do horror que é o “vatapá paulista”! Um negócio que parece qualquer coisa menos comida.

O paulista tá sempre atrasado, e não aguenta esperar nem o tempo da escada rolante do metrô (se você acha que a estação General Osório distante da superfície, em Pinheiros o buraco é muito mais embaixo). O carioca caminha mais devagar, e, para as piores situações arranja um jeito de seguir em frente. Sempre de bermuda e chinelo, claro. Inclusive nos dias chuvosos. Pro carioca, 18ºC já está congelando. O paulista enfrenta todas as estações do ano num único dia. Por isso tem que andar com “blusa” na bolsa todo o tempo. (Acho muito estranho quando o paulista chama “casaco” de “blusa”).

O carioca tem uma intimidade e sinceridade que o paulista nunca vai entender. “Com todo o respeito”, manda o outro cometer os atos mais abomináveis, solta uns 3 ou 4 palavrões no meio das frases, mas dali a dois minutos já estão tomando cerveja juntos e marcando churrasco para uma data indeterminada, mesmo que tenham acabado de se conhecer. O carioca, assim como a cidade, te abraça sem vergonha de ser feliz. Ele tem uma leveza e informalidade no jeito de ser que é impossível de descrever.

Ali em cima me perguntei se a cidade é horrorosa por causa dos paulistas, mas sempre fico na dúvida se não é o contrário também: os paulistas são assim, malas, por causa da cidade horrorosa. Porque, realmente, é muito mais fácil você ser de bem com a vida quando olha pra cima e pá: “Cristo Redentor!, olha pro lado e pá: “Pão de Açucar”, caminha pra um lado e pow, tropeça no Arpoador. Agora São Paulo? É uma cidade que te deprime só de pensar nela. Como já diria Vinicius de Moraes: “O problema de São Paulo é que você anda, anda, anda e não chega em Ipanema”, e eu acho que ele tem razão nisso. Paulista acha que ponte estaiada é ponto turístico, vejam só!

Outro mito que precisa cair é o de que paulista trabalha muito. Pela minha experiência, o carioca trabalha muito mais. Mas reclama muito menos. A política do “valorization” impera em meio aos arranha céus da Faria Lima, justamente pela abundância de ofertas do mercado de trabalho. E depois a gente que leva a fama de ter vida mansa e trabalhar da praia. (Galera, vamos colocar uma coisa na cabeça de vocês: Vocês acham que tem alguma condição de a gente trabalhar da praia? Alguém com certeza ia levar o nosso computador! #brinks). Aliás, taí uma coisa que o carioca devia melhorar no seu branding. O do carioca que vira noite trabalhando, e ainda levanta sorrindo no outro dia. Se bem que, sinceramente, quem é que quer um branding desses, né? Podem ficar com essa pecha de workaholic pra vocês.

Aliás, já que falamos de violência: sim, existe uma sensação de segurança maior em São Paulo. Mas é uma sensação meio falsa, pois o bandido do Rio geralmente só mete o mãozão (quando não tá armado) quando a janela do carro tá aberta, o de SP vai lá e quebra o vidro mesmo, f*da-se. E depois que importaram um governador carioca, eles aperfeiçoaram a experiência do arrastão para assalto em bando com bicicleta também.

Outro dia um casal de amigos cariocas que ia passar um fim de semana em São Paulo quais os lugares que eles não poderiam deixar de visitar. Parei pra pensar um pouco e respondi: “Nada”. Porque apesar de ser uma cidade que tem tudo, não é nada que deva estar da sua lista de lugares para visitar antes de morrer. O Ibirapuera é um parque muito legal, mas definitivamente é um parque. A Paulista aos domingos tem uma energia bacana, mas no final das contas é só uma rua. Sim, tem muitas exposições e museus, mas quantos desses não tem no Rio de Janeiro também e a gente faz todos os planos de não ir? Se você não vier com um destino específico (uma exposição legal, um restaurante temático, uma peça de teatro que queira ver), ou estiver na vibe de conhecer só por conhecer, acho difícil encontrar algo que valha um perrengue, tipo o Cristo ou a Torre Eiffel.

