domingo, 30 de dezembro de 2012

Identidades e Amigos Secretos


Alguns de vocês já estão acostumados a minha habitual paranóia na internet. Não acho que me prive de muita coisa, caso contrário não teria um blog em que ocasionalmente posto fotos pessoais e praticamente sempre deixo escapar muito do que eu penso mas não teria coragem para falar na vida real. Contudo, ao mesmo tempo em que desfruto de certa liberdade na internet, morro de medo de ser “desmascarada”.

Sou do tempo em que internet era sinônimo de anonimato. Em que a gente podia ser quem a gente quisesse, sem mostrar a cara, sem esbarrar em pessoas que não temos a menor intenção de encontrar nos momentos de lazer na vida real. É claro que com o advento das redes sociais isso tudo mudou e ao invés de a internet ser o lugar onde as pessoas se escondiam para se mostrar, agora ela é o lugar onde elas se mostram para se esconder (se é que faz algum sentido). E isso bagunçou tudo. 

Porque com a Lei dos Seis Graus de Separação, bastam alguns cliques para ter acesso a todo um arsenal de informações sobre gente que você conhece ou pode vir a conhecer.

Pois então. Tenho blog, conta no Twitter, Orkut e recentemente abri um perfil no Facebook, mas faço o possível para uma coisa não interferir na outra e dificulto a vida de quem queira traçar as conexões entre elas e estabelecer mais contatos do que o nível de privilégios de sua conta permite. Tremo na espinha toda vez que alguém de um determinado nicho invade o habitat do outro (principalmente no blog), cheia de medo do que elas vão pensar.

Sei que devia deixar esse tipo de paranóia de lado, porque na maioria das vezes o resultado dessa interferência é bem legal, e ao contrário do que eu sempre imagino, elas não vêm falar comigo cheios de pedras na mão, mas com um punhado de palavras elogiosas que inflam bastante o ego.

Mas faço isso porque eu sou boa nesse negócio de detetive virtual e quando tenho tempo para fazer esse tipo de coisa, descubro outras bem nonsense. Para você ter uma ideia, na época do colégio, quando não tínhamos mais nada para fazer, digitávamos o nome de professores no Google só pra ver o que aparecia. E traçávamos um bom perfil dos caras, mesmo com pouca coisa disponível. 

Então, para você que se pergunta por que eu não coloco widgets do Twitter no blog ou link do blog no perfil do Twitter, ou uma foto de rosto nas redes sociais, a razão da minha paranóia já começa por eu não confiar em mim mesma. Que dirá confiar em qualquer um que apareça pelo meu caminho e decida procurar meu nome por aí para ver o que acha.

Não quero ficar dando satisfações da minha vida real e virtual para quem não merece. Não quero que elas tenham acesso a partes da minha vida que não lhes dizem respeito. E não quero que algumas pessoas que apenas fizeram participação como coadjuvantes dela em algum momento continuem tendo acesso a minha pessoa (ou à determinada parte da minha pessoa), depois já terem saído dela completamente.

(Você que lê esse blog e nunca dá as caras nos comentários, e por acaso me conhece de verdade, não se sinta acanhado ou expulso desse humilde espaço cibernético. Pode continuar vindo, tenho maturidade suficiente para postar somente aquilo com o que eu posso lidar no futuro. Se quiser, pode até dar um “ Oi” nos comments ali embaixo. E você que lê esse blog e gostaria que mais pessoas o conhecessem, tudo bem, também. Não me importo com a divulgação. Até gosto. Já passei DESSE nível de paranóia, sei que não tenho controle sobre a internet, apenas faço a minha parte para ter essa falsa ilusão de que tenho algum poder sobre ela.)

Recentemente encontrei com uma pessoa assim, que ficava procurando o nome dos outros nos sites, rastreando a vida virtual de qualquer um que conhecia e agradeci muito a Deus por ainda não ter colocado a foto no perfil do Facebook, por usar um pseudo-pseudônimo no blog, e por não ter página de apresentação sobre a blogueira. Acho até que a pessoa chegou muito perto de me descobrir, mas acho que a falta de integração entre as contas não permitiu que ela fizesse o trabalho completo.

Mas o problema maior não é se mostrar para pessoas que você não conhece. É se mostrar para pessoas que acham que te conhece. Pessoas que você fez um esforço hercúleo para esconder aquela parte de si que sabe que será alvo das infinitas brincadeiras sem graça. Ou pessoas que você fez questão de não mostrar outros lados mais sombrios, mais alegres, diferentes de você mesmo, por pura preguiça de ficar se explicando demais.

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Certo dia, em pleno feriado ensolarado, eu estava no escritório trabalhando por causa do prazo apertado de um projeto. Nas baias ao lado, estava uma outra equipe também trabalhando pelos mesmos motivos. O tal dia era o dia da estréia de Amanhecer – Parte 2 e uma menina da outra equipe caiu na desgraça de contar que era fã da saga. Pronto. Foi o suficiente para virar motivo de chacota entre todos os colegas durante toda a tarde. O gerente metia o malho na série, e a menina ainda tentava defender Edward, Bella e Cia, inutilmente, claro, já que não existe argumento no mundo capaz de fazer qualquer um com um mínimo de consciência mudar de opinião.

É claro que no dia eu não me agüentei e ri demais das zoações do pessoal com Crepúsculo (porque eu não me agüento e tenho que rir com essas trollagens de Crepúsculo, pelo simples motivo de a série já ter nascido zoada pela própria autora que não teve a capacidade de parar um segundo e pensar: “Peraí, o meu vampiro BRILHA, isso não tem nada a ver!” ou “Será que não vai ficar esquisito esse negócio do imprinting do Jacob num bebê?”), mas secretamente tentei mandar mensagens telepáticas para ver se melhorava a situação dela: “Mas, menina, você não tem noção, não? Ficar falando esse tipo de coisa pros seus colegas de trabalho? Para de tentar defender! Ria de você mesma, vai ficar menos constrangedor!”.

Pra piorar, a menina ainda contou que gostava de Harry Potter e tinha ido a uma premiere fantasiada uma vez. Ok, as mensagens telepáticas não funcionaram e ela cavou a própria tumba agora, enfim.

Mas enquanto ria e morria de vergonha por ela, lá no fundo, a verdade é que eu invejei a tal garota. Achei-a muito corajosa, de fato. Porque é preciso uma boa dose de coragem para admitir em alto e bom som, num ambiente completamente hostil: “Gosto de Crepúsculo mesmo. E daí?”. Por um momento quis ser completamente honesta como ela e não ter medo de me esconder debaixo de uma “identidade secreta”. Porque eu não gosto de Crepúsculo, mas é claro que também tenho um monte de esqueletos no armário que acho (e às vezes sei) que não seriam muito bem vistos por pessoas do mundo adulto e por isso os escondo.

Mas desisti porque ser corajoso e honesto dá muito trabalho (mais trabalho do que dificultar a conexão entre os perfis das redes sociais), e perto de gente que não te entende traz mais dor de cabeça do que alívio.

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Num outro dia, estávamos conversando eu e a Ju no Twitter sobre o que comprar de amigo oculto para um amigo contador. Como sou contadora, dei várias ideias e me diverti num site com camisetas personalizadas que acabei descobrindo. O tempo passou e por causa de um outro amigo oculto (esse só com pessoas da blogosfera), acabei adicionando a Ju também no Facebook. Num belo dia, eis que estava passando as atualizações do Facebook e apareceu uma foto de um cdt (colega de trabalho) nas fotos da Ju!!!!! E depois que eu fui falar com ela, ela me disse que o tal cdt era o contador que ela tinha tirado no Amigo Oculto!!!!!!!!

:O
:O
:O

Eita, mundo pequeno!!!!!

(Se você parar pra pensar, até que não seria tão pequeno, já que, eu e a Ju moramos relativamente perto, mas mesmo assim, né!)

É claro que naquele momento, todo o meu plano de separação das IDs na internet estava prestes a ruir já que a Teoria dos 6 Graus de Separação tinha precisado de apenas 1 Grau para se cumprir e o cdt obviamente iria me adicionar no Feisse (agora eu já tinha foto!), abrindo as portas para os “Adicionar” de todos os outros CDTs, então pedi encarecidamente pra Ju não contar do blog, por causa da história das Identidades Secretas e da minha paranóia sempre alerta, ao passo que ela, professora, entendeu completamente a minha preocupação (Obrigada, Ju!).

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E eis que depois daquele casamento de que comentei outro dia, a galera lembrou como era bom estar todo mundo junto novamente e num dia desses travamos uma conversa que foi até a madrugada.

