segunda-feira, 2 de novembro de 2020

A cena do celeiro

Em tempos de Netflix e maratona de uma temporada inteira, já é um fato que a linguagem televisiva das séries mudou. 

Saem os procedurais com uma leve premissa e casos da semana que aguentam 25 episódios por ano, entram as séries mais curtinhas, feitas para se consumir de uma só vez em que os episódios são “capítulos” de uma obra maior (e cada vez menos “episódicos”, como o antigo formato parecia sugerir). Se antes era possível perceber como os roteiros adequavam seus atos à realidade das paradas para os comerciais, com ganchos que deixavam o espectador “pendurado” até a volta das propagandas, agora os ganchos ficam reservados principalmente para o final dos episódios de forma que sigamos grudados na tela até o final da temporada. Aquele breve resumo de “nos episódios anteriores”, também deixam de fazer sentido nesse “novo jeito de assistir TV”.

Particularmente acho a maneira de acompanhar as séries introduzidas pela Netflix um tiro no pé. Os seriados quando têm seus episódios liberados todos de uma vez só tem relevância cultural de no máximo uma semana, ao passo que, ao liberar os episódios semanalmente, a presença nas redes sociais, na mente e na vida das pessoas se estende por meses. É o sentimento de comunidade, de todo mundo assistir junto (mesmo que não exatamente ao mesmo tempo), de marcar seu nome naquele pedaço de tempo que torna uma série inesquecível. E esse tipo de engajamento foi o que tornou Lost e Game of Thrones verdadeiros fenômenos culturais. Acredito que seja muito difícil que isso se repita daqui pra frente.

Mas nada faz mais falta nesses tempos de streaming do que “a cena do celeiro”. Calma, eu explico.

A estrutura de um episódio clássico de Smallville (e de outras séries pré-Netflix) consistia em:

1) Clark acorda de manhã, vai para o colégio, encontra Chloe e discutem no Mural do Esquisito a aparição de alguma criatura ou comportamento estranhos na cidade (o “Freak of the Week”)

2) Paralelamente tem uma outra trama envolvendo um personagem secundário que vai se cruzar com a história do “freak of the week”, e que possivelmente constituirá um dilema ético para Clark ou para o outro personagem. Nessa parte do episódio, eles tomam alguma decisão equivocada, os personagens brigam. Geralmente temos um discurso filosófico do Lex ou do pai do Lex.

3) Clark está discutindo alguma coisa com a Chole, e, durante a conversa, eles chegam à conclusão de que o vilão está para concluir seu plano maligno naquele segundo. Clark desaparece com sua supervelocidade, deixando a Chloe falando sozinha. Clark usa seus poderes e salva o dia.

Nesse ponto você já sabe que o episódio basicamente acabou, e falta só mais um bloco para o desfecho. Na época do Celso Portiolli no SBT, depois te ter aguentado comerciais de mais de 10 minutos, você sabe até que, se quiser pode mudar de canal, mas não troca porque logo em seguida vem, sim, ela mesma: “a cena do celeiro”.

Nesse bloco, Clark e seu pai, ou Clark e algum amigo com quem tenha tido uma conversa filosófica ou uma briga no meio, fazem o encerramento daquele episódio. Eles refletem, geralmente no celeiro, sobre como estavam sendo estúpidos ou como suas ansiedades não faziam sentido, pedem desculpas (os dois envolvidos!) e fazem as pazes. Os personagens tiram suas lições, sobe a música (geralmente de alguma banda pop-rock americana obscura, que você provavelmente nunca ouviu falar. Mas a música é boa e você depois vai baixa-la no eMule, após o final do episódio. Isso depois de descobrir quem tá cantando em algum portal especializado na série, claro), a câmera pega distância e pronto. Todos estão felizes de novo. O espectador está pronto para seguir com a sua vida, e semana que vem tem outro episódio pra gente assistir.

Vale ressaltar que a “cena do celeiro” é uma cena não só presente em Smallville, mas em diversas outras séries dos anos 2000, como The OC, House, Greys Anatomy, etc.

Pois bem, falei isso tudo porque gostaria de deixar registrado aqui como “a cena do celeiro” está fazendo falta, não só na TV, como nas nossas vidas.