Algumas listas de pontos turísticos vão incluir uns prédios para apreciar a “vista incrível” de São Paulo, que inclui, veja só, um monte de prédios horríveis. É bem verdade que estou com má vontade aqui, e, de fato, existem muitas atividades para se fazer em São Paulo, mas você entendeu o meu ponto. Pra não dizer que eu só reclamo de tudo, gosto de ver a cidade toda iluminada à noite. A cidade das luzes ofuscantes, os prédios brilhando, os logos coloridos... A essa hora do dia, São Paulo de fato parece NYC.

Eu poderia ficar horas e horas aqui falando mal de São Paulo (meu mais novo hobby), mas vou parar por aqui. O dia está bonito, o sol brilhando e eu tenho uma praia pra pegar. Com todo o respeito, eita cidade bonita da p#rra.

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terça-feira, 20 de agosto de 2024

Silvio Santos, legado e um monte de reflexões atrasadas

Acho que não existe uma pessoa nesse Brasil que não tenha ficado impactada pela morte do Silvio. Silvio Santos era o self-made man que nos fazia companhia na TV há mais de 50 anos. O homem do baú, da Telesena, do aviãozinho, das imitações, dos bordões inesquecíveis. O maior comunicador do nosso país. Um personagem absolutamente folclórico sem qualquer comparação na história mundial que, como apresentador e dono do SBT, fez parte também da nossa história, mesmo sem nos conhecer.

Silvio Santos era tão grande que sempre tive certeza que o dia que se fosse seria um evento de parar o país. Nos perguntamos o que seria do SBT sem ele, afinal, ao contrário de outras emissoras, o SBT era Silvio Santos. Não só porque ele era o rosto da emissora, protagonizando diversos programas e formatos, mas porque boa parte do sucesso da grade era oriundo de atrações desenhadas e escolhidas a dedo pelo homem do baú, inclusive colecionando histórias inusitadas de filmes que anunciavam sem a menor vergonha que só iam começar depois da novela da concorrência, ou porque, com frequência, trocava a programação a seu bel prazer. Para contar só a última das traquinagens de Silvio, esse ano, o homem ligou para o SBT e ordenou que exibissem o desfile da Tradição, feito em sua homenagem, há mais de 20 anos. Detalhe: o SBT não tinha os direitos para a exibição. E o vídeo exibido foi baixado do Youtube mesmo. Coisas que só se veem no SBT!

Já com mais de 90 anos, o velho, totalmente sem filtro, enfrentou o cancelamento das redes, e muita gente se pegou desejando que Silvio saísse do ar, a fim de preservar sua imagem. A impressão que dava era que Silvio tinha vivido tempo suficiente para se tornar vilão de sua própria história. Há pouco mais de 2 anos, finalmente saiu do ar. E durante os últimos tempos, acompanhamos a passagem de bastão nos palcos e nos negócios para suas herdeiras.

No final das contas, de certa forma, nos acostumamos com a sua ausência e com a ideia de que seu fim já estava próximo. Sentimos até um certo alívio de perceber que o SBT perpetuaria, mesmo que nunca mais fosse o mesmo.

E mesmo assim, sua partida não deixou de mexer com a gente. Não deixou de mexer comigo. E de uma maneira muito específica. Que eu nunca tinha parado pra prever. Porque, para além do homem dos negócios, do microfone da lapela, do dono do SBT, quem tinha partido era um senhor alegre, discreto, humilde, expansivo, teimoso, cheio de manias e que amava muito sua família. Um homem que lembrava muito o meu próprio avô. E cuja principal herança não ia ser disputada, nem repartida, num testamento. Pois o que ele tinha deixado de mais precioso era sua alegria de viver, o espírito trabalhador e o respeito pelas pessoas.