Como sempre acontece quando a gente resolve conversar, tenho uma sensação boa, de pertencimento mútuo que é muito difícil de acontecer. Entre piadas absurdas e babados fortíssimos, em certo momento do papo, chegamos à conclusão de como é bom se esquecer que crescemos de vez em quando. E como era bom como isso acontecia quando estávamos juntos.

Gosto de estar com eles porque eu não preciso lembrar que cresci. Gosto de estar com eles porque não recebo olhares tortos cheios de julgamentos sobre tudo. Gosto de não ser a novata, a responsável, a quietinha. Gosto de ser um pouco maluca de vez em quando e como eles me entendem sem precisar dizer uma palavra. Gosto de como não preciso pensar muito antes de falar, nem escolher ou esconder qual identidade mostrar, com medo das interpretações erradas e das piadinhas de mau gosto que durarão para sempre.

Nesse dia outra coisa legal aconteceu e a gente quase marcou uma viagem junto. Em outra situação, não vou mentir pra você, a tal viagem também me daria um frio na espinha, porque esse tipo de coisa com gente que você não tem intimidade suficiente só poderia acabar em roubada. Mas naquele contexto, estranhamente, eu achei que seria uma boa ideia. O motivo do passeio era ainda mais nobre. E eu percebi o quanto eu tinha sorte de ter encontrado amigos tão leais.

E eu percebi que também que gosto deles porque com eles eu tenho vontade de ser uma pessoa melhor. Gosto deles porque com eles eu sou uma pessoa melhor. Gosto deles porque com eles eu posso ser quem eu quiser. Porque eu posso ser simplesmente eu.

PS A propósito, eu gosto de vocês, leitores do blog por todos esses motivos que eu listei agora também.
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sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Treinamento para o Fim do Mundo

Queridos leitores do Inútil Nostalgia, começo escrevendo esse post exatamente às 20:00 do dia 21/12/2012, mais conhecido como o Dia do Fim do Mundo.

Pelo menos o Fim do Mundo dessa década. Em 1999 também tinha uma dessas e estamos aqui até hoje.

Eu sei que o blog anda meio parado nesse último mês e a verdade é que não tenho nenhuma razão boa o bastante para que isso tenha acontecido. É claro que existem motivos para tal ocorrido (ou não ocorrido, no caso), mas, por ora, posso garantir que desistir do Inútil nem sequer passa pela minha cabeça e que esse hiato mais demorado do que o normal talvez esteja relacionado com o próprio fato de dezembro ter começado. Queria ter escrito um texto sobre isso também. Prometo que escreverei. Não sei porque estou me alongando tanto me explicando, já que parece que quase ninguém passa por aqui mesmo, mas enfim. (Sim, estou fazendo chantagem por comentários se você ainda não se ligou)

Mas a questão é que são oito da noite e o mundo não acabou. E a questão é que já são 21/12 e faz quase um mês que o blog não recebe uma nova postagem. E a questão é que até meia-noite ainda é dia 21/12/12 e só me restam umas poucas horas para aproveitar essa desculpa para atualizar isso aqui.

A ideia inicial era fazer uma Playlista para o Fim do Mundo (e ela ainda será executada), mas antes queria contar que ontem, dia 20/12, teve treinamento de incêndio no prédio em que estou trabalhando essa semana e que, depois que descobri que também teve o tal treinamento no mesmo prédio em que um amigo meu trabalha, na mesma hora, ficou muito claro que na verdade era tudo um treinamento para caso o mundo realmente acabasse no dia de hoje.

Ah, sim, teve esse treinamento ontem e eu morri.

Veja bem, obviamente, não estou escrevendo esse texto do além (estilo Brás Cubas). E se vocês estão lendo esse texto, o mundo não acabou (ainda) e estamos todos vivos (acho).

Mas o negócio é que se realmente estivesse ocorrendo um incêndio no prédio (ou o mundo estivesse acabando), eu teria morrido sem ter a chance de tentar me salvar (se bem que se fosse o fim do mundo não ia ter muita saída mesmo, mas enfim).

Ok, vamos começar do começo agora.

E pra começar eu queria dizer que nunca participei de um treinamento de incêndio.

Por isso, quando o cliente veio lá na nossa salinha pra dizer que ia ter um negócio desses no prédio e que aí a sirene ia tocar e que todo mundo ia fazer filinha para descer as escadas (mesmo sendo 11 andares) eu achei que ia ser muito legal.

Estava realmente animada para o “evento” também porque sempre que falam em treinamento de incêndio em lembro de Um Tira no Jardim de Infância e da cena em que o Arnold Swasjcbnjkbjgkjkbhjs consegue salvar as criancinhas do seqüestrador porque tinha ensinado a não entrar em pânico em treinamentos de incêndios antes.

Já estava contando os minutos para quando a sirene tocasse e eu fingir pânico ou fingir para as pessoas não entrarem em pânico, e me sentir como uma criancinha de Um Tira no Jardim de Infância.

Só que deu 16h e a sirene não tocou. Deu 16h05, 16h10, 16h15 e nada. A gente olhou para fora da nossa salinha e achou muito estranho porque não tinha quase ninguém dos funcionários nas estações de trabalho. Mas por outro lado, nem era tão anormal assim, visto que pelo que eu percebi essa semana eles passam a maior parte do tempo comendo na copa ou conversando no banheiro mesmo. E de qualquer forma, a sirene ia tocar.

Dali a pouco entra uma mulher na sala zoando a gente: “Caramba, a Joana* [minha chefe] é carrasca, não deixou os meninos nem descerem pro treinamento de incêndio!”.
*nome fictício

A gente ficou com cara de tacho e perguntou: “Mas as pessoas já estão descendo?”, ao passo que a mulher respondeu: “O pessoal já está até voltando!”.

Nós: Mas como assim? Disseram pra gente que a sirene ia tocar! E a gente não ouviu!

Mulher: Ah, mas é que ela toca baixo na empresa do lado porque é uma empresa maior, blablablá

Que mané importa se a outra empresa é maior? As pessoas de lá valem mais do que as daqui?

Nós: Mas se tivesse pegando fogo de verdade ninguém vem aqui avisar pra salvar a gente? Iam deixar a gente morrer queimado? A gente só ia ficar sabendo quando a fumaça acionasse o sprinkler do teto?

Mulher: É!

Ela saiu da sala meio que ignorando tudo o que a gente tinha dito sobre a segurança do prédio e continuou a sacanear minha chefe de carrasca para todos os seus colegas de trabalho durante toda a tarde.

Tentamos alertá-los sobre o perigo da sirene não ter tocado inutilmente o resto do dia de ontem e de hoje. O prédio, por mais treinamentos que faça, não está preparado para o dia que ocorrer um incêndio de verdade. Eu sei porque nesse de mentira, eu morri queimada.

(Hoje chegamos à conclusão também de que o dia em que morrermos queimados, ninguém nem vai lá buscar nossos corpos, porque às vezes o pessoal da portaria deixa a gente entrar SEM CRACHÁ NENHUM, pela portinha do deficiente físico, então vai ser como se nunca tivéssimos entrado!)

Então, é isso. Pra quem tava enferrujada, até que deu pra tirar as teias de aranha disso aqui um pouquinho. Fiquem com a minha Playlist do Fim do Mundo. Acho de verdade que tinham que fazer um especial de fim de ano do mundo com gravação em DVD de todas essas músicas.

Lado A
Natasha (Capital Inicial)- Imagino muito a galera se acabando hoje no show do Capital aos versos de “O mundo vai acabar, ela só quer dançaaaar”.
Dançando (Agridoce) – “O mundo acaba hoje e eu estarei dançando...” – Alguém duvida que o eu-lírico dessa música é a própria Ana Paula que virou Natasha?
Um Minuto para o Fim do Mundo (CPM 22) – “Um minuto para o fim do mundo, toda a sua vida em sessenta segundos, uma volta no ponteiro do relógio pra dizer”. Porque tocava direto na Rádio Cidade, antes dela acabar (e voltar agora). Porque me lembra que 2006 foi um ano muito legal. De acordo com a observação da minha irmã, o 2º verso do refrão não acrescenta em nada, mas eu acho que discordo. Acho que e ainda ensinam quantos segundos tem num minuto inteiro.

