sábado, 2 de setembro de 2023

Uma noite de terror

Uma viagem não é uma viagem se não tiver uma cilada, não é mesmo? Pois bem, preciso contar a última que aconteceu ontem porque é engraçado demais pra não contar.

Tô eu na minha Eurotrip, e tudo ia bem na parte em que fiquei em Barcelona. A Espanha é um país extremamente organizado. Organizado até demais. Tipo que as pessoas reclamam se você gritar em show. Mas ótima a cidade. Tudo funciona. Nada a reclamar. Daí parti para a minha aventura rumo a Monaco. Peguei o avião para Nice, na França (pois dormir em Monaco é muito caro), tudo direitinho e desembarquei. A França, ao contrário, da Espanha é uma bagunça só.

A primeira coisa que dá ruim é que você pede um uber no aeroporto e o motorista além de não vir até o local indicado, ainda se acha no direito de falar: "Mas eu te dei todas as instruções", como se você tivesse que saber todos os terminais de cor. Você percebe uma aura de hostilidade e desonestidade pelos cartazes orientando turistas a tomar cuidado com taxistas salafrários que não aceitam qualquer viagem ou não querem ligar o taxímetro (Ê, Brasil!). Pego um táxi. Mostro o endereço da casa que aluguei pro motorista e ele não reconhece. Red flag #1. Ele fala com um amigo que diz onde fica, e me acalma dizendo que é 10 minutos de carro do centro e que é uma região muito calma. Menos mal. Ligo para a dona da casa para dizer que estou chegando, pois já eram 22:00 e precisava me certificar que vou conseguir entrar na casa e ter onde dormir. Pergunto se quando eu chegar lá tem que apertar alguma campainha. A mulher responde: "Não se preocupe, o cachorro vai latir". O que esperar de um lugar que o dono diz que "o cachorro vai latir"? Acho pitoresco, né. Bem Brasil, pra falar a verdade.

Quando nos aproximamos do lugar, ele não acha a casa. Embica o carro para um bequinho, procura novamente o número. O cachorro late. É aqui.

A mulher vem me atender. E quando ela começa a contar os (não) atributos da casa, percebo que estou nas primeiras cenas de um filme de terror em que as regras são apresentadas, para então mostrar os protagonistas nas maiores enrascadas.

- Olá, seja bem-vinda, tudo bom? Você fala espanhol? O cachorro é espanhol, se quiser falar espanhol, ele vai entender.

- Haha, legal. Pode falar inglês ou espanhol, pra mim tanto faz.

- Então, a pior coisa da casa é o portão. Porque tem um macete pra abrir. Você tem que empurrar assim, desse jeito, senão, não abre.

- Tá.

- E pra fechar também tem um outro macete, tem que fazer assim. Mas se você não conseguir, pode fechar com esse cadeado de bicicleta. Outra coisa: não pode deixar o portão aberto, senão o cachorro foge. Deixa eu te mostrar a casa.

- Ok.

- Aqui é a sala, a cozinha, o quarto, o banheiro... A casa é muito ventilada, então você pode deixar as janelas abertas que fica fresquinha. Só não pode abrir essa daqui, porque o cheiro é horrível. Eu crio 50 gatos, aí vai empestiar a casa de cheiro de gato.

- Beleza, tem ar condicionado, ventilador?

(A casa tem mil lareiras e aquecedores)

- Ah não, porque geralmente não faz tanto calor aqui. (É a semana mais quente do ano, está batendo 35 graus na Europa). E a casa é muito fresquinha, é só deixar a janela aberta.

- E é seguro aqui?

- É sim, muito residencial, todo mundo dorme cedo. Muito tranquilo. Só tem eu, os cachorros, os gatos e as galinhas.

- Tá.

- A única coisa ruim é que depois entra mosquito pela janela.

- Okaaaaay.

A casa fede por causa dos gatos. A cozinha é cheia de moscas. Não tem wifi. Não tem televisão. Não tem micro-ondas. Nas redondezas não tem uma loja aberta de noite. Tento deixar a janela aberta, mas fico pensando que a qualquer momento um assassino (ou a própria velha) vai entrar e me matar com uma pá de obra. Com a janela fechada, parece que estou dentro de um forninho. Em certo momento, o cachorro, que tinha achado tão amigável, me encara pelo vidro da porta e rosna. Ele é um sheep dog grandão e só não pula a janela porque não quer. É, mais uma noite aqui não vai rolar.

Alugo um outro quarto de hotel para o dia seguinte na hora. Depois de um tempo, tomo coragem e vou dormir no quarto de janela aberta. Quando acordo está tudo bem. Tomo um banho, arrumo minhas coisas e dou no pé antes da velha acordar. O cachorro faz que vai atacar, mas fica de boa. Abro o portão com o macete. Pra fechar, coloco o cadeado de bicicleta. Não deixo o cachorro fugir. Uma legítima saída à francesa. Quando entro no novo hotel, outra parada. Muito chique. Sou bem atendida. A moça da recepção me dá dicas da cidade. E a diária só um pouco mais cara. Deixo as malas lá e vou em direção à estação de trem (5 minutos a pé). Antes de deixar Nice, piso num cocô de cachorro. Eu odeio a França.
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