Assim como meu avô, Silvio também tinha ciência da sua finitude e por isso tratou de repartir o máximo possível dos seus bens já em vida. E assim como meu avô, já no fim da vida, o velho totalmente sem filtro falava as maiores atrocidades sem o menor pudor. Foi difícil acompanhar já seus últimos anos, em que as memórias já se embaralhavam todas e as pernas não aguentavam mais ficar de pé. Mas deve ter sido muito mais difícil pra ele perceber que aquele cara independente com uma saúde de ferro que podia fazer qualquer coisa agora dependia de um monte de gente para as coisas mais simples.

Assim como meu avô, Silvio também tinha uma saúde de ferro, mas foi vencido por uma doença respiratória. No caso dele, Covid. Mas podia ter sido uma gripezinha qualquer, como foi no caso do Silvio.

Me faltou tempo pra escrever na época, mas quando meu avô morreu, uma coisa que me pegou muito foi como as mortes, muitas vezes acontecem aos poucos. Afinal, uma parte daquele meu avô alegre, ativo e esbravejante já não estava lá mais. Mesmo assim, o lance do descolamento da matéria dá um baque danado. Do fato de ele ter morrido sozinho no hospital. Do fato de que nem ele achava que valia a pena mais. E mais um monte de outras coisas que a gente faz força para não pensar todos os dias porque as respostas não são fáceis. Ou porque talvez nem tenham resposta mesmo.

Mas, no final, acho que o que me pegou foi uma outra palavra que dá sentido, pelo menos momentâneo, a tudo isso: legado.

Quando a gente é adolescente, ainda com toda a vida pela frente, a gente é muito preocupado se vai deixar a nossa marca no mundo. Se vamos acumular riquezas suficientes para deixar para nossos herdeiros. Se vamos ser grandes, importantes, relevantes para a história. Parando pra pensar, duvido que esse tipo de coisa tenha passado pela cabeça do meu avô. Sendo tão tranquilo com parecia ser, duvido até que passasse pela cabeça do Silvio também na época em que era camelô. Talvez seja coisa de millennial, sei lá.

Fato é que, obviamente, o legado do Silvio para TV brasileira é imensurável. Mas achar que seus feitos históricos durarão para sempre é ingenuidade. Ainda vai demorar algumas gerações até que seu nome deixe de ser mencionado ou pare de fazer sentido quando alguém falar em televisão. Mas também é fato que nem o Silvio Santos será imortal. E tudo bem.

Acompanhando os depoimentos de pessoas que tiveram contato com ele, tenho a certeza de que a verdadeira marca que deixou no mundo foi a de uma pessoa excepcional que tratava a todos com respeito e humanidade. O tipo de patrão à moda antiga, que carregava o radical da palavra bem enraizado e tratava a empresa como família (para o bem e para o mal!). Ver como sua gentileza e generosidade cascateava e irradiava ao seu redor. (Não à toa o brasileiro tem um carinho diferente pelo SBT). Um cara que tinha consciência do seu tamanho, mas nem por isso deixava de ser humilde com seus admiradores. Em cara que se divertia com tudo isso. E como não se admirar com uma lenda viva que te olhava no olho e sabia rir de si mesmo?

Imediatamente lembrei de alguns líderes que passaram pela minha vida. Alguns deles tiveram trajetórias longevas dentro da empresa. Mas para além das conquistas (essas depois de um tempo ninguém lembra mais mesmo), aquilo que realmente conquistava as pessoas era tratar os outros com verdade e bondade. Ajudá-las nos momentos de dificuldade. Fazer a diferença na vida delas.

É claro que os feitos históricos enchem as manchetes e os currículos. Mas são as histórias, piadas, apelidos e risadas que enchem os corações. Esse é o legado que realmente importa. Pode ser que não seja lembrado para sempre. Mas será lembrado pelas pessoas que interessam.