Lado B 
It's the End of The World as We Know it (REM) – Narrando o fim do mundo. E nenhum pouco deprimido com isso.
Closing Time (Somesonic) – Porque a letra lembra Fim do Mundo e tem aquela cena bacana do flashmob de Amizade Colorida.
4 Minutes (Madonna ft. Justin Timberlake) – Porque Madonna nos lembra que por mais que o tempo passe, ela ainda consegue fazer como poucos uma música dançante legal dessas em 4 minutos.
O último dia (Paulinho Moska) – “Meu amor/O que você faria se só te restasse um dia?/Se o mundo fosse acabar/Me diz o que você faria?”
E pra encerrar...
E o mundo não se acabou – Aí a pessoa fez tudo o que o Paulinho Moska falou que ia fazer mesmo. Só que o mundo não acabou e aí, né...

Agora se liga. A música foi originalmente gravada pela Carmen Miranda. Pra você ver como esse papo de fim do mundo é antigo.

Não vou desejar Feliz Natal porque amanhã só vão ter sobrado as baratas mesmo pretendo fazer um outro post até lá, pra compensar o tempo perdido.
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terça-feira, 27 de novembro de 2012

Resposta mais ou menos Certa


Pergunta: Qual o nome do programa apresentado por Silvio Santos no final da década de 90 em que os candidatos respondiam a perguntas dos mais diversos assuntos e podiam chegar ao prêmio final de 1 milhão de reais em barras de ouro (que valem mais do que dinheiro)?
Resposta: Show do Milhão.

Embora Um Dia seja o mais famoso, Resposta Certa é que é o primeiro romance de David Nicholls. E com esse nome é impossível não associá-lo ao icônico programa de Silvio Santos (acho até que a editora devia se assumir e colocar o bordão do Silvio de uma vez, ao invés de tentar trocar a ordem das palavras como fez). A diferença é que no Desafio Universitário do livro, os alunos não são meros coadjuvantes e são eles que devem responder às perguntas, de modo que não podem ficar se esquivando: “Estou em dúvida, Silvio. Prefiro não opinar”, como no Show do Milhão, em que 3 estudantes universitários prestavam um verdadeiro deserviço ao participante quando este lhe pedia ajuda.

Na época, ainda no primário, achava um absurdo estudantes do curso superior, a nata da nossa sociedade, não saberem assuntos tão básicos que até um aluno da quinta série seria capaz de responder (mas esse aí já é outro programa do Silvio!). Hoje em dia, já egressa do ensino superior, até tenho um pouco de pena dos caras que iam no Show do Milhão, afinal, coitados, ninguém é obrigado a saber tudo, nem da própria área, que dirá de conhecimentos gerais. O que não exime alguns “universiotários” da vergonha que rendiam à classe no programa.

Pergunta: Na Rede Globo, a faixa da programação dedicada aos filmes no período vespertino se chama Sessão da Tarde. O SBT possuía uma programação parecida, sempre com filmes que passavam “pela primeira vez na televisão”. Ela se chamava...
Resposta: Cinema em Casa.

Mas, como ia dizendo, no tal Desafio Universitário os participantes são os próprios alunos. E o formato com todos aqueles nerds com espinhas, óculos fundo de garrafa, gel no cabelo e suéteres por dentro das calças lembra muito mais o desafio dos matletas de Meninas Malvadas, um dos episódios de Pimentinha e principalmente, um clássico do Cinema em Casa que eu só vi uma vez, mas nunca mais esqueci: O Computador de Tênis. Se liga na crocância da sinopse do filme:

Quando vai consertar o computador, o estudante universitário abaixo da média Dexter Riley toma um choque e todo o conteúdo da memória da máquina é transferido para seu cérebro. Por causa de seu novo conhecimento adquirido, ele compete num game show com várias faculdades, onde rouba todos os pontos. O geniozinho da outra universidade descobre sobre a fraude e faz de tudo para desacreditar Dexter.

Se o filme já era legal (e absurdo!) há 15 anos, imagina agora que aquela tecnologia já está completamente obsoleta! E eu sei que eu não devia contar o final (até porque eu nem lembro direito se o time do garoto ganha ou não), mas o menino perde os "poderes” quando lhe passam vírus via telefone público, com direito aquele barulhinho de internet discada!!!!! Como não amar???? Sério, assistam o filme! (O original é de 1969, mas o que eu vi era o remake de 1995)

Pergunta: Como se chama o rearranjo das letras de uma palavra ou frase para produzir outras palavras, utilizando todas as letras originais exatamente uma vez?
Resposta: Anagrama.

Brian (talvez um anagrama de brain – cérebro in ingrish) Jackson é um garoto de origem humilde. A primeira geração de sua família que consegue chegar à faculdade. Seus melhores amigos trabalham respectivamente num posto de gasolina e numa loja de eletrônicos e não parecem ter maiores perspectivas de vida. Perdeu seu pai ainda menino, mas quando este ainda era vivo, assistia o tal game show com seu velho, mais errando do que acertando as perguntas. Ele sempre sonhou com o dia em que sairia de casa rumo à universidade, o lugar onde finalmente encontraria gente culta e inteligente, capaz de entender todo o seu “refinamento cultural”.

Acontece que Brian Jackson é um mané. É inteligente, mas não é genial. É o típico nerd de raiz com espinhas no rosto e que não faz a mínima noção de como se comportar socialmente. Fala demais. Mete os pés pelas mãos. Se deslumbra muito fácil com o ambiente onde está e com as pessoas com quem conversa e não percebe que elas não estão rindo com ele e sim da cara dele. Em certos momentos, a voz do personagem me lembrou muito um amigo que é tão Brian que tem carrega consigo até os dad issues. Só que um pouco menos mané.

(Eu não ia falar que o amigo era o Felipe, porque achei que ele ia ficar chateado, mas, enquanto escrevia, sem querer li uma que falava que era, e tenho certeza de que o Felipe seria sincero o suficiente para se enxergar no Brian quando lesse este livro. Então, agora já foi.)

Logo no primeiro dia de faculdade Brian se apaixona perdidamente por Alice. A garota mais linda da faculdade e que nunca, jamais daria bola para um cara como ele. E não dá. Só que calha de Alice se inscrever no tal Desafio Universitário, e por um acúmulo de circunstâncias regidas mais por educação do que qualquer outra coisa, ela acaba trocando mais do que duas palavras com ele, e Brian (sem noção como é) não entende os sinais que estão mais do que na cara.


Alice é uma vaca! E não quer nada com ele!

Tipo Brian e Alice

Pergunta: Starter for Ten é uma das rodadas do programa University Challenge e dá nome ao primeiro romance de David Nicholls. Como o quiz show não é muito conhecido nos EUA, lhe foi dado o título de...
Resposta: A Question of Atrraction.

Histórias com competições embutidas sempre rendem bons momentos. Quiz Shows então, nem se fala! Se bem aproveitados, levam até o Oscar para casa. Não é o caso aqui. Nicholls desperdiça o trunfo das histórias de quiz show e os personagens só chegam ao estúdio de TV praticamente no final, somente no clímax do livro, de modo que o título dos EUA se torna muito mais adequado para descrever a história que foca muito mais no desenvolvimento romântico do protagonista do que no tal programa de perguntas e respostas.

Porque no fundo, no fundo, Resposta Certa é um YA encorpado. Uma história com uma estrutura muito parecida com os roteiros de séries de TV ou filmes de comédia romântica, com direito a Rebecca aparecendo toda hora sem motivo aparente, o protagonista meio abobalhado que não enxerga o que está bem debaixo do seu nariz, tenta ser quem não é e briga com o melhor amigo. 

O livro cresce quando toca em assuntos como a saída de casa, a pseudo-independência e a preocupação com o futuro. Mas Nicholls se deixa levar pela fórmula do boy meets girl e perde a oportunidade de tocar verdadeiramente o leitor. E o problema maior é que ele não deve ser muito bom de matemática porque errou nos cálculos da fórmula mais manjada de todas.

Devo dizer que depois do incidente do ano novo, achei que aquilo seria a gota d’água na relação dos dois e por mais sem noção que fosse o protagonista, qualquer pessoa com um mínimo de dignidade não a procuraria nunca mais. Mas a gente ainda não tinha chegado nem na metade do livro e esse tipo de reviravolta geralmente só vê da metade pro final. E Alice foi lá e pediu desculpas. E aí a gente voltou exatamente onde estava antes. E essas 30 ou 40 páginas no meio fizeram falta no final, que foi abrupto demais.

Ficou faltando o ato final da comédia romântica em que o mocinho conserta tudo com um grande ato de heroísmo. Ficou faltando a parte em que Brian iria à forra e se vingaria de Alice. E ficou faltando ao livro dizer a que veio de verdade.

A predileção de Nicholls pela elipse, que é o charme de Um Dia, aqui até que dá um ar engraçadinho de dúvida no fim, mas também deixa um gosto agridoce na boca, num livro que não precisava desse tipo de artifício àquela altura do campeonato.