Nessa loucura de redes sociais, a gente parece que perdeu a capacidade de CONVERSAR. De escutar o outro e ter EMPATIA para entender o outro lado. No meio desse caos que se transformou a internet, com gente do mal jogando iscas o tempo todo para que a gente brigue sem parar, a gente tá se esquecendo que as pessoas são HUMANAS e fatalmente VÃO COMETER ERROS! A gente tá precisando de mais “cenas do celeiro” em que a gente reflete um pouquinho sobre o que está acontecendo, e aprende com os erros e PEDE DESCULPAS e PERDOA os outros também. Tem muito dedo apontado. Muita militância, muito cancelamento. Pouca VONTADE de entender o que o outro de fato tá querendo dizer.

Esse extremismo sem conversa, em que tudo a gente quer “ganhar no grito” pra mostrar que TÁ ERRADO, às vezes se esquece de que tem situações em que realmente não são tão simples ou “preto no branco” quanto parecem. Tem alguns graus de cinza no meio que precisam ser considerados, sob pena de cairmos no mesmo discurso de censura que a gente tanto reclama.

Eu sei que é difícil, principalmente porque a nossa tolerância no passado recente parece ter dado brecha ao empoderamento de uma galera realmente do mal, que utiliza do argumento da liberdade de expressão pra espalhar discurso de ódio. Mas A GENTE TÁ PERDENDO O BOM SENSO!!!!!

A gente tá precisando RESPIRAR, e DESLIGAR um pouco, para REFLETIR de fato sobre o que está sendo dito. Essa era outra função essencial da “cena do celeiro”. Fala a verdade, tem umas séries hoje em dia que nem são boas, só são viciantes. Só que a gente não tem TEMPO de perceber isso, porque viu tudo de uma vez. A gente tá precisando de “menos timeline infinita”, e mais artigo de jornal e revista, mais livro, mais blog.

A gente tá precisando escutar uma música de uma banda pop-rock obscura e descobrir quem canta num portal especializado. A gente tá precisando gastar mais nossa energia em criar e acompanhar portais especializados e conhecer gente diferente que goste das mesmas coisas.

Até o Netflix sabe que deixar o streaming rolando o tempo todo direto é ruim, e depois de um tempo, ele dá uma parada e pergunta se você tá vivo, se não quer fazer outra coisa, ir comer, respirar um pouquinho.

A gente tá precisando do Celso Portiolli trazendo toda a sua simpatia e leveza para o meio das séries e das nossas vidas. Não, brincadeira, do Celso Portiolli a gente não tá precisando não.

Não dá pra acreditar que a Chloe hoje tá presa acusada por causa de uma seita em que rolava tráfico sexual.

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sábado, 24 de outubro de 2020

Erro de roteiro

Outro dia no Twitter, uma pergunta sobre características inusitadas viralizou no Twitter e por um ou dois dias só se falava em outra coisa.

A Juliana falou que apesar de amar samba, escolas de samba e ter um pagode inteirinho dedicado a fazê-la sambar, não sabe muito como fazer isso.

E eu queria muito entrar nessa corrente e compartilhar uma coisa que fosse extremamente curiosa sobre mim, algo que fosse realmente absurdo, que se o roteiro da minha vida parasse na mão de um revisor, ele com certeza iria mandar voltar e reescrever porque não fazia o menor sentido, mas a real é que não consegui achar nada que caracterizasse um erro de roteiro como a pergunta sugeria.

Não que eu não tenha lá minhas contradições. Tenho muitas, um montão.

Por trás da pessoa séria que constrói argumentos bem fundamentados, tem uma menina que ri dos memes mais idiotas. Por trás da pessoa que sabe todos os normativos da profissão de cor, tem uma menina que também possui um conhecimento interminável de futilidades e ama discutir as tretas dos famosos (o nível de comprometimento pra pesquisar e arquivar essas coisas na memória é o mesmo). Apesar da aparência quietinha e da rotina provinciana talvez, a pessoa que vos fala é capaz de comprar ingresso pra ver seu artista favorito em outro estado (quiçá outro país) e se transforma loucamente quando as luzes se apagam e o show começa. E apesar da paciência praticamente nula para rituais de beleza, gosto mesmo é de uma romcom bem gostosinha pra esquentar o coração e de um pop bem chiclete (geralmente as pessoas se surpreendem quando descobrem que não sou roqueira). Na época da escola, apesar das notas altas, mal podia esperar para a aula de Ed. Física e jogava handebol do time do colégio. Embora seja um pouco tímida, não tenho medo de fazer piada em público e rir de mim mesma. Embora seja um pouco mais fechada, amo abraçar as pessoas e estar em comunidade.