Como já diria o próprio Silvio: “Do mundo não se leva nada, vamos sorrir e cantar”.

Obrigada, Silvio!
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domingo, 28 de julho de 2024

O choro dos heróis

Outro dia estava assistindo o Esporte Espetacular, era uma reportagem do Galvão relembrando o ouro do César Cielo. E o Cesão assistia a sua prova narrada pelo Galvão, e se emocionava. E sem querer, eu me peguei chorando junto com o Cielo.

É muito legal pensar nos atletas olímpicos como super-heróis. É bacana ver um Michael Phelps, um Usain Bolt, esses caras realmente sobrenaturais que fazem tudo parecer fácil. Mas, na maior parte das vezes, a jornada até ali não foi nada fácil.

E o Cesão sempre falou muito sobre isso. Sobre esforço, foco, dor e abdicação. Os resultados extraordinários não são à toa. E é por isso que ele chora toda vez que vê.

Como eu estou muito olímpica, assisti também a série documental do Sportv sobre As Bicampeãs olímpicas do vôlei feminino. Primeiramente, se você não assistiu, por favor, veja. Uma série com qualidade incrível que traz curiosidades sobre aquela geração vitoriosa, mas também sobre a construção do esporte desde Barcelona 92 e o estigma de “amarelonas” que elas enfrentaram durante muitos anos até o momento da glória. E além de vibrar novamente com a vitória das meninas, também me peguei emocionada com aquela história de superação, união, tristezas e sorrisos. É a jornada do herói com todos os seus elementos.

No caso das meninas, mais do que atletas individuais de alto rendimento, a vitória só veio porque elas eram um time de alta performance. Um time que, assim como o Cesão, também abdicou de muitas coisas. Também suou, sangrou e sentiu dor. Mas que tinha um próposito e acreditou que, não só era possível, como valia a pena. É claro que nada disso foi fácil. Mas, dava pra ver ali também que aquelas meninas tinham uma cumplicidade que só quem estava ali vivendo aquelas emoções conseguem entender.

Mas gatilho também é uma coisa engraçada, porque mesmo eu não sendo atleta olímpica, nem nada, eu acho que eu meio que entendo o que esses atletas estão querendo dizer. Por isso essas entrevistas têm mexido tanto comigo.

Porque eu sei o que é abdicar de coisas por um propósito maior. E depois de chegar no topo, eu sei o que é olhar pra trás e lembrar do sofrimento, quase sem acreditar que foi capaz de superar e sobreviver a tudo aquilo pra chegar até ali.

Eu também sei o que é sofrer e não conseguir. Eu também entendo o choro da derrota. O sentimento de que toda aquela dor não serviu de nada.

E também sei que muitas vezes só quem vai te dar forças é o restante de um grupo que também está remando junto com você, mesmo que o seu esporte não seja remo.

E eu entendo tudo, tudo, tudo isso. Porque eu já chorei em todas essas situações. E é por isso que eu choro junto com eles toda vez que vejo um atleta emocionado.

As medalhas não são à toa e os atletas não são super-heróis. E mesmo se fossem, parece absurdo, mas é preciso lembrar que, como já cantava Junior Lima, os heróis também podem sangrar e chorar.

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sábado, 11 de maio de 2024

A maior tijolada de Sophie Kinsella

No bingo da Sophie Kinsella sempre tem uma personagem atrapalhada, um mocinho charmoso, e uma trama envolvendo emprego ou carreira. Confesso que confio tanto na moça que compro os livros sem nem olhar a sinopse. Mas, numa época da vida em que terminar de ler um livro tem se tornado cada vez mais difícil, perceber que esse aqui só tinha 300 páginas ao invés das habituais 450 daqueles tijolões (divertidíssimos) que ela escreve, ao mesmo tempo em que me animou, também me acendeu um alerta de que tinha alguma coisa diferente aqui.