Talvez o tal Desafio Universitário do livro não seja o game show e sim a sobrevivência aos atrativos da vida universitária. Mas a impressão que dá mesmo é que Resposta Certa é o Um Dia que deu errado.

Pergunta: Qual o nome do jogo de tabuleiro em que dois ou mais jogadores procuram marcar pontos formando palavras interligadas, usando pedras com letras num quadro dividido em 225 casas?
Resposta: Scrabble.

Certa vez li em algum lugar que Um Dia era o romance definitivo enquanto Resposta Certa era o rascunho. Quem escreveu essa sentença não poderia ter sido mais feliz porque após ter lido Resposta Certa, também fiquei com a sensação de que, desde aquele tempo, Um Dia era o livro que Nicholls queria escrever. 

De certa forma, Resposta Certa pode ser lido como um prenúncio de Um Dia. Há diversas cenas que são verdadeiros deja vus para quem já leu este último antes. Ontem assisti ao filme novamente e notei até mais coisas do que já tinha notado durante a leitura. Estão lá: os amigos que viajam juntos e tentam dividir o quarto, a discussão política sempre citando os fascistas, a exaltação da nostalgia de tempos idos, o Scrabble, o encontro romântico hiper-desconfortável com uma visível preocupação com o valor da conta, a visita constrangedora à casa dos pais excêntricos e esnobes...

Sem contar algumas digressões, o subtexto sobre presente, passado e futuro que às vezes aparece e a óbvia personalidade dos personagens principais.

Também tipo Brian e Alice, só que direitos

Emma é uma mistura de Brian* (tímido, inteligente, humilde, amante das artes e da poesia, quer ser escritor no futuro) com Rebecca (reacionária, sarcástica, esperta, nunca deixa uma contestação sem resposta). Ambos alimentadores de paixões por pessoas que não lhe dão o devido valor. Já Dexter é exatamente como Alice. Baladeiro, com um passado sexual recheado, rico, egoísta e arrogante.
* Acho que vale dizer que as tentativas de Brian de ser engraçadinho também lembram Ian, o comediante frustrado de Um Dia.

Se não fosse Rebecca, eu diria que Um Dia era a história de Brian e Alice com gêneros trocados alguns anos mais tarde. Se vocês não considerassem sexista, eu diria até que os gêneros trocados é um dos motivos pelos quais Um Dia funciona e Resposta Certa não. Se eu tivesse gostado mais do livro, diria que Um Dia era um livro escrito por Brian, depois que acabou a faculdade. Mas não é o caso.

Se serve de consolo, como esse romance veio antes, talvez Nicholls ainda não soubesse como escrever a história que tanto queria.

Pergunta bônus: Qual o símbolo gráfico utilizado para marcar o início da fala de um personagem?
Resposta: Travessão.

Aqui um puxão de orelha na Intríseca, que podia ter atentado mais às revisões e deixou escapar vários travessões voadores no início de parágrafos que não eram diálogos. Geralmente não implico com esses erros de revisão, mas quando a coisa influencia na sua percepção de leitura, ou quando são muito graves e recorrentes como foi essa história do travessão, minha paciência diminui consideravelmente. Quando se trata de uma editora de grande porte e de um livro que já foi lançado há quase 10 anos e podia ter esperado mais dois meses para sair mais perfeitinho então...

Pergunta final: Qual a fórmula da satisfação?
Resposta: Satisfação é igual a Expectativa menos Percepção.


Resposta Certa erra na fórmula da comédia romântica e peca por não aproveitar mais o jogo de perguntas e respostas, o que não quer dizer que seja ruim. O estilo do escritor ainda está lá e sua narrativa continua deliciosa. O romance tem personagens para amar e odiar, diálogos adoráveis e momentos que deixam você com o coração na boca. Tenho certeza que se o livro fosse de outro autor teria gostado muito mais. Mas o negócio é que Um Dia é um dos meus livros favoritos de todos os tempos e eu esperava muito mais desse aqui. E quem já comeu caviar não quer saber de ovo frito.

PS. Tem um filme também e que Nicholls também roteirizou. Pode ser que o filme fique até melhor que o livro porque a película tem James McAvoy no elenco. E James MacAvoy é amor.


s2.
Só isso.


PS2. Assisti o filme, e infelizmente, a película padece dos mesmos problemas do livro. Parece uma história perdida, que não sabe aonde quer chegar. Algumas mudanças na ordem e nos autores dos acontecimentos até tornam a trama mais interessante, e Nicholls quase conserta a parte da ausência do ato final de redenção do mocinho. James MacAvoy faz um Brian adorável, mas, bom, é só isso.
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quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Um tapa no tempo


Certa vez, há muito tempo, eu devia ter uns 15 anos, observava as crianças do primário descendo para o recreio. A gurizada corria, brincava de pique-pega, se esforçava para serem os primeiros na fila do totó e do pingue-pongue (para desespero das tias, que se descabelavam com a possibilidade de alguém se estrepar no chão e quebrar um dente). Os alunos também compartilhavam o lanchinho na mesa e o recreio acontecia como deveria acontecer. 

Prestei atenção especialmente nas meninas, que deviam ter entre 8 e 9 anos. Reparei como, ao contrário do que a mídia e o resto do mundo parecem tentar nos convencer, eram crianças que se comportavam como crianças, e também corriam pelo pátio como os garotos, sem nenhum tipo de frescura. E daí que eles são meninos? E daí que eu vou sujar a roupa? E daí se eu esbarrar nessa mesa que está no meio do caminho e derrubar tudo? A inocência daquelas crianças me surpreendeu. A infância não estava perdida afinal de contas e a hora do recreio ainda continuava exatamente do mesmo jeito.

No entanto, ao mesmo tempo em fiquei feliz com a constatação, invejei aquelas crianças por não fazerem ideia de que aquele tipo de comportamento não seria mais possível nos anos que se seguiriam. E não porque correr no pátio seria proibido. Isso aí sempre foi e elas continuavam correndo mesmo assim! Mas sim porque dentro de 3 a 5 anos tudo ia mudar, a começar por elas mesmas. 

E aí fiquei triste por perceber que passado esse tempo, as meninas se tornariam patricinhas incorrigíveis que nem de longe lembravam as “levadas da breca” que eu via ali no recreio do primário. Elas iam parar de correr atrás dos meninos (ou melhor, iam começar a correr atrás no sentido figurado), e iam ficar frescas e não iam mais querer sujar o uniforme na hora do recreio, e iam ficar chatas e começar a desprezar as outras coleguinhas por motivos diversos, e se esquecer que um dia foram melhores amigas com quem compartilhavam o lanche trazido de casa (porque nessa época as meninas também não querem trazer o lanche de casa e comprar na cantina parece muito mais descolado). 

Não é exatamente culpa delas. Simplesmente acontece. É culpa do tempo que muda tudo sem pedir permissão. Inclusive a gente. 

Mesmo assim, não pude deixar de ficar chateada com a visão do futuro que tive de meninas legais virando pré-adolescentes chatas.

Atualmente, vira e mexe eu observo situações parecidas na hora do almoço. Só que ao invés de invejar crianças de 8 anos, fico prestando atenção aos adolescentes uniformizados andando pela rua (ou pelo shopping) e almoçando em bando. Observo seus visuais, hm, diferentes, e principalmente presto atenção em como eles escolhem os lugares mais baratos para comer, como trabalham em grupo para conseguirem mesa, como reclamam dos professores, como se comunicam ao telefone (“Porque se ela ficasse com o Jake ia ser, tipo, muito idiota!”), como riem alto sem vergonha nenhuma de ser feliz, etc.


Também os observo na hora de pegar o ônibus para ir para casa, torcendo para o motorista parar. E se pego o mesmo ônibus que eles, sinto como se tivesse ajudado aquele povo todo na volta pra casa (afinal, talvez sem um pagante no ponto, o motorista não parasse). E depois que eles entram, presto atenção em como continuam as conversas num volume de alto a normal como se não houvesse mais ninguém dentro do transporte.

Gosto de ver como são cheios de sonhos e como sua feições são desprovidas de preocupação. Gosto de reparar que aquilo que lhes aflige é se vão conseguir passar na prova de matemática ou se a Tati terminou com o Bruno mesmo ou se a Bella devia ficar com o Edward ou com Jacob.

