Acho que não existe uma pessoa nesse Brasil que não tenha ficado impactada pela morte do Silvio. Silvio Santos era o self-made man que nos fazia companhia na TV há mais de 50 anos. O homem do baú, da Telesena, do aviãozinho, das imitações, dos bordões inesquecíveis. O maior comunicador do nosso país. Um personagem absolutamente folclórico sem qualquer comparação na história mundial que, como apresentador e dono do SBT, fez parte também da nossa história, mesmo sem nos conhecer.
Silvio Santos era tão grande que sempre tive certeza que o dia que se fosse seria um evento de parar o país. Nos perguntamos o que seria do SBT sem ele, afinal, ao contrário de outras emissoras, o SBT era Silvio Santos. Não só porque ele era o rosto da emissora, protagonizando diversos programas e formatos, mas porque boa parte do sucesso da grade era oriundo de atrações desenhadas e escolhidas a dedo pelo homem do baú, inclusive colecionando histórias inusitadas de filmes que anunciavam sem a menor vergonha que só iam começar depois da novela da concorrência, ou porque, com frequência, trocava a programação a seu bel prazer. Para contar só a última das traquinagens de Silvio, esse ano, o homem ligou para o SBT e ordenou que exibissem o desfile da Tradição, feito em sua homenagem, há mais de 20 anos. Detalhe: o SBT não tinha os direitos para a exibição. E o vídeo exibido foi baixado do Youtube mesmo. Coisas que só se veem no SBT!
Já com mais de 90 anos, o velho, totalmente sem filtro, enfrentou o cancelamento das redes, e muita gente se pegou desejando que Silvio saísse do ar, a fim de preservar sua imagem. A impressão que dava era que Silvio tinha vivido tempo suficiente para se tornar vilão de sua própria história. Há pouco mais de 2 anos, finalmente saiu do ar. E durante os últimos tempos, acompanhamos a passagem de bastão nos palcos e nos negócios para suas herdeiras.
No final das contas, de certa forma, nos acostumamos com a sua ausência e com a ideia de que seu fim já estava próximo. Sentimos até um certo alívio de perceber que o SBT perpetuaria, mesmo que nunca mais fosse o mesmo.
E mesmo assim, sua partida não deixou de mexer com a gente. Não deixou de mexer comigo. E de uma maneira muito específica. Que eu nunca tinha parado pra prever. Porque, para além do homem dos negócios, do microfone da lapela, do dono do SBT, quem tinha partido era um senhor alegre, discreto, humilde, expansivo, teimoso, cheio de manias e que amava muito sua família. Um homem que lembrava muito o meu próprio avô. E cuja principal herança não ia ser disputada, nem repartida, num testamento. Pois o que ele tinha deixado de mais precioso era sua alegria de viver, o espírito trabalhador e o respeito pelas pessoas.
Assim como meu avô, Silvio também tinha ciência da sua finitude e por isso tratou de repartir o máximo possível dos seus bens já em vida. E assim como meu avô, já no fim da vida, o velho totalmente sem filtro falava as maiores atrocidades sem o menor pudor. Foi difícil acompanhar já seus últimos anos, em que as memórias já se embaralhavam todas e as pernas não aguentavam mais ficar de pé. Mas deve ter sido muito mais difícil pra ele perceber que aquele cara independente com uma saúde de ferro que podia fazer qualquer coisa agora dependia de um monte de gente para as coisas mais simples.
Assim como meu avô, Silvio também tinha uma saúde de ferro, mas foi vencido por uma doença respiratória. No caso dele, Covid. Mas podia ter sido uma gripezinha qualquer, como foi no caso do Silvio.
Me faltou tempo pra escrever na época, mas quando meu avô morreu, uma coisa que me pegou muito foi como as mortes, muitas vezes acontecem aos poucos. Afinal, uma parte daquele meu avô alegre, ativo e esbravejante já não estava lá mais. Mesmo assim, o lance do descolamento da matéria dá um baque danado. Do fato de ele ter morrido sozinho no hospital. Do fato de que nem ele achava que valia a pena mais. E mais um monte de outras coisas que a gente faz força para não pensar todos os dias porque as respostas não são fáceis. Ou porque talvez nem tenham resposta mesmo.
Mas, no final, acho que o que me pegou foi uma outra palavra que dá sentido, pelo menos momentâneo, a tudo isso: legado.
Quando a gente é adolescente, ainda com toda a vida pela frente, a gente é muito preocupado se vai deixar a nossa marca no mundo. Se vamos acumular riquezas suficientes para deixar para nossos herdeiros. Se vamos ser grandes, importantes, relevantes para a história. Parando pra pensar, duvido que esse tipo de coisa tenha passado pela cabeça do meu avô. Sendo tão tranquilo com parecia ser, duvido até que passasse pela cabeça do Silvio também na época em que era camelô. Talvez seja coisa de millennial, sei lá.
Fato é que, obviamente, o legado do Silvio para TV brasileira é imensurável. Mas achar que seus feitos históricos durarão para sempre é ingenuidade. Ainda vai demorar algumas gerações até que seu nome deixe de ser mencionado ou pare de fazer sentido quando alguém falar em televisão. Mas também é fato que nem o Silvio Santos será imortal. E tudo bem.
Acompanhando os depoimentos de pessoas que tiveram contato com ele, tenho a certeza de que a verdadeira marca que deixou no mundo foi a de uma pessoa excepcional que tratava a todos com respeito e humanidade. O tipo de patrão à moda antiga, que carregava o radical da palavra bem enraizado e tratava a empresa como família (para o bem e para o mal!). Ver como sua gentileza e generosidade cascateava e irradiava ao seu redor. (Não à toa o brasileiro tem um carinho diferente pelo SBT). Um cara que tinha consciência do seu tamanho, mas nem por isso deixava de ser humilde com seus admiradores. Em cara que se divertia com tudo isso. E como não se admirar com uma lenda viva que te olhava no olho e sabia rir de si mesmo?