Os primeiros capítulos não são fáceis. A dinâmica da personagem se escondendo e escutando tudo, sem interagir com ninguém, cansa. Mas eu sabia que tinha um negócio ali que estava mexendo comigo e que, em algum momento, o livro ia fazer a virada. Ao poucos, o plano de passar despercebida de Effie vai se desmoronando miseravelmente, até que ela literalmente é descoberta por todos os irmãos, mas não sem antes descobrir todos os segredos que eles estavam escondendo. (Uma bela metáfora com as bonecas russas do plot, diga-se de passagem) E no final, ah, no final, o livro dá o arremate que estava faltando e entrega um nível de emoção bonito, do jeitinho que eu estava esperando mesmo.

A Penetra é um livro sobre recomeços. É sobre nostalgia, mas também sobre se desapegar das lembranças do passado e construir novas. É sobre entender que as memórias mais importantes não são importantes por causa dos lugares, mas por causa das pessoas. E que às vezes pode parecer que as mudanças acabaram com tudo o que existia de bom, mas, tudo bem mudar. As memórias ficam pra sempre, e ninguém tira da gente.

Nos últimos anos, a pessoa que vos fala vivenciou um pouco disso tudo aí. Cheguei até a esboçar alguns textos sobre como às vezes lugares são como lembranças de pessoas que um dia a gente conheceu, e às vezes pessoas são lugares que a gente tem necessidade de visitar pra se reencontrar. Num dia em que visitei a casa de meu avô, já com Alzeimeir, a casa dele, intacta, exatamente do jeito que sempre foi, guardava memórias de uma pessoa que nem ele se lembrava mais quem era. Mais tarde, num episódio em que a gente trocava de escritório, a gente fez festa de despedida e uma área quebrou o porquinho que guardava desde sempre. Um gesto simbólico pra marcar que as coisas não seriam mais como antes. Porque no fundo a gente sabia que não era só o prédio que estava ficando pra trás, mas, junto com uma porção de mudanças, que incluía a troca de controle da empresa, realmente nada mais seria do mesmo jeito.

Os dilemas de Effie e cia com relação à Greenoaks parecem uma bobagem, mas ressoaram aqui dentro de um jeito especial. "Eu te entendo, Effie.", pensava eu quase todo o tempo. Para ela, aquela casa era o lugar onde sua família tinha sido feliz. E agora tudo estava tão diferente! Sua venda era a concretização de que nunca mais seriam unidos novamente. Nada mais seria como antes.

Eu não sei exatamente como seria a sensação de ver meus pais vendendo a casa em que cresci. Acho que ficaria sentida. E me pegaria afogada em turbilhão de memórias de coisas boas que foram vividas ali naquele lugar, tal qual a mocinha desse livro. Porque se eu já fico emotiva em me despedir dos lugares que foram minha segunda casa, imagina só desapegar do lugar que foi minha casa de verdade? Sempre que eu volto pra lá, sinto uma dificuldade imensa de me livrar de elementos do passado que me trazem boas lembranças. Sempre desisto, guardo novamente e minto pra mim mesma: "Na próxima faxina eu vejo", só pra na próxima vez fazer o mesmo ritual de se enfeitiçar com as memórias e começar tudo outra vez. A casa tem espaço, não precisa jogar fora.

Em algum grau, A Penetra também é um pouco sobre crescer. Sobre entender que nossos pais também têm vontades e são imperfeitos. Que nem sempre a gente sabe de tudo e que toda história tem 3 lados, como já diria o Skank. E aí, o arco de Effie e cia lembram um pouco o de Andy e seus brinquedos em Toy Story 3.

Imagino o quanto desse livro tenha de autobiográfico, pois tem muito coração aqui. Do tipo de coisa que os detalhes podem até ser inventados, mas os sentimentos de luto precisam ser de verdade (calma, ninguém morre nesse livro). Ou talvez seja só eu projetando e potencializando a minha personalidade nostálgica mesmo. No final, o que parecia ser o livro mais leve (em quilos) da autora construiu mais reflexões do qualquer tijolão.