E me vejo ali na pele daqueles estudantes, do mesmo jeito que me vi nas meninas de 8 anos correndo pelo pátio. E os invejo por poderem usar aquele uniforme azul com tênis All Star. E tenho vontade de me meter nas conversas e avisar: “Vocês não têm noção de como o tempo passa rápido e como são privilegiados! Aproveitem bem porque um dia vocês também vão sentir falta disso tudo aí”. Ao invés disso, só rio com paixão dos “tipos” encaixados nas frases.

Porque percebo que dali a alguns anos eles também vão mudar. Vão deixar de ser jovens descolados e despreocupados para serem profissionais que usam roupa social e olheiras debaixo dos olhos por causa das noites mal-dormidas e dos prazos de entrega. Vão se tornar pessoas que só pensam em dinheiro e que se acabam de beber no fim de semana como forma de aliviar as mágoas. Não vão mais ter tempo para encontrar com os amigos e nem vão ficar sabendo que a Tati e Beto eles estão morando junto há mais de um ano. Se ainda gostar de ler, estará com um volume de Cinqüenta Tons de Cinza, tentando entender o que todo mundo viu nesse livro, só pra ter o que comentar com gente de quem nem gosta de verdade.


E aí aconteceu de esses dias uma de nossas amigas se casar. E esse tipo de ocasião é legal porque junta todo mundo de novo. E a gente percebe que embora o tempo tenha passado, no fundo, ainda somos as mesmas pessoas. Sim, agora muitos de nós têm carteira de motorista (tá legal, não tantos assim). Sim, agora temos nosso próprio dinheiro e não precisamos mais necessariamente escolher o lugar mais barato para comer. Sim, estamos com roupas diferentes. Alguns de nós até filhos já têm. Mas ao mesmo tempo nos reconhecemos naqueles adolescentes de uniforme que sofriam para pegar ônibus, e rimos das mesmas piadas e conversamos como se nenhum tempo algum tivesse passado. 

Conversamos sobre o primeiro casamento do grupo (e como foi preciso alguém CASAR pra conseguir reunir todo mundo de novo - e ainda ficou faltando gente!) e sobre quem seriam os próximos a subirem ao altar e como seriam nossos próprios casamentos se/quando eles acontecessem.

E brincamos de apertar o botão do The Voice na hora em que um cara cantava em homenagem ao casal e fizemos comentários a la Dança dos Famosos no meio da primeira dança dos noivos, entre outras bobildices.

(Porque somos esse tipo de gente que não consegue ficar sem fazer piada nem nos momentos mais sérios. E se estivermos quietos, respeitando o momento, tenha certeza que estamos rindo por dentro de alguma coisa. E a gente não precisa fingir ou ficar pensando no que os outros vão pensar antes de falar. Aliás, a gente não precisa nem falar nada. Porque antes de falar, a gente já sabe o que o outro está pensando. Uma técnica de pensamento via Bluetooth, digamos assim)

A gente se completa e vai complementando os comentários uns dos outros de um jeito que nenhuma gracinha fica sem réplica. Tudo parecia um pouco como um episódio de Friends, com direito a pérolas espontâneas da nossa querida Carol-Phoebe como “Peguei Sprite, mas era água”. (Hahahahahahahaha!), entre muitos outros momentos inesquecíveis que só a Carol consegue proporcionar.

E de repente nossas maiores preocupações eram somente as de aproveitar ao máximo aquele momento, como tivéssemos 17 outra vez. Não queríamos saber da hora mesmo sabendo que passava da meia-noite e talvez nossos ônibus já tivessem virado abóboras (o que nos lembra A Fatídica Piada da Cinderela!). 

Apenas as pessoas mais legais do mundo

E eu me senti como se tivéssemos dado um tapa no tempo. Esse mesmo tempo que simplesmente acontece e muda tudo sem pedir permissão, inclusive a gente.

Porque naquela noite a única urgência que tínhamos era a de aproveitar que somos jovens. Nada mais.
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sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Babás e babacas


- Fulano, não pega esse telefone. A atendente não vai resolver o seu problema. Ela também não sabe a resposta.
- Não levanta a mão pra pedir a folha do professor! Se ele te der a dele, como é que você acha que ele vai dar aula? As pessoas vão rir de você.
- Mas você vai tomar energético? Você não tem problema de pressão alta? Você quer morrer?
- Você não tinha gastrite? Como é que fica tomando refrigerante, se entupindo de doce, comendo besteira no Mc Donalds?
- Vai tomar café na hora de dormir, depois reclama que fica com insônia!

- Como assim você não tomou o seu remédio? Sério, Fulano, você precisa se cuidar!

Outro dia comentava aqui sobre as vantagens e desvantagens de ser “de maior”. Como em certos momentos sentia como se nada disso tivesse efeito e a independência fosse apenas um falso status conquistado pelo simples fato de o tempo passar. Eu até posso ter minha dose de comportamento infantil (como assistir desenho, adorar os filmes da Disney, cantarolar as músicas no dia-a-dia como se fosse o hit número 1 das rádios), mas acho que já tem um tempinho que não me considero mais criança. Não preciso que segurem mais a minha mão para atravessar a rua e acho que resolvo meus próprios problemas sozinha na medida do possível. Até porque já aprendi que resolver sozinho dá menos trabalho e menos estresse do que envolver outras pessoas.

Mas, de vez em quando, encontro gente mais velha que eu que parece que não amadureceu nada e ainda se comporta como criança. E me obriga a ser chata, ficar bancando a responsável, fazendo papel de babá. Essas pessoas não entendem que elas também já entraram no mundo dos adultos e que ele é cruel, muito cruel. E se você não ficar ligado, o mundo vai te engolir, te bater, te pisotear, te ridicularizar, sem dó nem piedade. Elas não entendem que se elas não cuidarem de si mesmas, ninguém mais vai cuidar! Abusam da boa vontade alheia até se estreparem feio. E por mais que sejam elas que passem vergonha, quem se sente uma babaca sou eu.

Detesto ser a pessoa mais responsável do recinto. E acho que não tenho a menor vocação para ser babá. Principalmente de quem já está bem grandinho pra tomar conta do próprio nariz. Mas também detesto ver pessoas com as quais me importo sofrerem nas mãos do mundo. Aí fico sendo chata por me importar demais. E aí tenho que ouvir aquela mesma resposta de criança mimada: "Você não manda em mim!".

Dá vontade de você mesmo dar uns tabefes e impedir que ela faça besteira. Mas esse é um direito que só é reservado às mães, não às babás. Então só me resta falar. Falar inutilmente, já que a pessoa só aprende a lição da pior forma possível.

E quando isso acontece, tudo o que eu posso dizer é o famoso: “Eu te disse”. A frase é a síntese do orgulho contido por todos os conselhos não escutados. Mas a verdade é que eu preferia não ter de dizer nada disso. Queria pedir demissão desse cargo ingrato e arrumar uma babá pra mim.
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quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Interrompemos nossa programação...

...para noticiar que o Furacão Sandy está passando novamente. E vai ficar tudo bem.


Antes de tudo queria dizer que ultimamente andava de mal com Dona Sandy. Nos últimos anos sua agenda foi tomada por muita polêmica e pouco trabalho. Com quase 30 anos na cara, a mulher ainda estava dando satisfação da sua vida sexual e aquele papo de colocar a culpa na mídia enquanto ela mesma atiçava o imaginário popular com um redirecionamento de imagem duvidoso já estava dando calo no ouvido. O esforço em mudar um pensamento formado nos mais de 20 anos de carreira não era o mesmo aplicado em divulgar suas próprias músicas, teoricamente a parte mais importante do seu trabalho.

Em agosto fui a um show organizado pelo CCBB em que Sandy cantaria músicas de Michael Jackson. Como de costume, a garota cantou bem demais, mas fiquei com a sensação de que faltou alguma coisa. Faltou emoção na voz, faltou gingado no palco, faltou o moonwalk (alguém da plateia chegou a gritar pedindo: “Faz o moonwalk, Sandy!”, ao passo que ela respondeu bem-humorada: “De salto, sem chance!”), faltou o Junior em I’ll Be There, faltou se entregar e assumir o Com Você nessa música de uma vez, faltou Black & White, Beat It, faltou uma coreografia coletiva de Thriller! O show foi muito chique, digno, elegante, uma bela homenagem ao Rei do Pop, e ela até arriscou uns passinhos eternizados por Jackson, mas... foi só isso. Num espetáculo em que ela cantava músicas que eram de MJ, mas que também não podia trazer todo o aparato grandioso com o qual Michael acostumou à plateia, a solução seria jogar para o público, que ele mesmo faria a festa. Mas a falta de traquejo, mesmo já com 20 anos de estrada, comprometeu e o que eu vi foi um show de ninguém (não era da Sandy, não era do Michael e também não era da plateia). 