Imediatamente lembrei de alguns líderes que passaram pela minha vida. Alguns deles tiveram trajetórias longevas dentro da empresa. Mas para além das conquistas (essas depois de um tempo ninguém lembra mais mesmo), aquilo que realmente conquistava as pessoas era tratar os outros com verdade e bondade. Ajudá-las nos momentos de dificuldade. Fazer a diferença na vida delas.
É claro que os feitos históricos enchem as manchetes e os currículos. Mas são as histórias, piadas, apelidos e risadas que enchem os corações. Esse é o legado que realmente importa. Pode ser que não seja lembrado para sempre. Mas será lembrado pelas pessoas que interessam.
Como já diria o próprio Silvio: “Do mundo não se leva nada, vamos sorrir e cantar”.
Outro dia estava assistindo o Esporte Espetacular, era uma
reportagem do Galvão relembrando o ouro do César Cielo. E o Cesão assistia a
sua prova narrada pelo Galvão, e se emocionava. E sem querer, eu me peguei
chorando junto com o Cielo.
É muito legal pensar nos atletas olímpicos como
super-heróis. É bacana ver um Michael Phelps, um Usain Bolt, esses caras
realmente sobrenaturais que fazem tudo parecer fácil. Mas, na maior parte das
vezes, a jornada até ali não foi nada fácil.
E o Cesão sempre falou muito sobre isso. Sobre esforço,
foco, dor e abdicação. Os resultados extraordinários não são à toa. E é por
isso que ele chora toda vez que vê.
Como eu estou muito olímpica, assisti também a série documental
do Sportv sobre As Bicampeãs olímpicas do vôlei feminino. Primeiramente, se
você não assistiu, por favor, veja. Uma série com qualidade incrível que traz
curiosidades sobre aquela geração vitoriosa, mas também sobre a construção do
esporte desde Barcelona 92 e o estigma de “amarelonas” que elas enfrentaram
durante muitos anos até o momento da glória. E além de vibrar novamente com a
vitória das meninas, também me peguei emocionada com aquela história de
superação, união, tristezas e sorrisos. É a jornada do herói com todos os seus
elementos.
No caso das meninas, mais do que atletas individuais de alto
rendimento, a vitória só veio porque elas eram um time de alta performance. Um
time que, assim como o Cesão, também abdicou de muitas coisas. Também suou,
sangrou e sentiu dor. Mas que tinha um próposito e acreditou que, não só era
possível, como valia a pena. É claro que nada disso foi fácil. Mas, dava pra
ver ali também que aquelas meninas tinham uma cumplicidade que só quem estava
ali vivendo aquelas emoções conseguem entender.
Mas gatilho também é uma coisa engraçada, porque mesmo eu
não sendo atleta olímpica, nem nada, eu acho que eu meio que entendo o que
esses atletas estão querendo dizer. Por isso essas entrevistas têm mexido tanto
comigo.
Porque eu sei o que é abdicar de coisas por um propósito
maior. E depois de chegar no topo, eu sei o que é olhar pra trás e lembrar do
sofrimento, quase sem acreditar que foi capaz de superar e sobreviver a tudo
aquilo pra chegar até ali.
Eu também sei o que é sofrer e não conseguir. Eu também
entendo o choro da derrota. O sentimento de que toda aquela dor não serviu de
nada.
E também sei que muitas vezes só quem vai te dar forças é o
restante de um grupo que também está remando junto com você, mesmo que o seu
esporte não seja remo.
E eu entendo tudo, tudo, tudo isso. Porque eu já chorei em
todas essas situações. E é por isso que eu choro junto com eles toda vez que
vejo um atleta emocionado.
As medalhas não são à toa e os atletas não são super-heróis.
E mesmo se fossem, parece absurdo, mas é preciso lembrar que, como já cantava
Junior Lima, os heróis também podem sangrar e chorar.
No bingo da Sophie Kinsella sempre tem uma personagem atrapalhada, um mocinho charmoso, e uma trama envolvendo emprego ou carreira. Confesso que confio tanto na moça que compro os livros sem nem olhar a sinopse. Mas, numa época da vida em que terminar de ler um livro tem se tornado cada vez mais difícil, perceber que esse aqui só tinha 300 páginas ao invés das habituais 450 daqueles tijolões (divertidíssimos) que ela escreve, ao mesmo tempo em que me animou, também me acendeu um alerta de que tinha alguma coisa diferente aqui.
Os primeiros capítulos não são fáceis. A dinâmica da personagem se escondendo e escutando tudo, sem interagir com ninguém, cansa. Mas eu sabia que tinha um negócio ali que estava mexendo comigo e que, em algum momento, o livro ia fazer a virada. Ao poucos, o plano de passar despercebida de Effie vai se desmoronando miseravelmente, até que ela literalmente é descoberta por todos os irmãos, mas não sem antes descobrir todos os segredos que eles estavam escondendo. (Uma bela metáfora com as bonecas russas do plot, diga-se de passagem) E no final, ah, no final, o livro dá o arremate que estava faltando e entrega um nível de emoção bonito, do jeitinho que eu estava esperando mesmo.
A Penetra é um livro sobre recomeços. É sobre nostalgia, mas também sobre se desapegar das lembranças do passado e construir novas. É sobre entender que as memórias mais importantes não são importantes por causa dos lugares, mas por causa das pessoas. E que às vezes pode parecer que as mudanças acabaram com tudo o que existia de bom, mas, tudo bem mudar. As memórias ficam pra sempre, e ninguém tira da gente.
Nos últimos anos, a pessoa que vos fala vivenciou um pouco disso tudo aí. Cheguei até a esboçar alguns textos sobre como às vezes lugares são como lembranças de pessoas que um dia a gente conheceu, e às vezes pessoas são lugares que a gente tem necessidade de visitar pra se reencontrar. Num dia em que visitei a casa de meu avô, já com Alzeimeir, a casa dele, intacta, exatamente do jeito que sempre foi, guardava memórias de uma pessoa que nem ele se lembrava mais quem era. Mais tarde, num episódio em que a gente trocava de escritório, a gente fez festa de despedida e uma área quebrou o porquinho que guardava desde sempre. Um gesto simbólico pra marcar que as coisas não seriam mais como antes. Porque no fundo a gente sabia que não era só o prédio que estava ficando pra trás, mas, junto com uma porção de mudanças, que incluía a troca de controle da empresa, realmente nada mais seria do mesmo jeito.