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quarta-feira, 27 de março de 2024

O Aluno Nota 10

Tem certos momentos da vida que você percebe que ter sido um Aluno Nota 10 mais atrapalha do que ajuda. Porque o Aluno Nota 10 não faz ideia do que é pegar uma recuperação. E ele cresce sem saber lidar com isso. Ele não conhece o fracasso e não sabe administrar não ser bom em alguma coisa.

O Aluno Nota 10 não consegue entender por que as outras pessoas tem dificuldade em certas matérias. Pra ele é muito fácil. Por que para os outros também não é? Daí ele não consegue ter a empatia necessária em determinados momentos.

Muitas vezes o Aluno Nota 10 sofre uma pressão para ser desse jeito. Acho que esse não era o meu caso. Não tinha cobrança em casa. E, em certa altura, meus pais nem tinham acesso mais ao meu boletim. Eu não me cobrava para ser Nota 10. Estava tudo bem em ser Nota 8. Uma excelente nota, que ainda passava de ano no 3o bimestre. Acho que porque em certa altura eu percebi que aquilo ali eram só notas. Que as experiências eram aquilo que iam fazer aquele tempo ali na escola valer a pena. Era isso que ia tornar aquele tempo especial, e isso que eu ia levar na memória, pra sempre.

É claro que essa Aluna Nota 10 não era a menina mais popular da escola. Mas era popular o suficiente para ter sua própria rodinha de amigos. Ela era a líder do seu grupinho de amigos. Uma liderança nata, que cuidava dos outros, e tentava manter o grupo unido. E mesmo sem querer, ela era boa nisso também. Uma Nota 10 não planejada. O que não quer dizer que a sua nerdice depois não tenha mandado a conta.

Essa Aluna Nota 10 entrou no mercado de trabalho, e sempre escutou que "lidar com gente" era o seu Calcanhar de Aquiles. Ela tinha vergonha, e medo de errar. E isso atrapalhou tudo. Ela se sentia deslocada. Não ser "o mais esperto da sala" era algo que ela nunca tinha experimentado. Ela nunca pensou em ser Líder, de verdade. E ela acreditou em tudo o que lhe disseram sobre não ser "boa com pessoas".

Mas o tempo foi passando e ela foi conquistando o seu espaço. E ao subir a escadinha da carreira, ela foi ficando cada vez mais à vontade. Ser a pessoa referência para alguma coisa. Nesse terreno ela deitava e rolava. E a tal liderança nata apareceu e ela percebeu que não dava pra lutar contra esse destino. É claro que ela teve que aprender que as pessoas são diferentes, tem habilidades diferentes, que elas vão ter dificuldades que ela nunca teve... Mas no final, um ajuste aqui, outro ali, ela tirou de letra. Pra falar a verdade, ela tirou até onda, porque dentro de um cenário muito parecido com aquele do colégio, ela se mostrou ótima em cuidar das pessoas e manter o grupo unido. Ela ganhou a confiança do seu time, sarou feridas e reverteu situações que pareciam impossíveis.

No meio do caminho, ela atropelou algumas pessoas. Algumas ela quase perdeu. Mas deu sorte o suficiente pra consertar as coisas no final. No papel de Líder, tirou um belo 8. E passou de ano com louvor. Mas não aprendeu nada com isso.

E a conta chegou novamente.

Uma das coisas que essa Aluna Nota 10 mais valorizou desde os tempos de colégio era se ela era uma Pessoa Boa. Essa era a Nota 10 mais importante. E toda a vez que ela atropela alguém, ela volta com o carrinho de mão pra salvar. Porque o seu coração é bom. E ela sofre absurdamente com isso. Porque ela não suporta saber que ela é a razão pela qual uma pessoa está sofrendo. Ela não quer ser uma Pessoa Ruim. Mas às vezes ela é. E perceber isso também dói. Muito.