Como você sabe, depois do surgimento do Twitter e da popularização do Facebook, eu fiquei órfã da maravilhosa congregação que eram os fóruns de discussão. Só que nesse meio tempo, meu coração bateu muito feliz com a notícia da volta do fórum mais legal do qual já tive a chance de participar, via Facebook. Não é a mesma coisa, mas até que dá pro gasto, e me fez dar altas gargalhadas com os comentários de fãs de todos os tipos como nos velhos tempos. 

E depois do anúncio da equipe de divulgação de que nos próximos dias haveria uma “novidade”, o pessoal entrou em polvorosa. Especulações encheram a cabeça do pessoal. Teve gente imaginando o pior. Teve gente imaginando o melhor. E teve gente botando fé que não era nada e que tava todo mundo bancando os bestas no meio da história toda. O clima lá no fórum era de revolta mesmo. A galera estava fazendo greve nas votações, toda hora saía um tópico com alguma teoria conspiratória, brigas constantes entre os membros!

Até que saiu uma entrevista da própria artista anunciando o lançamento de um EP (um álbum com menos músicas do que o usual) e do novo single “Aquela dos 30”. A partir daí mais mistério envolvendo uma apresentação no programa da Xuxa, mais teorias conspiratórias (“gravidez”, “relançamento com os maiores sucessos da carreira”, “as músicas favoritas de outros artistas”...) e mais revolta do pessoal depois que ficou sabendo que Sandisléia havia pedido pra não vazarem a música nova pra manter o suspense até o dia 30 (é muita ingenuidade achar que ninguém ia gravar e colocar a música na internet depois, né?).

Nesse momento, eu que, como disse, estava de mal com Sandy, também achava que todas as teorias absurdas inventadas podiam ter lá seu fundo de verdade (porque Leah mente na nossa cara, sem nenhum constrangimento!) e estava ficando irritada com aquele papo de “balzaquiana aposentada” e “faço o que quiser com a minha carreira, mimimi, as pessoas não me entendem, mimimi, não ganho mais tanto dinheiro quanto antes, mimimi, não preciso mais me sujeitar à gravadora” que já estava até com um pouco de raiva desse EP.

(E cá pra nós, as nossas piadas não eram lá essas coisas, mas são muito mais legais!)

Valeu que você tem 20 anos de carreira e quer se realizar, mas não é por isso que você vai deixar tudo a Deus dará, né? Depois fica reclamando que não ganha dinheiro, eu, hein! E que papo é esse de “balzaquiana aposentada? Você tem só 30 anos! Tá cheia de saúde! Quem tem motivos pra ficar cansado é o trabalhador que acorda todo dia às 6h, pega condução lotada, toma esporro do chefe, e sofre pra voltar pra casa e no fim do mês encontra aquela merreca na conta bancária. Beleza que você trabalha desde cedo, mas já tem uns 10 anos que, vamos combinar, você só trabalha fim de semana.  E de uns tempos pra cá, nem é todo fim de semana! Então, trate de ir para o estúdio, gravar uma dúzia de canções novas, porque, se você está assim, se sentindo “quase aposentada”, gerenciando sua carreira devagar-quase-parando, simplesmente porque você já está podre de rica, é porque esse pessoal que só pede um pouquinho mais de dedicação encheu o seu cofrinho.

É claro que a história de não querer que a música vazasse não ia dar certo. E não deu. Em 3 dias, já estava todo mundo com uma versão vagabunda, de um alguém qualquer que tinha gravado no programa da Xuxa. Não dava pra entender quase nada da letra. Os fãs faziam um esforço tremendo para decifrar o que estava sendo cantado. (Se você é da época do K7 e fica se vangloriando porque precisava esperar tocar na rádio pra gravar a música com aquela vinhetinha, fique sabendo que o pessoal da era do MP3 também tem seu próprio tipo de sofrimento. E olha, é muito engraçado ver o que o povo entende, viu!). E mesmo só dando pra escutar direito a parte do refrão (“Sou jovem pra ser velha, e velha pra ser jovem”), eu gostei do que ouvi. Era uma música animadinha, pra cima, irônica, com uma marchinha divertida na passagem da ponte... Dei um voto de confiança.

Aí saiu da capa do EP e o mais importante: saiu a versão decente da música. E era muito legal! Já deu pra dar uma acalmada nos ânimos.

Mesmo assim, achava essa história de EP o maior engodo. Ela ia lançar esse negócio com 5 músicas, ia ficar grávida, e aí só ouviríamos mais de Leah, a “balzaquiana aposentada”, daqui a uns 5 anos. Ainda mais depois daqueles versos do single: “E aumentou em mim a pressa/ De ser tudo o que eu queria/ E ter mais tempo pra me exercer”. E desse nome com "fins" no meio. Da última vez que apareceu um desses nomes enigmáticos, o resultado não foi nada agradável.

Fala a verdade, Sandy, tu finalizou essas fotos no Instagram, né?

E eis que chegou o dia marcado para o lançamento: 30 de outubro (na verdade, finzinho do dia 29). E parece até que foi de propósito, porque lançaram a bagaça exatamente no momento em as redes sociais funcionavam a toda com brincadeiras associando o nome da cantora à catástrofe que estava dando o que falar no hemisfério norte. As piadinhas envolviam algumas letras de sucessos antigos, montagens bizarras, zoações intrínsecas, muita gente confusa, e no fim do dia fomos presenteados com o ousado ensaio fotográfico de Nana Gouveia que iniciou um dos melhores memes de todos os tempos da última semanaSandy estava no olho do furacão. Ou melhor, o furacão era ela mesma! E por mais que a própria "hurricane" reclame que não gosta, eu rio muito e não me envergonho disso.
**O mais legal é ver no JN eles se esforçando ao máximo para americanizar a pronúncia para Sendí a fim de não mudar o foco da notícia, ou sei lá, eles mesmos não começarem a rir também.
 
Mas quando eu vi que a mulher tinha colocado todas as 5 faixas novas de graça na internet (a exemplo do que já havia feito com o DVD), em diversas plataformas, ela já ganhou pontos comigo. Quer dizer, ela já está rica mesmo, pra que ficar forçando a barra em vender as músicas de um trabalho que não tem nem 10 faixas? E ao contrário do que vinha sinalizando até então, não pretendia encarar a internet como inimiga. A intenção desde o início era justamente oposta. Ela me comprou. E sem pedir um centavo em troca.


E aí eu fui ouvir as tais músicas. E o furacão Sandy devastou tudo aquilo que eu vinha pensando nos últimos meses. A cada canção que passava, mais difícil ficava me conter na cadeira. Essa era a Sandy que eu conhecia. A Sandy que não canta. Humilha. Afinadíssima, e principalmente, com uma interpretação de deixar qualquer um arrepiado. A melhor cantora desse Brasil. De longe.

 E esses relógios que parecem com o antigo layout do Inútil, hein?

Aquela dos 30 é a Thirtysomething de saias que Jamie Cullum não fez. Com um pianinho a la Sara Bareilles, Sandoca brinca com o peso da idade de forma bem humorada. Os versos “Tenho sonhos adolescentes/Mas as costas doem” parecem refletir um pouco do amadurecimento de seu próprio público que a viu crescer e tem potencial para se tornar hino de gente que não vai com a cara da cantora, mas que também é “jovem pra ser velho, mas é velho pra ser jovem”. As sonoridades parecem criadas a partir de brinquedos e a marchinha para a ponte também remete à infância, como quem fizesse um apanhado da própria vida (e no seu caso da própria carreira) dentro da canção. Ainda não entendi direito o que o Bon Jovi está fazendo ali no 3º refrão, mas os versos da ponte “O tempo falta/ E me faz tanta falta/ Preciso de um tempo maior/ Que a vida que eu não tenho toda pela frente/ E do tamanho do que a alma sente” são matadores de tão legais. (Em tempo, só pra constar, na mesma vibe, Discutível Perfeição tem uma letra mais divertida, mas Aquela dos 30 é menos "poser".)