Os dilemas de Effie e cia com relação à Greenoaks parecem uma bobagem, mas ressoaram aqui dentro de um jeito especial. "Eu te entendo, Effie.", pensava eu quase todo o tempo. Para ela, aquela casa era o lugar onde sua família tinha sido feliz. E agora tudo estava tão diferente! Sua venda era a concretização de que nunca mais seriam unidos novamente. Nada mais seria como antes.
Eu não sei exatamente como seria a sensação de ver meus pais vendendo a casa em que cresci. Acho que ficaria sentida. E me pegaria afogada em turbilhão de memórias de coisas boas que foram vividas ali naquele lugar, tal qual a mocinha desse livro. Porque se eu já fico emotiva em me despedir dos lugares que foram minha segunda casa, imagina só desapegar do lugar que foi minha casa de verdade? Sempre que eu volto pra lá, sinto uma dificuldade imensa de me livrar de elementos do passado que me trazem boas lembranças. Sempre desisto, guardo novamente e minto pra mim mesma: "Na próxima faxina eu vejo", só pra na próxima vez fazer o mesmo ritual de se enfeitiçar com as memórias e começar tudo outra vez. A casa tem espaço, não precisa jogar fora.
Em algum grau, A Penetra também é um pouco sobre crescer. Sobre entender que nossos pais também têm vontades e são imperfeitos. Que nem sempre a gente sabe de tudo e que toda história tem 3 lados, como já diria o Skank. E aí, o arco de Effie e cia lembram um pouco o de Andy e seus brinquedos em Toy Story 3.
Imagino o quanto desse livro tenha de autobiográfico, pois tem muito coração aqui. Do tipo de coisa que os detalhes podem até ser inventados, mas os sentimentos de luto precisam ser de verdade (calma, ninguém morre nesse livro). Ou talvez seja só eu projetando e potencializando a minha personalidade nostálgica mesmo. No final, o que parecia ser o livro mais leve (em quilos) da autora construiu mais reflexões do qualquer tijolão.
Tem certos momentos da vida que você percebe que ter sido um Aluno Nota 10 mais atrapalha do que ajuda. Porque o Aluno Nota 10 não faz ideia do que é pegar uma recuperação. E ele cresce sem saber lidar com isso. Ele não conhece o fracasso e não sabe administrar não ser bom em alguma coisa.
O Aluno Nota 10 não consegue entender por que as outras pessoas tem dificuldade em certas matérias. Pra ele é muito fácil. Por que para os outros também não é? Daí ele não consegue ter a empatia necessária em determinados momentos.
Muitas vezes o Aluno Nota 10 sofre uma pressão para ser desse jeito. Acho que esse não era o meu caso. Não tinha cobrança em casa. E, em certa altura, meus pais nem tinham acesso mais ao meu boletim. Eu não me cobrava para ser Nota 10. Estava tudo bem em ser Nota 8. Uma excelente nota, que ainda passava de ano no 3o bimestre. Acho que porque em certa altura eu percebi que aquilo ali eram só notas. Que as experiências eram aquilo que iam fazer aquele tempo ali na escola valer a pena. Era isso que ia tornar aquele tempo especial, e isso que eu ia levar na memória, pra sempre.
É claro que essa Aluna Nota 10 não era a menina mais popular da escola. Mas era popular o suficiente para ter sua própria rodinha de amigos. Ela era a líder do seu grupinho de amigos. Uma liderança nata, que cuidava dos outros, e tentava manter o grupo unido. E mesmo sem querer, ela era boa nisso também. Uma Nota 10 não planejada. O que não quer dizer que a sua nerdice depois não tenha mandado a conta.
Essa Aluna Nota 10 entrou no mercado de trabalho, e sempre escutou que "lidar com gente" era o seu Calcanhar de Aquiles. Ela tinha vergonha, e medo de errar. E isso atrapalhou tudo. Ela se sentia deslocada. Não ser "o mais esperto da sala" era algo que ela nunca tinha experimentado. Ela nunca pensou em ser Líder, de verdade. E ela acreditou em tudo o que lhe disseram sobre não ser "boa com pessoas".
Mas o tempo foi passando e ela foi conquistando o seu espaço. E ao subir a escadinha da carreira, ela foi ficando cada vez mais à vontade. Ser a pessoa referência para alguma coisa. Nesse terreno ela deitava e rolava. E a tal liderança nata apareceu e ela percebeu que não dava pra lutar contra esse destino. É claro que ela teve que aprender que as pessoas são diferentes, tem habilidades diferentes, que elas vão ter dificuldades que ela nunca teve... Mas no final, um ajuste aqui, outro ali, ela tirou de letra. Pra falar a verdade, ela tirou até onda, porque dentro de um cenário muito parecido com aquele do colégio, ela se mostrou ótima em cuidar das pessoas e manter o grupo unido. Ela ganhou a confiança do seu time, sarou feridas e reverteu situações que pareciam impossíveis.
No meio do caminho, ela atropelou algumas pessoas. Algumas ela quase perdeu. Mas deu sorte o suficiente pra consertar as coisas no final. No papel de Líder, tirou um belo 8. E passou de ano com louvor. Mas não aprendeu nada com isso.
E a conta chegou novamente.
Uma das coisas que essa Aluna Nota 10 mais valorizou desde os tempos de colégio era se ela era uma Pessoa Boa. Essa era a Nota 10 mais importante. E toda a vez que ela atropela alguém, ela volta com o carrinho de mão pra salvar. Porque o seu coração é bom. E ela sofre absurdamente com isso. Porque ela não suporta saber que ela é a razão pela qual uma pessoa está sofrendo. Ela não quer ser uma Pessoa Ruim. Mas às vezes ela é. E perceber isso também dói. Muito.
