sábado, 24 de outubro de 2020

Erro de roteiro

Outro dia no Twitter, uma pergunta sobre características inusitadas viralizou no Twitter e por um ou dois dias só se falava em outra coisa.

A Juliana falou que apesar de amar samba, escolas de samba e ter um pagode inteirinho dedicado a fazê-la sambar, não sabe muito como fazer isso.

E eu queria muito entrar nessa corrente e compartilhar uma coisa que fosse extremamente curiosa sobre mim, algo que fosse realmente absurdo, que se o roteiro da minha vida parasse na mão de um revisor, ele com certeza iria mandar voltar e reescrever porque não fazia o menor sentido, mas a real é que não consegui achar nada que caracterizasse um erro de roteiro como a pergunta sugeria.

Não que eu não tenha lá minhas contradições. Tenho muitas, um montão.

Por trás da pessoa séria que constrói argumentos bem fundamentados, tem uma menina que ri dos memes mais idiotas. Por trás da pessoa que sabe todos os normativos da profissão de cor, tem uma menina que também possui um conhecimento interminável de futilidades e ama discutir as tretas dos famosos (o nível de comprometimento pra pesquisar e arquivar essas coisas na memória é o mesmo). Apesar da aparência quietinha e da rotina provinciana talvez, a pessoa que vos fala é capaz de comprar ingresso pra ver seu artista favorito em outro estado (quiçá outro país) e se transforma loucamente quando as luzes se apagam e o show começa. E apesar da paciência praticamente nula para rituais de beleza, gosto mesmo é de uma romcom bem gostosinha pra esquentar o coração e de um pop bem chiclete (geralmente as pessoas se surpreendem quando descobrem que não sou roqueira). Na época da escola, apesar das notas altas, mal podia esperar para a aula de Ed. Física e jogava handebol do time do colégio. Embora seja um pouco tímida, não tenho medo de fazer piada em público e rir de mim mesma. Embora seja um pouco mais fechada, amo abraçar as pessoas e estar em comunidade.

Mas acho que nada disso seria suficiente para caracterizar um erro de roteiro, ou um problema na construção do personagem. Na verdade, os bons personagens são justamente esses que não são 100% estereótipo o tempo todo. Ou, na verdade, tem muita coisa aí na lista que a própria contradição já virou um estereótipo em si. Quando paro pra pensar, acho até que eu daria uma excelente mocinha de romcom. Acho que ia gostar muito do meu personagem se estivesse lendo/assistindo.

Pra você que acompanha esse blog há um tempo, ou me segue nas redes sociais, nada disso que contei agora soará como surpresa. Talvez o que os surpreenda é que no trabalho eu me fantasio (ou me fantasiava, antes da pandemia) de executiva pra parecer mais séria, sou capaz de falar grosso com gente preguiçosa, e não tenho medo de brigar com quem está abaixo da performance esperada.

E isso também faz parte do personagem. Ou pelo menos faz parte dessa outra faceta do personagem. Na vida, a gente interpreta diversos papéis, diversas versões de nós mesmos, dependendo da situação. E nada disso se caracterizaria como erro de roteiro. Essas aparentes contradições é o que nos torna criaturas extremamente complexas, na verdade. Errado estaria se fosse ao contrário. Porque os roteiros com personagens sem nuances geralmente são roteiros que são ruins pra caramba.

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segunda-feira, 12 de outubro de 2020

O anacronismo de Emily in Paris

No início de outubro a Netflix soltou em seu catálogo mais um título de qualidade duvidosa do qual não conseguimos parar de comentar. De cada 10 tweets sobre Emily in Paris, 10 comentam como a série é ruim, mas de alguma forma adorável a ponto de causar anseio pela 2ª temporada.

As críticas vão desde a polêmica dos franceses, que ficaram extremamente ofendidos com a maneira como foram retratados na série (em minha opinião, uma reação exagerada, mas compreensível. A gente também não gosta de ver os estereótipos e as peculiaridades do brasileiro jogadas na nossa cara quando abordadas por um olhar estrangeiro.), até o estilo de vida completamente irreal dos personagens.

Criada pelo mesmo produtor de Sex in the City e com a mesma figurinista que além da icônica série da HBO, também montou o guarda-roupas de O Diabo Veste Prada e Delírios de Consumo de Becky Bloom, Emily in Paris é puro escapismo clichê. O figurino, aliás, é um deleite à parte, comunicando através de cortes e cores exatamente a personalidade de cada personagem. Não importa se os parisienses se vestem assim de verdade, como muita gente se questionou, mas que as roupas mostrem como Emily é exagerada e desajustada naquele ambiente. E isso Patricia Field faz com maestria.