Mas acho que nada disso seria suficiente para caracterizar um erro de roteiro, ou um problema na construção do personagem. Na verdade, os bons personagens são justamente esses que não são 100% estereótipo o tempo todo. Ou, na verdade, tem muita coisa aí na lista que a própria contradição já virou um estereótipo em si. Quando paro pra pensar, acho até que eu daria uma excelente mocinha de romcom. Acho que ia gostar muito do meu personagem se estivesse lendo/assistindo.

Pra você que acompanha esse blog há um tempo, ou me segue nas redes sociais, nada disso que contei agora soará como surpresa. Talvez o que os surpreenda é que no trabalho eu me fantasio (ou me fantasiava, antes da pandemia) de executiva pra parecer mais séria, sou capaz de falar grosso com gente preguiçosa, e não tenho medo de brigar com quem está abaixo da performance esperada.

E isso também faz parte do personagem. Ou pelo menos faz parte dessa outra faceta do personagem. Na vida, a gente interpreta diversos papéis, diversas versões de nós mesmos, dependendo da situação. E nada disso se caracterizaria como erro de roteiro. Essas aparentes contradições é o que nos torna criaturas extremamente complexas, na verdade. Errado estaria se fosse ao contrário. Porque os roteiros com personagens sem nuances geralmente são roteiros que são ruins pra caramba.

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segunda-feira, 12 de outubro de 2020

O anacronismo de Emily in Paris

No início de outubro a Netflix soltou em seu catálogo mais um título de qualidade duvidosa do qual não conseguimos parar de comentar. De cada 10 tweets sobre Emily in Paris, 10 comentam como a série é ruim, mas de alguma forma adorável a ponto de causar anseio pela 2ª temporada.

As críticas vão desde a polêmica dos franceses, que ficaram extremamente ofendidos com a maneira como foram retratados na série (em minha opinião, uma reação exagerada, mas compreensível. A gente também não gosta de ver os estereótipos e as peculiaridades do brasileiro jogadas na nossa cara quando abordadas por um olhar estrangeiro.), até o estilo de vida completamente irreal dos personagens.

Criada pelo mesmo produtor de Sex in the City e com a mesma figurinista que além da icônica série da HBO, também montou o guarda-roupas de O Diabo Veste Prada e Delírios de Consumo de Becky Bloom, Emily in Paris é puro escapismo clichê. O figurino, aliás, é um deleite à parte, comunicando através de cortes e cores exatamente a personalidade de cada personagem. Não importa se os parisienses se vestem assim de verdade, como muita gente se questionou, mas que as roupas mostrem como Emily é exagerada e desajustada naquele ambiente. E isso Patricia Field faz com maestria.

Poor Emily 

Mas, a série é boa? A resposta é...não.

A título de comparação, esse ano a HBO Max lançou uma minissérie com a Anna Kendrick, com foco na vida amorosa e profissional de uma jovem de vinte e poucos anos em NY, infinitamente melhor. Mais bem filmada, atuada, atual. Love Life, #ficaadica. Também não é uma obra prima não, mas, pelo menos mais ambiciosa do que essa daqui.

Os personagens de Emily in Paris todos têm a profundidade de um pires, e em tempos de convulsão social Emily in Paris ignora totalmente a atmosfera tóxica em que vivemos. A protagonista, por si só, é bobinha demais e parece viver num mundo paralelo em que tudo se resolve com um sorriso e um papo honesto. (Ainda estou bem confusa como uma menina tão novinha e tão ingênua tem um cargo de gerente sênior em qualquer lugar) Todos, eu disse TODOS, os caras gatos de Paris se interessam por ela. Seu instagram dá uma bombada da noite pro dia por causa de umas fotos que nem são tão legais. Seu estilo de vida e roupas que veste claramente não combinam com o seu poder financeiro. Problemas psicológicos ou traumas do passado? Também não. Nem sua chefe em Paris, que a gente ficou esperando sair do clichê da megera que a odeia acrescentou algo a mais do que isso.

O elenco também não é lá essas coisas. Tirando a amiga chinesa (que eu sei que é maravilhosa pois Mean Girls na Broadway), os atores não têm aqueeeela extensão dramática que faça você admirá-los. E os diálogos também não são muito inspirados, apesar de arrancar algumas risadas por episódio.