Essa Aluna Nota 10 há muito tempo deixou pra trás a ideia de que gabaritar uma prova é a coisa mais importante da vida. Ela há muito tempo percebeu que as pessoas são a coisa que mais importa. Mas tava com o ego inflado demais, e sofrendo pressão demais, pra entender o diagnóstico dos últimos meses. Ela tava reprovando em Pessoas. A matéria mais importante. Ela tinha se esquecido disso.
Até lá ela se machucou, e revirou conversas, e tentou encontrar a solução de um jeito que ela pudesse lidar com isso. Porque diferente de uma prova, que tudo só depende de você, tem outras coisas nessa cadeira de liderança que te rodeiam e que você também não tem a capacidade de mudar. Como das duas vezes que ela ficou de recuperação, as circunstâncias eram todas erradas. Em condições normais de temperatura e pressão, ela não teria tirado nota baixa. E ela teve muita dificuldade de entender o que ela poderia ter feito diferente. E como nunca tinha reprovado mesmo em nada, quase nunca nem tirou uma nota baixa na vida, ficou com muito medo de não conseguir reverter a situação. Será que pra melhorar essa média, e voltar pro 8, na verdade, ela ia precisar tirar 10 todo dia? 10 é muita pressão! Não tem a menor condição de alcançar esse patamar!
Mas ela lembrou que o coração dela é bom. E que talvez para melhorar essa média, talvez ela só precise mostrar isso pras pessoas. Talvez só seja necessário colocar as coisas de um jeito que elas percebam que as Pessoas são a matéria mais importante. Mesmo que isso vá diminuir a nota em outra. Ela vai ter que desacelerar e segurar as expectativas dos outros, que estão lhe cobrando um 10, e dizer: "Pra hoje só tem 6, amanhã a gente busca o 8". Ela vai ter que administrar as próprias expectativas, e ir mais devagar com as notas que vai receber.
Ela demorou a entender. Mas, pra ela recuperar o seu 8 em Pessoas, ela vai ter que ser Nota 6 em alguma outra. Todo começo é difícil, e se ela fizer o dever de casa dela, a tendência da curva é ascendente, essa outra nota vai aumentar.
E isso acalmou o coração dela. Isso é uma coisa que essa Aluna Nota 10 consegue fazer. Que casa com os valores que ela tem. E se ela respirar fundo e se lembrar disso todos os dias, no final de repente, até tira um 10 também.
Uma viagem não é uma viagem se não tiver uma cilada, não é mesmo? Pois bem, preciso contar a última que aconteceu ontem porque é engraçado demais pra não contar.
Tô eu na minha Eurotrip, e tudo ia bem na parte em que fiquei em Barcelona. A Espanha é um país extremamente organizado. Organizado até demais. Tipo que as pessoas reclamam se você gritar em show. Mas ótima a cidade. Tudo funciona. Nada a reclamar. Daí parti para a minha aventura rumo a Monaco. Peguei o avião para Nice, na França (pois dormir em Monaco é muito caro), tudo direitinho e desembarquei. A França, ao contrário, da Espanha é uma bagunça só.
A primeira coisa que dá ruim é que você pede um uber no aeroporto e o motorista além de não vir até o local indicado, ainda se acha no direito de falar: "Mas eu te dei todas as instruções", como se você tivesse que saber todos os terminais de cor. Você percebe uma aura de hostilidade e desonestidade pelos cartazes orientando turistas a tomar cuidado com taxistas salafrários que não aceitam qualquer viagem ou não querem ligar o taxímetro (Ê, Brasil!). Pego um táxi. Mostro o endereço da casa que aluguei pro motorista e ele não reconhece. Red flag #1. Ele fala com um amigo que diz onde fica, e me acalma dizendo que é 10 minutos de carro do centro e que é uma região muito calma. Menos mal. Ligo para a dona da casa para dizer que estou chegando, pois já eram 22:00 e precisava me certificar que vou conseguir entrar na casa e ter onde dormir. Pergunto se quando eu chegar lá tem que apertar alguma campainha. A mulher responde: "Não se preocupe, o cachorro vai latir". O que esperar de um lugar que o dono diz que "o cachorro vai latir"? Acho pitoresco, né. Bem Brasil, pra falar a verdade.
Quando nos aproximamos do lugar, ele não acha a casa. Embica o carro para um bequinho, procura novamente o número. O cachorro late. É aqui.
A mulher vem me atender. E quando ela começa a contar os (não) atributos da casa, percebo que estou nas primeiras cenas de um filme de terror em que as regras são apresentadas, para então mostrar os protagonistas nas maiores enrascadas.
- Olá, seja bem-vinda, tudo bom? Você fala espanhol? O cachorro é espanhol, se quiser falar espanhol, ele vai entender.
- Haha, legal. Pode falar inglês ou espanhol, pra mim tanto faz.
- Então, a pior coisa da casa é o portão. Porque tem um macete pra abrir. Você tem que empurrar assim, desse jeito, senão, não abre.
- Tá.
- E pra fechar também tem um outro macete, tem que fazer assim. Mas se você não conseguir, pode fechar com esse cadeado de bicicleta. Outra coisa: não pode deixar o portão aberto, senão o cachorro foge. Deixa eu te mostrar a casa.
- Ok.
- Aqui é a sala, a cozinha, o quarto, o banheiro... A casa é muito ventilada, então você pode deixar as janelas abertas que fica fresquinha. Só não pode abrir essa daqui, porque o cheiro é horrível. Eu crio 50 gatos, aí vai empestiar a casa de cheiro de gato.
- Beleza, tem ar condicionado, ventilador?
(A casa tem mil lareiras e aquecedores)
- Ah não, porque geralmente não faz tanto calor aqui. (É a semana mais quente do ano, está batendo 35 graus na Europa). E a casa é muito fresquinha, é só deixar a janela aberta.