Poor Emily 

Mas, a série é boa? A resposta é...não.

A título de comparação, esse ano a HBO Max lançou uma minissérie com a Anna Kendrick, com foco na vida amorosa e profissional de uma jovem de vinte e poucos anos em NY, infinitamente melhor. Mais bem filmada, atuada, atual. Love Life, #ficaadica. Também não é uma obra prima não, mas, pelo menos mais ambiciosa do que essa daqui.

Os personagens de Emily in Paris todos têm a profundidade de um pires, e em tempos de convulsão social Emily in Paris ignora totalmente a atmosfera tóxica em que vivemos. A protagonista, por si só, é bobinha demais e parece viver num mundo paralelo em que tudo se resolve com um sorriso e um papo honesto. (Ainda estou bem confusa como uma menina tão novinha e tão ingênua tem um cargo de gerente sênior em qualquer lugar) Todos, eu disse TODOS, os caras gatos de Paris se interessam por ela. Seu instagram dá uma bombada da noite pro dia por causa de umas fotos que nem são tão legais. Seu estilo de vida e roupas que veste claramente não combinam com o seu poder financeiro. Problemas psicológicos ou traumas do passado? Também não. Nem sua chefe em Paris, que a gente ficou esperando sair do clichê da megera que a odeia acrescentou algo a mais do que isso.

O elenco também não é lá essas coisas. Tirando a amiga chinesa (que eu sei que é maravilhosa pois Mean Girls na Broadway), os atores não têm aqueeeela extensão dramática que faça você admirá-los. E os diálogos também não são muito inspirados, apesar de arrancar algumas risadas por episódio.

Falta substância que justifique uma série como Emily in Paris em pleno 2020. Quer dizer, onde estão as discussões sobre feminismo e diversidade? Onde estão as bandeiras das minorias? Uma série que fala tanto sobre moda vai mesmo nos apresentar só personagens magérrimas todo episódio assim sem falar nada? Não fosse pelas redes sociais, Emily in Paris poderia se passar facilmente nos anos 80 ou 90. Existe um certo anacronismo que às vezes incomoda. Quer dizer, se as pessoas enchem tanto o saco com Friends, um produto até bem progressista para o seu tempo, por que Emily in Paris faz tanto sucesso?

Mas ao mesmo tempo, é EXATAMENTE por todas essas coisas que não dá pra não gostar de Emily in Paris. Quer dizer, sim, a Emily é um pouco bobinha demais e vive num mundo particular e não tem problemas de verdade. Mas será mesmo que a gente precisa de mais problemas?

Falem a verdade, eu sei que vocês curtem Girls e Crazy Ex-Girlfriend, e que elas são super a frente do seu tempo e tal, mas quando vocês estão assistindo essas séries, vocês também não ficam cansados de tanta militância e ausência de pessoas (muito) bonitas?

A gente precisa normalizar novamente o galã samambaia na TV

E por mais que Lily Collins seja canastrona e caretuda, há algo de admirável em sua Emily. A personagem não é a protagonista-feminina-forte que estamos acostumadas, mas é extremamente resiliente e não se deixa abalar mesmo quando tudo dá errado. A garota toma esporro toda semana, e nem quando perde o emprego ela desmorona. Existe algo de Polyana em Emily, de olhar as coisas pelo lado bom. Ela está em Paris, vivendo o sonho de toda garota, curtindo a vida, pegando vários caras gatos, pelamordeDeus! Realmente não dá pra reclamar muito não!

Às vezes tudo o que a gente precisa é de uma seriezinha de 30 min pra desligar o cérebro, e babar nos figurinos e ficar se questionando como aquelas situações são irreais, e admirar uns carinhas gatos, e sonhar com o dia em que finalmente poderemos ir a Paris de novo (vou te falar que de todas as cidades do exterior que já visitei, Paris é uma das que tenho menos vontade de ir de novo, mas assistindo a série, já estou aqui me questionando se não deveria dar mais uma chance à cidade luz, porque não é possível que eu não tenha conseguido enxergar essa cidade idealizada que a série faz propaganda).

Andy também mandou lembranças nesse vestido aqui

E é por isso que em pleno 2020 a gente não se cansa de assistir Friends, e as pessoas param tudo o que estão fazendo para assistir de novo as novelas do Maneco e de vez em quando eu me pego com vontade de mergulhar dentro dos livros que gosto e gostava quando adolescente. Porque no meio dessa turbulência que está sendo 2020, a gente precisa de um conforto e quer fugir para esses lugares em que as coisas dão certo. A gente está precisando sonhar.

E Emily in Paris pode não ser a série que a gente merece, mas, dadas as circunstâncias, certamente é a série que a gente precisa.

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