Segredo é a minha preferida do “disco” e arrepia pela interpretação arrasadora de Dona Sandy.  Acordar um belo dia e se lembrar do ex que você já não vê há anos. E aí, como faz? Gosto de pensar que é uma continuação da história do casal de Estranho Jeito de Amar, anos depois da separação, pelo tom desesperadamente sofrido do refrão (e porque os versos “Esqueeeeeece o enredo/ Diz que ainda tem lugar pra nós” parecem ecoar “Esquece esse jogo não há vencedor/ O mesmo roteiro de sempre cansou/ Então volta pra mim/ Deixa o tempo curar/ Esse estranho jeito de amar” do antigo sucesso de 2006). A música não tem nada de inovador, mas conta uma história tão sincera, cantada de um jeito tão tocante que não existe outra saída que não se emocionar. Segredo é mais que uma baladinha qualquer e se for bem aproveitada tem tudo (alô, Rede Globo, Segredo para trilha de novela, JÁ!) para se tornar tão eterna quanto as canções do Rei.
[Edit 03/11/2012: Percebi hoje que Segredo tem uma letra que casa direitinho com a relação de Emma & Dex, o casal de Um Dia, naquele período em que eles ficam sem se falar. Repara só como a letra traduz quase que exatamente aquele sentimento de passagem de tempo e a dificuldade em ficar separados. A cada dia que passa amo mais essa música!]

Olhos Meus é curtinha, não alcança nem a marca dos 3 minutos, e só tem voz e piano. É bonita, madura, melancólica, mas muito depressiva. Sei lá, a gente já viu isso no CD anterior. Muito mais do mesmo.

Escolho Você tem esse nome que lembra Pokémon, mas não se engane, a música popular brasileira em homenagem ao desenho japonês já foi gravada há mais de 10 anos. A letra traz o nome do tal EP e mescla versos tachativos como “A vida é curta/ Mas os sonhos não são” com o romantismo escancarado do refrão (“Eu escolho você com todos seus defeitos/ E esse jeito torto de ser/ Eu escolho você/ Destino imperfeito/ Todo carne, osso e confusão*”). Segundo a própria Sandy, a mais autobiográfica do disco, porque fala de um amor mais pé no chão (todos fazem Ooooouch! *-*). Adoro como o verso já quase no final da música “Todo carne, osso, pele, boca e coração” dá 50 tons de sexy na música.
* As meninas que têm namorados magrelos, também podem cantar assim ó: "Eu escolho você/ Destino imperfeito/ Todo pele, osso e confusão".
**Eu sei que não tem nada a ver, mas diz se: “Não tem porque tentar se justificar/ Se foi meu coração que decidiu por mim/ Mas se a escolha fosse minha/ Eu escolheria você mesmo assim” não lembra “Mas não foi erro meu/ Você no meu lugar/ Faria exatamente iguaaaaall”?
 
Saudade
é tão linda, mas tão linda que chega até a ofender. A canção lembra, veja bem, Luiza de ninguém menos que Tom Jobim. E eu por mais que não seja o tipo de coisa que eu coloque eu meu player, eu gostei de me surpreender com isso. Não esperava encontrar uma música dessas nos discos de Leah tão cedo, e nem quero um álbum todo nessa vibe, mas o negócio é de uma arte transcendental! E é Sandy! Aquela menina que você cresceu ouvindo Maria Chiquinha! Aproveito para fazer um apelo. Você que tem amigos pseudocults que não vão com a cara de Leah, faça uma boa ação hoje e indique essa música pra ele. Impossível ele manter a mesma opinião depois dela.

Obs. Interessante notar todas as músicas do EP de um jeito ou de outro acabam por compartilhar um tema comum: o tempo. Aquela dos 30 é a que tem a mensagem mais explícita, mas Segredo e Escolho Você também tangenciam a consciência dos anos passam (ou se passaram). Em Segredo, por exemplo, os versos que narram as mudanças na vida do eu-lírico, ao mesmo tempo em que reforçam o poder do tempo sobre nossa vida (a troca de emprego, de carro, de casa), não deixam de descrever as mudanças que aconteceram com a própria Sandy, que já não é mais tão menina, e também fez tatuagem e mudou o cabelo.

E aí ela falou nas entrevistas que o Sandy Jr. não vem tão cedo, que ano que vem tem CD novo e completinho, que lançou esse negócio aí agora simplesmente porque deu vontade, que colocou na internet porque não adianta lutar contra e seus fãs são muito conectados (ainda bem que ela sabe!), que vai ter versão física desse troço para aqueles que gostam de colecionar, daqui a pouco rola clipe novo, e estamos todos felizes (pelo menos por enquanto). Estou de bem de novo com você, Sandy. Corta aqui o mindinho, vai!


Colocar as músicas no Soundcloud é muito amor, né, não?
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quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Tropa de Elite da Educação

Não é preciso trabalhar no IBGE para saber que nos últimos anos o número de brasileiros com um diploma de “terceiro grau” cresceu vertiginosamente. Basta andar pela rua e ver como existem campi em cada esquina, como se fossem Mc Donalds. Só que ao invés dos hambúrgeres sem gosto produzidos em série, os Mc Donalds do Ensino produzem profissionais da mesma forma e sem nenhum compromisso de qualidade.

É nesse cenário que se passa Fábrica de Diplomas. Uma história que começa com uma estudante baleada no campus e percorre as entranhas da educação superior do Brasil, passando por bastidores da política e da segurança pública num romance policial que é simplesmente arrasador.

Fábrica de Diplomas é tão bom que eu não tenho vergonha de comentar os defeitos como se fosse um livro qualquer, sem o constrangimento de falar mal de um autor nacional. É tão bom que desde as primeiras páginas eu me peguei pensando como é que ainda não fizeram um filme ou um seriado ou uma minissérie dessa história (Alô, Rede Globo! Alô, HBO! O que é que vocês estão esperando?). É tão bom que eu não tenho dúvidas quando digo que é o melhor livro do ano, sem nenhuma ponta de exagero, bairrismo ou condescendência.

Isso porque Felipe Pena escreve bem. Muito bem. A história corre fluída, interessante, irônica, sem parecer pedante ou didática. Em uma trama complexa e com personagens até demais (não é à toa que no início do livro tenha uma lista com o nome de todos eles, afinal, para se perder no meio de tanta gente, cada um com seus próprios interesses, não custa), o autor propositalmente deixa o leitor “no escuro”, para, aos poucos, ir revelando as camadas de sua história apenas no momento exato. Ao fazer o leitor de companheiro de investigação, Pena eventualmente ainda planta dúvidas em sua cabeça e apresenta diversas reviravoltas no decorrer das pouco mais de 300 páginas do livro. Não bastasse isso tudo, a história desafia o leitor o tempo todo com referências a manchetes tiradas do noticiário e flerta com o recurso da metalinguagem (mais sobre isso depois).

Tropa de Elite
Fábrica de Diplomas é um Tropa de Elite da Educação e não fosse a data de publicação (Fábrica de Diplomas originalmente saiu em 2008 como O Analfabeto que passou no Vestibular*), eu diria até que Pena tirou muitas de suas inspirações do maior sucesso cinematográfico do país.
* Se não fosse isso, eu diria que aquele diálogo que tem “f*der” e “beijar” como núcleos e durou cerca de 3 ou 4 páginas tinha saído direto de Tropa 2.
** A propósito, o livro tem bastante palavrão. E nesse caso em específico, o palavrão é um elemento quase fundamental para dar verossimilhança aos diálogos. Porque, sinceramente, tem horas que não dá para apelar para eufemismos e só um palavrão resolve.


O próprio início do livro marcado pelo batidão do funk remete ao filme de José Padilha. E se aquela correria do começo também te fez lembrar Cidade de Deus, logo depois da metade do livro, Felipe Pena dá uma piscadela para o leitor e coloca o nome do traficante de Dadinho. (Eu falei que o cara era bom!).

Mesmo assim, seria injusto ficar o texto inteiro falando das semelhanças entre Fábrica e Tropa (já estamos íntimos) porque, apesar, ou melhor, além disso, dá para perceber que Pena imprime seu estilo e está mais preocupado em contar a própria história do que em estabelecer paralelos entre ela e o filme nacional mais assistido de todos os tempos.

Só mesmo um professor universitário conseguiria tecer comentários tão verdadeiros quanto ácidos acerca do sistema educacional superior brasileiro. Só mesmo um cara que possui um currículo acadêmico tão rico para misturar com tanta propriedade educação, jornalismo e psicologia. Só mesmo um morador do Rio de Janeiro para fazer descrições tão precisas da geografia e do trânsito da cidade.

E é exatamente essa brasilidade que torna o livro ainda mais atraente.

Não é mera coincidência
No início do livro, há uma inscrição que diz “Esta é uma obra de ficção e qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência”. Não é.

Mesmo aqueles que acompanham minimamente os jornais serão capazes de escutar o eco das manchetes de anos anteriores ressoar na cabeça durante a leitura. E a linha daquilo que é real e o que é ficção é tão tênue que vai fazer você correr atrás para descobrir ou confirmar quais foram as situações e personagens dos noticiários que serviram de molde para as tramas e personagens do livro.