- E é seguro aqui?
- É sim, muito residencial, todo mundo dorme cedo. Muito tranquilo. Só tem eu, os cachorros, os gatos e as galinhas.
- Tá.
- A única coisa ruim é que depois entra mosquito pela janela.
- Okaaaaay.
A casa fede por causa dos gatos. A cozinha é cheia de moscas. Não tem wifi. Não tem televisão. Não tem micro-ondas. Nas redondezas não tem uma loja aberta de noite. Tento deixar a janela aberta, mas fico pensando que a qualquer momento um assassino (ou a própria velha) vai entrar e me matar com uma pá de obra. Com a janela fechada, parece que estou dentro de um forninho. Em certo momento, o cachorro, que tinha achado tão amigável, me encara pelo vidro da porta e rosna. Ele é um sheep dog grandão e só não pula a janela porque não quer. É, mais uma noite aqui não vai rolar.
Alugo um outro quarto de hotel para o dia seguinte na hora. Depois de um tempo, tomo coragem e vou dormir no quarto de janela aberta. Quando acordo está tudo bem. Tomo um banho, arrumo minhas coisas e dou no pé antes da velha acordar. O cachorro faz que vai atacar, mas fica de boa. Abro o portão com o macete. Pra fechar, coloco o cadeado de bicicleta. Não deixo o cachorro fugir. Uma legítima saída à francesa. Quando entro no novo hotel, outra parada. Muito chique. Sou bem atendida. A moça da recepção me dá dicas da cidade. E a diária só um pouco mais cara. Deixo as malas lá e vou em direção à estação de trem (5 minutos a pé). Antes de deixar Nice, piso num cocô de cachorro. Eu odeio a França.
Hoje, 15/07, eu terminei de ler Um Dia pela 3a vez (confesso que dei uma roubada ontem, deixando as últimas 10 páginas pro dia seguinte). Pra quem não sabe Um Dia é um dos meus livros favoritos DA VIDA. E, de vez em quando, eu pego pra ler de novo. E toda vez ele me diz coisas diferentes, me aperta em lugares diferentes, me traz imagens diferentes... Até porque, mesmo sem querer, a cada releitura percebo que marquei mais uns pontos no bingo do tour europeu proposto por Nicholls (na 2a leitura, me situei um pouco melhor depois de ter ido a Londres e a Paris. Agora, reconheci os lugares de Roma. Pelas minhas contas agora só falta a Grécia).
E eu sei que o livro tem filme e tudo, mas a cada leitura percebo as semelhanças com outro gênero brasileiríssimo: as novelas do Maneco. Aqueles personagens endinheirados e sem preocupação que passam a vida viajando pela Europa (vide o parágrafo anterior) como quem fosse à, sei lá, Búzios, poderiam muito bem ter sido escritos pelo novelista brasileiro. E se você reparar bem, essas cenas na Europa lembram muito as primeiras fases dessas novelas do tempo em que o real era quase pareado com o dólar e a Globo bancava que parte da equipe passasse uns tempos na Europa, fazendo imagens fabulosas (bons tempos!). (Essa parte de sempre situar sua história ou pelo menos um pedaço delas, aliás, é quase uma marca registrada de Nicholls. Nós tem mais ou menos os mesmos maneirismos. E se você juntar esse com Um Dia e fizer uma comparação com Maneco, verá que as Helenas completaram o bingo muito antes de mim).
Mas, como ia dizendo, gosto de reler Um Dia porque é um livro que me traz sensações diferentes a cada releitura. E daí que eu estava numa fase em que percebi que era a própria Emma Morley, cansada de escutar as pessoas dizerem que deveria ir a Paris, foi lá passar um tempo mesmo! (Com a diferença, que, né, Brasil, não dá pra pegar um trem e chegar assim em Paris). Mas, o ponto é que percebi: "É, está na hora de ler esse livro de novo".
Fora as partes em que passei a reconhecer lugares que não conhecia, de fato, mais uma vez, o livro me trouxe sentimentos diferentes em partes diferentes. Não necessariamente por já ter vivido aquela situação exata, mas por... olha, sei lá, acho que vou ter que levar essas coisas pra terapia. Por exemplo, não chorei nenhuma lágrima no final dessa vez. Mas naquela cena da mãe doente e o Dexter carregando ela pela casa... Putz, acabou comigo. E minha mãe está ótima, só pra constar.
Outras coisas são bem mais óbvias: mais ou menos na mesma faixa etária, eu e Emma somos ainda mais parecidas do que "há 11 anos". O momento de vida com a vida amorosa pouco movimentada, o momento de carreira cheio de sucesso, a vocação para magistratura e mentoria, o reconhecimento dos mentorados xodozinhos... Até andar de bicicleta e praticar natação! Mas também um pouco da falta de esperança com o mundo. A percepção de que as coisas não são tão simples quanto parecem. O sentimento de que a nossa geração falhou.
Achei engraçado que dessa vez as referências pop ou tecnológicas quase não fizeram cosquinha em mim. Talvez seja porque o truque anda meio batido nas produções atuais que querem apelar para a nostalgia. Talvez seja porque elas não foram óbvias demais...
Também foi esquisito perceber que 2007 agora parece um tempo muito distante. E eu mal me recordo da Elisa dessa época, ou do que acontecia no mundo naquele ano. Só sei que certamente ela era muito feliz, embora cheia de dúvidas sobre o futuro (tal qual Emma Morley), e que o mundo não era nem de longe esse lugar sombrio com neonazis no poder, do jeito que está hoje.
A única coisa que não muda a cada releitura, por incrível que pareça, é o quanto eu aprecio a escrita de Nicholls, especialmente a construção daquele final corajoso, que tem um balanço de vida, sem entregar o que estava por vir. Adoro o significado por trás daquela escolha. Adoro como o escritor é hábil o suficiente para não descambar para o melodrama total e dá um jeito de acabar com final feliz, com direito a beijo e tudo, mesmo depois de tudo.