Falta substância que justifique uma série como Emily in Paris em pleno 2020. Quer dizer, onde estão as discussões sobre feminismo e diversidade? Onde estão as bandeiras das minorias? Uma série que fala tanto sobre moda vai mesmo nos apresentar só personagens magérrimas todo episódio assim sem falar nada? Não fosse pelas redes sociais, Emily in Paris poderia se passar facilmente nos anos 80 ou 90. Existe um certo anacronismo que às vezes incomoda. Quer dizer, se as pessoas enchem tanto o saco com Friends, um produto até bem progressista para o seu tempo, por que Emily in Paris faz tanto sucesso?

Mas ao mesmo tempo, é EXATAMENTE por todas essas coisas que não dá pra não gostar de Emily in Paris. Quer dizer, sim, a Emily é um pouco bobinha demais e vive num mundo particular e não tem problemas de verdade. Mas será mesmo que a gente precisa de mais problemas?

Falem a verdade, eu sei que vocês curtem Girls e Crazy Ex-Girlfriend, e que elas são super a frente do seu tempo e tal, mas quando vocês estão assistindo essas séries, vocês também não ficam cansados de tanta militância e ausência de pessoas (muito) bonitas?

A gente precisa normalizar novamente o galã samambaia na TV

E por mais que Lily Collins seja canastrona e caretuda, há algo de admirável em sua Emily. A personagem não é a protagonista-feminina-forte que estamos acostumadas, mas é extremamente resiliente e não se deixa abalar mesmo quando tudo dá errado. A garota toma esporro toda semana, e nem quando perde o emprego ela desmorona. Existe algo de Polyana em Emily, de olhar as coisas pelo lado bom. Ela está em Paris, vivendo o sonho de toda garota, curtindo a vida, pegando vários caras gatos, pelamordeDeus! Realmente não dá pra reclamar muito não!

Às vezes tudo o que a gente precisa é de uma seriezinha de 30 min pra desligar o cérebro, e babar nos figurinos e ficar se questionando como aquelas situações são irreais, e admirar uns carinhas gatos, e sonhar com o dia em que finalmente poderemos ir a Paris de novo (vou te falar que de todas as cidades do exterior que já visitei, Paris é uma das que tenho menos vontade de ir de novo, mas assistindo a série, já estou aqui me questionando se não deveria dar mais uma chance à cidade luz, porque não é possível que eu não tenha conseguido enxergar essa cidade idealizada que a série faz propaganda).

Andy também mandou lembranças nesse vestido aqui

E é por isso que em pleno 2020 a gente não se cansa de assistir Friends, e as pessoas param tudo o que estão fazendo para assistir de novo as novelas do Maneco e de vez em quando eu me pego com vontade de mergulhar dentro dos livros que gosto e gostava quando adolescente. Porque no meio dessa turbulência que está sendo 2020, a gente precisa de um conforto e quer fugir para esses lugares em que as coisas dão certo. A gente está precisando sonhar.

E Emily in Paris pode não ser a série que a gente merece, mas, dadas as circunstâncias, certamente é a série que a gente precisa.

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sexta-feira, 5 de junho de 2020

Teto para Dois e o bingo das romcoms

As pessoas costumam dizer que comédia romântica é um gênero previsível, porque basta seguir uma fórmula, e, voila, temos uma romcom de sucesso. Mas a verdade é que não é bem assim. Às vezes falta aquela...faísca que faz você verdadeiramente se apaixonar por aqueles personagens. E é difícil dizer às vezes o que separa as comédias românticas que fazem você realmente suspirar daquelas que são apenas agradáveis para um sábado chuvoso. Isso porque romcom é um negócio extremamente subjetivo.

Dito isso tudo, é preciso pontuar que, se fosse um Bingo, Teto para Dois marcaria todos os quadrados da cartela e ainda ganharia pontos extras trazer assuntos relevantes do seu tempo. Estão lá a mocinha comunicativa cheia de peculiaridades, o mocinho introvertido, a melhor amiga maluca, o casal de amigos sensatos, o melhor amigo divertido do mocinho, "figurantes" excêntricos que ganham nosso carinho no final e um grande gesto de declaração que parece tirado diretamente de Uma Linda Mulher*... Mas o mais importante é que tanto Tiffy quanto Leon têm tramas paralelas e algum conflito interno para resolver, e cujo o relacionamento dos dois vai ajudá-los a, ao longo do caminho, se tornar pessoas melhores.
** achei essa cena um pouco demais para o mocinho inclusive, mas, entendi o seu propósito.