A obra é de ficção, mas é um retrato fiel da educação superior no Brasil. Estão lá descrições “nuas e cruas” do que acontece na hora da escolha dos cursos pelas instituições (sempre dando preferência àqueles mais baratos, chamados “cuspe e giz”), a máfia das bolsas de estudo, o “milagre da multiplicação” dos campi, a farsa do vestibular nas faculdades particulares, as estratégias de marketing ridículas, os subestimados cursos politécnicos e os superestimados de pós-graduação, a falta de compromisso com o ENADE e com o ensino de um modo geral (tanto da parte da administração quanto dos professores), e o próprio despreparo dos alunos sem nenhuma condição de encarar o ensino superior, entre outras coisas.

Além disso, Felipe Pena utiliza fatos ocorridos no passado recente do Rio e outros que infelizmente ainda fazem parte do nosso presente para construir uma trama que adapta a realidade às formas da ficção. Além da já citada estudante que foi baleada em pelo campus, estão lá o analfabeto que passou no vestibular, o senador maranhense que está há anos no poder, o chefe da polícia civil que tinha ligações com o tráfico de drogas e com as milícias e armava para eleger-se deputado nas próximas eleições, o vereador simpático que luta pelos animais, mas que também tem conexões duvidosas, o jogador de futebol que financiou a fundação de um campus novinho, o deputado dos “instintos mais primitivos”, etc, etc, etc.

E para quem mora no Rio ainda tem o bônus de reconhecer cada esquina da cidade sendo usada como cenário!

Os habitantes da Cidade Maravilhosa vão perceber que embora a maior inspiração para a Bartolomeu Dias seja aquela faculdade que teve o analfabeto aprovado no vestibular, foi palco da estudante que levou o tiro, tem campus até na lua e nome de fundador da cidade (a Estácio), o autor, até para tentar se livrar de algum possível processo, misturou outras instituições famosas do Rio de Janeiro. Porque quem tem campus na Piedade é a Gama Filho, na Rua da Assembléia com Pós-Graduação e filas no prédio é a Cândido e a outra com unidade no Maracanã é a Veiga de Almeida. E eu não sei você, mas eu fiquei com a impressão de que o Centro Universitário Provinciano seria um acrônimo para PUC ao contrário....
* Também vale lembrar no campo das negociações que nos últimos anos, a UVA foi vendida para um grupo de americanos. E a Univercidade (é com C mesmo) se juntou com a rival UGF, causando muita indignação dos funcionários e problemas administrativos.

Essa precisão geográfica, inclusive, rendeu um dos momentos mais legais da leitura. Estava eu no meu ônibus, saindo de Botafogo, e quando estávamos entrando na Presidente Antônio Carlos (aquela rua dos tribunais), um dos personagens que havia saído do campus de Psicologia da fictícia UFC em Botafogo (e campus de Psicologia em Botafogo só pode ser a UFRJ!) também entrou na mesma rua exatamente no mesmo momento que eu. Imagina a emoção!

 Aquele momento em que você olha pro lado e percebe que está no mesmo lugar que o descrito no livro

(Ainda sobre as vantagens de ler um livro passado no Brasil, vale a lembrança de que, num livro gringo, a personagem de Nicole certamente ganharia um Pullitzer, ao invés do tupiniquim Prêmio Esso).

As universidades públicas 
Muito embora a maioria das críticas do livro se dirija às instituições particulares, em determinado capítulo, quem fica sob a mira são as universidades públicas, que o autor conhece muito bem, já que leciona na Universidade Forno e Fogão Universidade Federal Fluminense, uma das melhores faculdades do estado. E quem já passou por uma universidade pública sabe muito bem como é que a banda toca. Professores “turistas” que quase nunca aparecem, outros mestres que eram pra ser Dedicação Exclusiva dando aula em outros lugares e sem nenhum compromisso com as aulas, o corporativismo que protege esses vermes nocivos à educação e até o envolvimento dos DCEs na safadeza. É revoltante ver como uma instituição com os melhores alunos e os melhores professores (pelo menos em tese) deixa de atingir todo o seu potencial por conta de má administração e a simples falta de vontade dos docentes. É muito fácil culpar o governo e ele certamente tem sua parcela de culpa, mas se cada peça que compõe o sistema educacional desse país (e aí eu incluo professores, alunos e coordenadores de todos os níveis, não só do superior) não fizer a sua parte, dificilmente vamos ser um país sério algum dia.


  
Levando em conta a minha própria experiência como aluna, em especial duas frases me chamaram a atenção: “Os alunos do último período, quase formados, já não tinham a mesma paciência de antes” e “Os melhores professores vem do mercado”.

A primeira, porque, bom, aluno do último período é assim mesmo. A gente já não agüenta mais a faculdade e sente que o tempo ali já não é mais tão produtivo quanto antes. Não vai ser uma ou duas aulas que vão fazer a diferença nessa altura do campeonato. Se antes a gente esperava com ansiedade o professor chegar, agora, se ele atrasasse 20 minutos a gente ia embora sem nenhuma dor da consciência. Até porque, muito provavelmente ele não viria mesmo.

Já a segunda vinha num diálogo, em tom de crítica, mas que, para determinados cursos, eu acho até que dono da universidade tenha sua parcela de razão. Dificilmente professores 100% acadêmicos agregam tanto quanto aqueles que possuem uma visão da necessidade do mercado. Algumas vezes, os professores do mercado sabem bem mais da matéria do que aqueles que já possuem um zilhão de títulos. Até porque muitos dos diplomas de especialização existentes são tão comprados como os da própria graduação e raramente contemplam um trabalho relevante para a sociedade. De que adianta um professor doutor se ele não domina a matéria que leciona? Ou de que adianta ter um professor doutor se ele não sabe ensinar? Numa universidade o que é mais importante: a disseminação dos títulos ou do conhecimento? O debate é profundo e a resposta não é tão simples quanto parece, tanto é que pode-se perceber uma certa contradição até mesmo dentro do próprio livro quando este tenta se posicionar a respeito. Mas tendo em vista minha própria história, é impossível não pensar que o dono da Bartô não está completamente errado.
 
Pastoriza vs Nascimento
Em Tropa, Capitão Nascimento era o personagem inspirado naquele ex-comandante do BOPE que também escreveu bestseller e agora cobre a parte de segurança do RJ-TV. Em Fábrica, ao receber a missão de investigar o caso da menina baleada no campus, Pastoriza toma para si o papel de herói da história. E, depois de ler a orelha do livro, é impossível não enxergar o personagem, que assim como Pena, é psicólogo, professor e romancista como um alter ego do próprio autor. (Não à toa, é ele o personagem recorrente no resto da chamada Trilogia do Campus).

Certas horas, essa percepção irrita um pouco, pois Pastoriza, por ser o único personagem íntegro no meio de tanta sujeirada, fica parecendo autoelogio da parte do autor. Ao mesmo tempo, em outros momentos, Felipe Pena, também por meio de Pastoriza, referencia não só a si mesmo como ironiza a própria obra como “ficção jornalística underground”. Porém logo depois, o delegado Vasconcellos revela-se fã de Antônio e comenta que ele deveria dar mais valor a si mesmo. Desnecessário.

Além disso, a personalidade acadêmica e culta do professor não convence como herói definitivo. É um personagem ingênuo demais dentro de todo o jogo de poder envolvido. Mas, se em certas horas senti que as semelhanças entre Pastoriza e o próprio autor incomodavam e que faltava na história um Capitão Nascimento (alguém que sabe o que está fazendo, que imponha respeito, que dê porrada!), tudo isso foi revertido no final, quando todo o passado do personagem foi fundamental para desvendar talvez o maior mistério do livro. E se antes o autor apenas flertava com a metalinguagem, nessa hora, ele a abraça com toda a força, e torna a resolução do caso extremamente elegante. E aí quem teve vontade de abraçar o cara fui eu.

Fábrica de Diplomas disseca a estrutura da educação brasileira de um jeito que deixa até os envolvidos na área de queixo caído, envolve o leitor de um jeito que dá vontade de indicar o livro para todos os amigos e o desafia de um jeito que te faz se sentir mais inteligente no final da leitura. É literatura policial das boas e tem tudo para derrubar preconceitos e se tornar um fenômeno tal qual Tropa de Elite. Nascimento podia até correr atrás dos bandidos, mas até ele sabe que enquanto a educação estiver na mão desses outros bandidos (em todos os níveis) que em nada se preocupam com o ensino, não adianta subir o morro, porque desse jeito, o Brasil nunca será um país sério.
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