Gosto especialmente da poesia da cena da caixa de fotografias, com um flashback de todos os acontecimentos mostrados no livro, sintetizando toda a ideia por trás do livro (como o autor uma vez já contou). As pessoas são como fotografias. Elas podem estar com roupas diferentes, em momentos diferentes, penteados diferentes. Mas elas não mudam totalmente. E você consegue reconhecer pois sua essência permanece a mesma.
Então, acho que é isso. Acho que, no final, mesmo tendo mudado de endereço, trocado de emprego, e com mais carimbos no passaporte, eu também não mudei tanto assim.
Em tempos em que cada vez é mais difícil emitir qualquer opinião
sem que antes ela se torne uma polêmica absolutamente desnecessária, há umas
duas semanas, o Oscar nos brindou com uma polêmica DE VERDADE.
Não vou mentir pra vocês. Eu não suporto mais esse assunto. Geralmente
eu consigo desviar das brigas usuais da rede do passarinho, porque, ou são discussões
inúteis que escalam para discussões ainda mais inúteis (vide o caso da coitada
da menina que só tinha um pai legal e ganhou uns potinhos de Baccio de Latte),
ou são discussões complexas demais para tomar algum partido sem o conhecimento
adequado.
Mas essa daqui eu presenciei ao vivo. E tava me irritando
profundamente ver pessoas sendo extremamente irresponsáveis nos seus comentários,
sem nenhuma razoabilidade. Pela primeira vez na vida, usei a ferramenta de
silenciar palavras no Twitter. Pois estava cansada de tentar embutir algum
discernimento na cabeça de gente que só repercute o discurso “questionador”.
Mas daí eu lembrei que eu ainda tenho um blog. E que eu
costumava discorrer muito bem por aqui sobre esses assuntos polêmicos, sem
incitar a ira de ninguém. Porque é assim que a gente discorre sobre as coisas. Num
texto de 3 páginas. E não num tweet de 280 caracteres.
Pra quem mora numa caverna ou não possui uma TV, segue um resumo
da história:
Will Smith, mega estrela de Hollywood, na noite em que era
favorito a ganhar a estatueta de melhor ator, ao escutar uma piada sem graça envolvendo
o fato de sua esposa ser careca, simplesmente se levantou de seu lugar, arrumou
os botões de seu terno, se dirigiu ao comediante Cris Rock e tacou-lhe um tapão
no meio da fuça do sujeito.
Meme devidamente atualizado
Todo mundo demorou alguns minutos pra entender que aquilo tinha
acontecido de verdade e não era uma esquete encenada da cerimônia. A mulher
do Will Smith tem alopecia. Cris Rock já tinha feito piada com eles em 2016. Team
Will x Team Cris Rock. As redes sociais estavam em polvorosa e dali até o
final da premiação ninguém prestou atenção em mais nada.
BREAKING: We can confirm what Andrew Garfield and Zendaya were texting after Will Smith slapped Chris Rock at the #Oscarspic.twitter.com/TFZeZeYUoA
Mais tarde, Will subiu ao palco para receber seu Oscar, fez
um discurso emocionado em que se fez de vítima e não pediu desculpas para ninguém.
Essa é a parte que É VERDADE MESMO, e não há contestação
porque todo mundo viu.
Mas nos dias que se seguiram, a imprensa nos bombardeou de
notícias relacionadas, dentre as quais, nem todas parecem ser verdade. Não
porque a imprensa esteja inventando. Mas porque os relações públicas de todas
as partes envolvidas estavam no modo FULL gestão de crise (estilo empresários
da Karol Conká no dia da eliminação dela do BBB21), cada um tentando salvar a
sua pele. Segue a lista então do que descobrimos nos dias seguintes:
. A Academia tentou tirar o corpo fora dizendo que a piada
não estava no script e que Cris Rock tinha improvisado da cabeça dele (altamente
improvável).
. A Academia tentou tirar Will Smith da cerimônia, mas ele
se recusou a sair (mais uma mentira que logo depois caiu por terra). Segundo
fontes, de fato houve alguma negociação com os empresários do ator com a
polícia, mas o pedido de retirada nunca chegou ao ator.
. Cris Rock se negou a prestar queixa na polícia
. Cris Rock disse que não sabia que a mulher do Will tinha alopecia
(duvido).
. Após somente 2 dias, quando viu que o negócio estava
ficando feio para o seu lado, Will Smith soltou um pedido de desculpas pelo seu
ato inconsequente pelo Instagram.
. A Academia prometeu instaurar um processo administrativo
interno para apurar o acontecido e decidir o que ia fazer com Will Smith.
. Will Smith, muito esperto, vendo que ia ser expulso da Academia,
foi mais eficiente e ele mesmo pediu pra sair. O efeito de sair da Academia é
mínimo: a pessoa só nunca mais pode votar nos indicados às premiações.
. Will Smith perde contratos por causa da polêmica.
. A Academia resolve banir Will Smith do Oscar por 10 anos.
O que significa que ele não pode comparecer à festa por 10 anos. Seu Oscar
continua em seu poder.
. No último golpe de misericórdia da equipe de RP de Will,
eles noticiam que Will Smith vai para a rehab.
Dito tudo isso, agora vem os meus dois centavos sobre o
tema:
1) A Academia é muito incompetente
Não é de hoje que os produtores
do Oscar têm errado a mão nas premiações. A cada ano que passa, as reportagens
de dia seguinte destacam como a audiência fica cada vez menor e como a cerimônia
foi longa e chata. A culpa geralmente recai sobre os coitados dos
apresentadores. Mas, o que pouca gente se lembra é que: TUDO AQUILO LÁ É
ROTEIRIZADO!!!! (*) (Incrivelmente, mesmo nos piores anos, o Oscar continua
ganhando Melhor Roteiro Especial de TV, se não me engano). O que significa que
tirando uma coisa ou outra, todos os apresentadores contam piadas que foram
APROVADAS por um time de produtores, e pelos próprios chefões da Academia. Então,
pra quem tá querendo punição pro Cris Rock, foi mal, mas tem outras pessoas
muito mais responsáveis do que ele nessa história. (E é por isso que a Academia
não vai punir o Cris Rock, porque o Cris Rock FEZ O COMBINADO!!!!).