Apesar disso, Teto para Dois subverte o meetcute (a cena só acontece beeeem pra frente e só ali temos uma descrição física dos protagonistas, o que achei bem esperto da escritora), e a cena clássica do "Só tem uma cama" (parece que todo o romance foi escrito a partir da ideia de subverter este clichê, aliás) e traz elementos que justificam uma das resenhas da contracapa do livro, que o classificou como “uma comédia romântica do século XXI". Um dos assuntos principais é a superação de um relacionamento abusivo (uma clara consequência do recente movimento do Me Too) e bem lá no fundo é possível inferir uma discussão sobre diversidade e racismo na trama do irmão preso, embora a autora nunca deixe isso explícito. Também interessante notar as escolhas feitas sobre o protagonista, que realmente parece refletir uma tendência para os romances modernos. Leon é um mocinho sensível e não idealizado. Bonito de um jeito casual, sem grandes posses, mas que também chora e sabe respeitar o espaço da protagonista.

Bingo, certo? Errado. Por alguma razão, Teto pra Dois não ganhou meu coração, e eu realmente não sei exatamente por quê.

Em determinado momento, lá pela metade do livro, senti que não havia conflitos suficientes, e as tramas paralelas soavam mais interessantes do que a do casal principal. Muitas vezes me perguntei qual a dificuldade dessas pessoas em utilizar o celular. Lá pela página 300, quando acontece a reviravolta que vai separar o casal principal (outro ponto clássico das romcoms), a impressão que fica é que a resolução era menos uma questão de "quando" eles vão se acertar, do que de "se", afinal, os dois moram juntos, têm amigos em comum, e a verdade certamente apareceria em algumas horas (nessas horas faz falta uma "cena do avião" pra dar uma emoção). Mas nenhum desses incômodos me irritou de maneira profunda, ou representam exatamente um defeito na história. Só que... sabe a faísca? Não rolou.

Talvez eu estivesse com expectativas demais. Talvez eu já tenha lido/visto comédias românticas demais. Talvez a escrita não tenha me conquistado por alguma razão... O que não quer dizer que não seja um livro agradável para um sábado chuvoso, ou que não vá funcionar com outra pessoa. Afinal, comédia romântica é um negócio extremamente subjetivo.

Ao me despedir do livro, terminamos nossa relação no melhor dos clichês do “Não é você, sou eu”, e apesar de tudo, desejo tudo de bom pra ele e pra autora e pra todo mundo envolvido. Espero que ganhe um filme, inclusive. Com os atores certos e um diretor bacana, pode elevar o material de uma comédia romântica B para alguma coisa bastante interessante. Durante a leitura, aliás, fiquei com a impressão de que essa história do casal que ocupa a mesma casa sem se ver, na verdade, de alguma forma, já filmada. Chama “A Casa do Lago” 😉 
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domingo, 16 de fevereiro de 2020

NY, I love you

Desde criança sempre tive o sonho de conhecer Nova York. É a cidade que nunca dorme, onde tudo o que há de interessante acontece. Os outdoors iluminados da Times Square, os teatros da Broadway, os prédios com a escada de incêndio do lado de fora. Meus livros e séries e filmes preferidos possuem Nova York como pano de fundo. E não à toa, pois nessas obras, geralmente Nova York é quase um personagem.

Tive a chance de realizar esse sonho em 2016, quando visitei a cidade no verão. O calor estava de matar. 40 graus. Mesmo. O bom de visitar cidade grande é que você pode se refrescar no ar condicionado das lojas. Foi uma viagem incrível. Fiquei com vontade de voltar. Ainda queria ver a cidade enfeitada de Natal. Porque Nova York é especial de qualquer jeito, mas ainda mais icônica no Natal. E fiz isso ano passado.

Não estava nem a fim de viajar no fim do ano, mas trabalhei muito e decidi que merecia esse presente para mim mesma. E eu adoro viajar, mas odeio planejar viagem, então, Nova York, que eu já conhecia, só que em preparação para as festas era a pedida perfeita.