Essa Aluna Nota 10 há muito tempo deixou pra trás a ideia de que gabaritar uma prova é a coisa mais importante da vida. Ela há muito tempo percebeu que as pessoas são a coisa que mais importa. Mas tava com o ego inflado demais, e sofrendo pressão demais, pra entender o diagnóstico dos últimos meses. Ela tava reprovando em Pessoas. A matéria mais importante. Ela tinha se esquecido disso.

Até lá ela se machucou, e revirou conversas, e tentou encontrar a solução de um jeito que ela pudesse lidar com isso. Porque diferente de uma prova, que tudo só depende de você, tem outras coisas nessa cadeira de liderança que te rodeiam e que você também não tem a capacidade de mudar. Como das duas vezes que ela ficou de recuperação, as circunstâncias eram todas erradas. Em condições normais de temperatura e pressão, ela não teria tirado nota baixa. E ela teve muita dificuldade de entender o que ela poderia ter feito diferente. E como nunca tinha reprovado mesmo em nada, quase nunca nem tirou uma nota baixa na vida, ficou com muito medo de não conseguir reverter a situação. Será que pra melhorar essa média, e voltar pro 8, na verdade, ela ia precisar tirar 10 todo dia? 10 é muita pressão! Não tem a menor condição de alcançar esse patamar!

Mas ela lembrou que o coração dela é bom. E que talvez para melhorar essa média, talvez ela só precise mostrar isso pras pessoas. Talvez só seja necessário colocar as coisas de um jeito que elas percebam que as Pessoas são a matéria mais importante. Mesmo que isso vá diminuir a nota em outra. Ela vai ter que desacelerar e segurar as expectativas dos outros, que estão lhe cobrando um 10, e dizer: "Pra hoje só tem 6, amanhã a gente busca o 8". Ela vai ter que administrar as próprias expectativas, e ir mais devagar com as notas que vai receber.

Ela demorou a entender. Mas, pra ela recuperar o seu 8 em Pessoas, ela vai ter que ser Nota 6 em alguma outra. Todo começo é difícil, e se ela fizer o dever de casa dela, a tendência da curva é ascendente, essa outra nota vai aumentar.

E isso acalmou o coração dela. Isso é uma coisa que essa Aluna Nota 10 consegue fazer. Que casa com os valores que ela tem. E se ela respirar fundo e se lembrar disso todos os dias, no final de repente, até tira um 10 também.

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sábado, 2 de setembro de 2023

Uma noite de terror

Uma viagem não é uma viagem se não tiver uma cilada, não é mesmo? Pois bem, preciso contar a última que aconteceu ontem porque é engraçado demais pra não contar.

Tô eu na minha Eurotrip, e tudo ia bem na parte em que fiquei em Barcelona. A Espanha é um país extremamente organizado. Organizado até demais. Tipo que as pessoas reclamam se você gritar em show. Mas ótima a cidade. Tudo funciona. Nada a reclamar. Daí parti para a minha aventura rumo a Monaco. Peguei o avião para Nice, na França (pois dormir em Monaco é muito caro), tudo direitinho e desembarquei. A França, ao contrário, da Espanha é uma bagunça só.

A primeira coisa que dá ruim é que você pede um uber no aeroporto e o motorista além de não vir até o local indicado, ainda se acha no direito de falar: "Mas eu te dei todas as instruções", como se você tivesse que saber todos os terminais de cor. Você percebe uma aura de hostilidade e desonestidade pelos cartazes orientando turistas a tomar cuidado com taxistas salafrários que não aceitam qualquer viagem ou não querem ligar o taxímetro (Ê, Brasil!). Pego um táxi. Mostro o endereço da casa que aluguei pro motorista e ele não reconhece. Red flag #1. Ele fala com um amigo que diz onde fica, e me acalma dizendo que é 10 minutos de carro do centro e que é uma região muito calma. Menos mal. Ligo para a dona da casa para dizer que estou chegando, pois já eram 22:00 e precisava me certificar que vou conseguir entrar na casa e ter onde dormir. Pergunto se quando eu chegar lá tem que apertar alguma campainha. A mulher responde: "Não se preocupe, o cachorro vai latir". O que esperar de um lugar que o dono diz que "o cachorro vai latir"? Acho pitoresco, né. Bem Brasil, pra falar a verdade.