(*) Em pleno 2013, Seth MacFarlane
cantou uma música inteira sobre como as mulheres indicadas a Melhor Atriz já
tinham mostrado os peitos quando interpretavam algum personagem!!!
2) A piada não era racista, talvez fosse um pouco
de mau gosto, mas o pior de tudo é que ela não era engraçada.
Pra quem já assiste o Oscar há algum tempo, sabe que algumas piadas são
meio prontas e eles fazem praticamente todo ano: a piada de não conseguir ler o
teleprompter, a parte que eles dão uma sacaneada nos indicados de documentário
porque ninguém conhece eles, a parte em que o apresentador faz algum seguimento
brincando com os seat fillers...
Enfim, geralmente piadas inofensivas e na maioria das vezes até meio sem graça
mesmo. A piada de Cris Rock só falava que a mulher do Will poderia estrelar uma
sequência de Até o Limite da Honra, porque a Demi Moore aparece de cabelo raspado
nesse filme. O equivalente a falar que aquele careca gordinho e bigodudo do seu
trabalho parece o Sgto Pincel, com a diferença de que o Sgto Pincel é um
personagem muito mais legal, todo mundo o conhece, e por isso a piada é
engraçada. A mulher pode ter se sentido meio chateada porque não lida muito bem
com a calvície, mas em nenhum momento o cara ofendeu tremendamente sua honra (a
personagem do filme é super badass até. Se parar pra pensar, foi até um elogio).
Só atestou que era careca. Por uma certa ótica, talvez a piada tenha sido um pouco
insensível, mas o principal é que não era engraçada mesmo.
3) Will errou. MUITO. FEIO. E não pode ficar impune.
Por mais que você ache que a
piada foi imperdoável, acho que todos temos que concordar que Will Smith
errou. Sua atitude foi absolutamente desproporcional e nunca deveria ter
descambado para a violência.
Por mais que ele tivesse se
sentido ofendido (e ele até tem direito de se sentir ofendido), ele poderia ter
lidado com a situação de MILHARES de outras formas. Podia ter ido lá e pegado o
microfone dele, estilo Suzana Vieira/Kanye West, e gritado umas atrocidades. Podia
ter esperado seu Oscar, que certamente viria, e incorporado uma crítica no
discurso. Podia ter soltado uma nota de repúdio depois no Twitter, estilo
Rodrigo Maia. E se ele quisesse muito bater nele e sair ileso dessa, devia ao
menos ter esperado a festa acabar.
Mas bater numa pessoa só porque
ela fez uma piada sem graça na frente de BILHÕES de pessoas? Foi um mau exemplo
ENORME!!!!!! E ele PRECISA lidar com as consequências agora. NÃO DÁ PRA DEIXAR
ESSA PASSAR, foi mal. Não pun-lo é dizer que outras pessoas podem sair estapeando
outras ao vivo no Oscar também. Não puni-lo é dizer que a violência, quando bem
justificada, é aceitável.
Querendo ou não, Will Smith estava
no ambiente de trabalho, e tá cansado de saber que, além de bater em pessoas
ser errado, bater em pessoas no ambiente de trabalho (sem estar atuando) é MUITO
ERRADO. Em qualquer lugar isso é demissão na hora.
É por isso que tanto no esporte,
quanto no BBB, é motivo de expulsão. Me admira não terem arrancado ele de lá no
meio da cerimônia mesmo.
No final, acho que está sofrendo
as consequências justas: sair da Academia, banir da festa do Oscar, perder uns
contratos... Pra quem tá achando que a carreira dele acabou, não sejam ingênuos.
Ele vai passar um tempo na geladeira, mas vai dar uma entrevista chorando na
Oprah e depois vai voltar. Will Smith tem muito carisma. Seria realmente injusto
o cara ter toda a carreira arruinada por causa de um tapa. Mas que vai sofrer
um tempinho, vai sim.
4) A militância em questão de afinidade cega as pessoas
Quando começaram a sair as notícias de que Will ia sofrer alguma consequência por ter dado um tapa em ambiente de trabalho na frente de bilhões de espectadores, algumas pessoas já começaram a trazer à tona alguns outros casos de celebridades brancas que também tinham se envolvido em polêmicas e estão aí alegremente até hoje. E bom, realmente existem casos de gente branca que faz coisa muito pior do que dar um tapa na outra e tá por aí de bobeira.
Mas para cada velho branco escroto que sai impune, tem muitos outros que, graças a Deus e ao movimento Me Too em 2018, se ferraram também. No contexto Oscar, Roman Polanski e Harley Weinsen foram expulsos da Academia recentemente. Em 2006, Zidane estava com a mão na taça de Melhor Jogador da Copa, encerrando a carreira, e deu uma cabeçada no italiano em plena final, depois do cara ter falado umas gracinhas sobre sua irmã (situação bem parecida com a de Will Smith), e, obviamente não levou o prêmio (foi a primeira vez na história que um zagueiro ganhou Melhor da Copa!). Mel Gibson deu umas declarações antissemitas e passou ANOS sem produzir um filme. A carreira do Kevin Spacey acabou. A Globo demitiu o José Mayer. A Nike descontinuou o contrato com o Neymar. Você só está vendo o Army Hammer em exibição nos cinemas esse mês porque Morte no Nilo ia sair em 2020 (!!!) e foi adiado por causa da pandemia. E o estúdio fez DE TUDO pra esconder ele nos pôsteres e na divulgação do filme depois que saíram notícias de que ele era canibal (pra esse aí acho que é fim da linha também).