E foi incrível novamente. A cidade realmente respira Natal e eu me senti o Macaulay Culkin em Esqueceram de Mim 2. Os rinques de patinação, o pessoal do Salvation Army, as lojas com suas vitrines decoradas, o desfile da Macys... Dessa vez estava bem frio. O bom de visitar cidade grande é que você pode se esquentar no aquecedor das lojas. Fiquei novamente com vontade de voltar.

Quando falei que ia a Nova York de novo, no ano passado, meu pai estranhou a repetição do destino. “Mas por que vocês gostam tanto de Nova York? O que vocês veem tanto nesse lugar?”, ele perguntava. Na cabeça dele, a cidade tem pouco a oferecer em termos de história e cultura, comparada com outros lugares da Europa, ou da América Latina, por exemplo.

Mas a resposta para essa pergunta tem muito mais a ver com o modo com a cidade de organiza do que com os pontos turísticos em si.

Pra começar as ruas são todas numeradas, e é quase impossível se perder. Acho muito prático.

Mas acho que o motivo principal para Nova York despertar um pulinho no meu coração toda vez que vejo uma foto é justamente o fato de que quando estou em Nova York, por incrível que pareça, eu me sinto em casa.

Acho que a grande virtude da cidade é que, como toda metrópole, ela consegue ser várias cidades em uma só. Em determinado ponto, é a cidade das luzes ofuscantes com todo mundo tirando fotos e carregando sacolas. Em outro logo atrás, tem um parque em que as pessoas relaxam e jogam pingue-pongue no meio da selva de pedra. E no meio de tudo um baita trabalho de urbanismo que oferece quadras de tênis e campos de quadribol. É uma cidade onde as pessoas vivem. E eu adoro ver as pessoas viverem. Na verdade, eu adoro VIVER como aquelas pessoas quando estou lá.

A multietnicidade é o que torna a cidade tão especial. Em Nova York, é impossível apontar que é turista e quem não é. E aí não tem aquela cultura arraigada de tentar enganar o turista, como em Roma. E quando você anda pelas ruas, você é só mais um na multidão querendo chegar em algum lugar. É uma cidade que não só está acostumada com estrangeiros, mas foi construída por estrangeiros. Realmente é o ápice da cultura globalizada.

Come-se muito bem em Nova York. De todos os lugares que já visitei, Nova York é onde saio mais satisfeita no quesito gastronomia. E de novo, o caldeirão de culturas é a chave do sucesso. Em Nova York, como o melhor da comida italiana (melhor que na Itália) e da francesa. Tem barraquinhas com representantes da comida árabe e só procurar no Google para encontrar restaurantes gregos, turcos ou japoneses. Em Nova York, eu como salada e fast-food mexicano. E se quiser muito ainda descolo uma churrascaria brasileira. Os mercados são cheios de opções saudáveis e dá pra ver que o nova-iorquino que diz que só come besteira, o faz porque quer.

Não é uma cidade perfeita. Muito pelo contrário. A maior cidade do planeta convive com muitos problemas enfrentados aqui no Brasil. O metrô tem ratos, às vezes vem ser ar e obriga os passageiros a descerem por causa da avaria. E a desigualdade dentro da própria cidade se manifesta se você começar a percorrê-la de norte a sul. Você vê claramente os bairros ricos, os bairros pobres, a classe média pegando o lotadão para atravessar a ponte. Mas funciona. Na minha opinião, acho que até bem demais, se você considerar o tamanho da cidade. E talvez esse seja mais um motivo para que eu me sinta tão bem lá. Quer dizer, caramba, é a cidade mais incrível do planeta e sofre com muitas das mazelas que rolam aqui na esquina na minha casa, sabe? Em Nova York, não rola complexo de vira-lata, embora às vezes dê vontade de fazer um estudo de caso. Cidade grande, grandes problemas, grandes soluções.

Fico em dúvida quando alguém me pergunta se teria vontade de morar lá. Por um lado, tem todas as coisas legais dos filmes e séries e livros, e os teatros e inúmeros eventos acontecendo na cidade (eu adoro morar onde as coisas acontecem). Por outro tem todos os problemas daqui potencializados por uma população ainda maior. Não sei depois de um tempo ainda ia achar tão legal assim. Mas que dá vontade de voltar todo ano pra passar uns dias, desligar a cabeça e curtir NY como um nova-iorquino, ah isso dá!
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