Quando nos aproximamos do lugar, ele não acha a casa. Embica o carro para um bequinho, procura novamente o número. O cachorro late. É aqui.

A mulher vem me atender. E quando ela começa a contar os (não) atributos da casa, percebo que estou nas primeiras cenas de um filme de terror em que as regras são apresentadas, para então mostrar os protagonistas nas maiores enrascadas.

- Olá, seja bem-vinda, tudo bom? Você fala espanhol? O cachorro é espanhol, se quiser falar espanhol, ele vai entender.

- Haha, legal. Pode falar inglês ou espanhol, pra mim tanto faz.

- Então, a pior coisa da casa é o portão. Porque tem um macete pra abrir. Você tem que empurrar assim, desse jeito, senão, não abre.

- Tá.

- E pra fechar também tem um outro macete, tem que fazer assim. Mas se você não conseguir, pode fechar com esse cadeado de bicicleta. Outra coisa: não pode deixar o portão aberto, senão o cachorro foge. Deixa eu te mostrar a casa.

- Ok.

- Aqui é a sala, a cozinha, o quarto, o banheiro... A casa é muito ventilada, então você pode deixar as janelas abertas que fica fresquinha. Só não pode abrir essa daqui, porque o cheiro é horrível. Eu crio 50 gatos, aí vai empestiar a casa de cheiro de gato.

- Beleza, tem ar condicionado, ventilador?

(A casa tem mil lareiras e aquecedores)

- Ah não, porque geralmente não faz tanto calor aqui. (É a semana mais quente do ano, está batendo 35 graus na Europa). E a casa é muito fresquinha, é só deixar a janela aberta.

- E é seguro aqui?

- É sim, muito residencial, todo mundo dorme cedo. Muito tranquilo. Só tem eu, os cachorros, os gatos e as galinhas.

- Tá.

- A única coisa ruim é que depois entra mosquito pela janela.

- Okaaaaay.

A casa fede por causa dos gatos. A cozinha é cheia de moscas. Não tem wifi. Não tem televisão. Não tem micro-ondas. Nas redondezas não tem uma loja aberta de noite. Tento deixar a janela aberta, mas fico pensando que a qualquer momento um assassino (ou a própria velha) vai entrar e me matar com uma pá de obra. Com a janela fechada, parece que estou dentro de um forninho. Em certo momento, o cachorro, que tinha achado tão amigável, me encara pelo vidro da porta e rosna. Ele é um sheep dog grandão e só não pula a janela porque não quer. É, mais uma noite aqui não vai rolar.

Alugo um outro quarto de hotel para o dia seguinte na hora. Depois de um tempo, tomo coragem e vou dormir no quarto de janela aberta. Quando acordo está tudo bem. Tomo um banho, arrumo minhas coisas e dou no pé antes da velha acordar. O cachorro faz que vai atacar, mas fica de boa. Abro o portão com o macete. Pra fechar, coloco o cadeado de bicicleta. Não deixo o cachorro fugir. Uma legítima saída à francesa. Quando entro no novo hotel, outra parada. Muito chique. Sou bem atendida. A moça da recepção me dá dicas da cidade. E a diária só um pouco mais cara. Deixo as malas lá e vou em direção à estação de trem (5 minutos a pé). Antes de deixar Nice, piso num cocô de cachorro. Eu odeio a França.
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