É preciso salientar que algumas polêmicas são mais complexas que outras e demandam muita investigação e de fato julgamento no tribunal para gente saber onde a verdade está. Cancelar uma pessoa por causa de um boato algumas vezes pode causar danos irreversíveis na vida de alguém inocente. E outra coisa é que as marcas e os contratantes na verdade só querem ter seu nome longe de polêmicas. Não é racismo: são negócios!
Veja bem: o racismo EXISTE! Mas não justifica todas as situações, como muita gente gosta de bradar. Um cara com a popularidade do calibre do Will Smith está acima de qualquer questão racial. E o caso dele não tem nem discussão: FOI FLAGRANTE!!!! BILHÕES DE PESSOAS VIRAM! AO VIVO!!! Não tem como ele não sofrer punições pesadas!!!
E como eu disse, ele vai passar um tempo na geladeira, mas vai voltar. Parem de brigar por causa disso.
5) As pessoas são hipócritas pra caraca
Aí bastou essa polêmica toda pra galera do “tem que acabar o humor das piadas ácidas” começar a encher o saco. E, se você parar pra observar, são as mesmas pessoas que todo ano reclamam e pedem Ricky Gervais no Oscar. Ora bolas! Vocês precisam decidir o que vocês querem!!!! Ano passado tavam azucrinando que o BBB tava pesado demais, crucificaram a Karol Conká (não sem razão), reclamaram que só colocam gente com ficha na polícia pra dar audiência... Esse ano, na primeira semana do BBB22, não faltou gente saudosista: BBB bom era aquele da Mamacita, viu! A essa hora ela já tinha ido lá no quarto e falado que o Lucas não podia almoçar com o resto das pessoas! Karol Conká Rainha, o resto nadinha... E quanto mais o elenco desse ano se provava uma trupe avessa às tretas, mais a audiência reclamava: Onde já se viu um BBB em que as pessoas não querem brigar??? Boninho, faça alguma coisa!!!
Então, veja bem, as pessoas veem o BBB pra assistir outras pessoas brigando. Só que historicamente as pessoas que arrumam grandes confusões são logo eliminadas!!!!
Simplesmente a melhor de todas
Ano que vem, vão pegar um apresentador bem chapa branca, ou deixar sem apresentador mesmo o Oscar, daí vocês vão falar: Caraca, tinha que ter chamado era o Cris Rock, viu! Pelo menos a essa hora já tinha umas 10 piadas constrangedoras e a gente tava com medo de ele apanhar mais uma vez.
6)A gente não pode deixar de brincar, só porque alguém se sente ofendido
Essa daqui entra dia, sai dia, eu reforço porque não é possível que a gente viva num mundo tão sem razoabilidade. As pessoas cada dia que passa se sentem mais e mais ofendidas por coisas cada vez menos ofensivas. É uma hiperleitura daquilo que é escrito ou dito que está INSUPORTÁVEL!!!!! Sério, gente, vocês tão precisando de uma louça pra lavar.
Existe um problema grave de interpretação de texto e uma pré-disposição a encontrar polêmicas em situações cotidianas, que ignoram a existência de qualquer nuance. Não há boa vontade em de fato ENTENDER aquilo que o outro está querendo dizer.
Esse é outro injustiçado, coitado. As pessoas perderam muito a noção.
E se tá assim nas coisas mais estúpidas, aí fica difícil pro comediante mesmo, porque, fora a comédia física, o humor é ESSENCIALMENTE dependente da interpretação de texto e da boa vontade e conhecimento de mundo do receptor da piada. (Repara na quantidade de tirinhas que tem num livro de português, ou na prova do ENEM. Humor é teste de interpretação de texto NA VEIA!)
Quer dizer que o comediante pode fazer graça com tudo? Bom, depende. Tem um vídeo muito legal do Gregório Duvivier com um humorista português em que eles discutem exatamente isso, e ele conta a seguinte piada:
Ironicamente, o cara começa comentando uma outra piada do Cris Rock. Mas a piada que eu queria que vocês ouvissem mesmo começa em 27:00. A discussão é muito boa, de verdade. Vale a pena ver o vídeo. E é bem rápido, no minuto 30 eles já mudaram de assunto.
E aí? É ofensiva? Tem um tema espinhoso sim. Mas, a graça não está no machismo em si, mas na situação estúpida que está sendo contada. (*)
(*) Da mesma forma que a piada de 2016 sobre o casal Smith não é ofensiva porque diz que eles não foram convidados para a festa. Eles de fato não foram. Mas tem uma misoginia embutida ali no finalzinho sobre a calcinha da Rihanna, que não tinha nem nada a ver com a história que, putz, totalmente desnecessária.
Percebe a nuance? E a gente tem que aceitar que as pessoas e situações são complexas, e que, naturalmente, isso vai exigir que a gente observe as diversas camadas de cinza para temas que a maioria só enxerga “preto e branco”. Não dá pra colocar uma regra pra tudo. Não dá pra proibir todas as brincadeiras.
Além disso, as pessoas são seres humanos, e, por mais bem intencionadas que elas sejam, elas VÃO COMETER ERROS!!!!!
E ok, a gente pode e deve continuar brincando, a gente pode e deve tentar ficar de boa com as situações e a gente pode e deve dizer pro outro que não gostou da brincadeira quando aquilo de fato te ferir, mesmo sabendo que não teve a intenção. Daí o outro pede desculpa, para de fazer a gracinha e pronto, vida que segue.
É claro que vão ter situações que a gente não pode mais aceitar mesmo e são CRIME. Mas na maioria das vezes vão ser mal entendidos, ou situações cinzentas que vão precisar na nossa boa vontade pra seguir em frente.
Imagina um Oscar sem zoar o fato do Leo DiCaprio só pegar novinha? Imagina não brincar com os colegas de trabalho na hora do café? Imagina viver num mundo sem nenhuma leveza? Não tem a menor condição.
E eu sei que vocês são melhores do isso. Vocês conseguem. É só querer.
Agora o que eu quero mesmo é um especial Will x Cris na Oprah, com os dois terminando o programa vestindo essa camisa aqui, pra enterrar esse assunto de vez.