segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

O que eu faço da vida #02: Odiados por muitos, temidos por todos.

Quando se fala em auditoria, muitos tipos podem vir à cabeça, alguns deles não necessariamente ligados à contabilidade, por exemplo:

- Auditoria fiscal: Trabalha para o governo, verificando se a empresa (ou a pessoa física) está recolhendo os impostos corretamente e fazendo autuações se necessárias (Esse geralmente são ricos, mesmo, pra quem quiser saber. Mas por incrível que pareça, não necessariamente são contadores)
- Auditoria de Sistemas / Segurança da Informação: Avalia se os sistemas utilizados na empresa são confiáveis, se o ambiente de TI não está sujeito a invasões, etc.
- Auditoria interna: Verifica se os controles internos da própria empresa estão funcionando, propõe melhorias nos processos, atenta para a existência de fraudes.
-Auditoria externa/independente/contábil: É isso aí o que eu faço. 

Então, como a gente viu no post anterior, a empresa é dessas que precisam publicar o balanço no jornal. Aí beleza, nele ela diz que deu lucro de, por exemplo, R$ 500 milhões no ano. Como é que você, que está lendo o jornal, vai saber que esse número é verdadeiro? Como é que um banco quando vai analisar a situação de uma empresa para conceder um empréstimo sabe se aqueles números não estão maquiados?

É aí que o meu trabalho entra. A gente, auditoria independente, é contratada pelas empresas para verificar se aquilo que elas registraram na contabilidade condiz pelo menos razoavelmente com a realidade da empresa. 

Razoavelmente porque não podemos garantir que aqueles números estão 100% corretos (imagina só ter que testar TODAS contas do balanço e sugerir ajustes de 10 reais num patrimônio de 10 milhões? Por favor! 10 reais você tira do seu bolso e resolve o problema!), mas nosso método de trabalho garante 95% de segurança sobre aqueles números, que é um percentual bem relevante.

E aí a gente executa uma série de testes que incluem recálculos, verificação de documentos e da existência física dos bens, envio de cartas de confirmação de saldos por terceiros – sim, cartas físicas, nossa empresa sustenta os Correios -, indagação, etc, para que nosso sócio responsável pelo cliente (a empresa) possa emitir sua opinião sobre aquelas demonstrações contábeis, que virá junto com aquelas letrinhas miúdas cheias de números lá no jornal.


Ah, mas se eles pagam vocês, vocês são obrigados a dizer que está tudo certo!

Não é bem assim. Nós somos pagos para passar credibilidade às demonstrações financeiras. É isso o que a gente vende: credibilidade, não opiniões positivas. Inclusive, nossos funcionários têm de assinar um termo de independência, dizendo que não possuem interesses pessoais nas empresas auditadas e se possuem investimentos em alguma companhia. 

E se estiver tudo errado mesmo, fazer o quê, infelizmente temos de dizer que “está tudo errado”! Ou que parte do balanço está errado, ou que não deu pra testar por algum motivo...

Mas por que os clientes odeiam vocês?

Porque eles acham que somos da fiscalização, que estamos lá para mostrar os erros de todo mundo e causar demissões em massa. 

Algumas pessoas acham isso mesmo (talvez por confundirem com outro tipo de auditoria). Mas é mentira.

O que não quer dizer que as pessoas não tenham motivos para nos odiar de verdade. Elas têm.


Porque a gente pede um monte de documentação, e explicação e atrapalha muitas vezes o trabalho da pessoa, que já está totalmente atarefada. Às vezes eu penso que se estivesse do outro lado, também ficaria com raiva, mas, paciência, se ele não me ajudar, a empresa dele também vai se prejudicar, porque eu não vou ter como testar e não vou ter como dizer que todos os testes deram OK. E aí não tem relatório do sócio dizendo “Pode confiar!” (não com essas palavras, óbvio) no jornalzinho. (Já passei da fase de ficar com pena do cliente, porque quem fica trabalhando até tarde, nos fins de semana e feriado depois sou eu, enquanto ele está curtindo um soninho na cama ou um solzinho na praia).

No fim das contas, o trabalho na verdade é de parceria. Se todo mundo se ajudar, no final todo mundo sai ganhando.

Auditor não fica feliz quando encontra erro. Na verdade a nossa maior alegria é quando encontramos tudo certinho, não precisamos sugerir ajuste nenhum. Porque quando a contabilidade está errada ou muito mais duvidosa, é nossa obrigação entender o que está acontecendo (muitas vezes nem tem nada de errado, mas para entender se não tem mesmo, é preciso sentar com os caras para esclarecer as coisas) e levantar qual seria o registro certo, o que dá muito mais dor de cabeça e dobra nossa quantidade de trabalho.

Só confiamos em Deus

Muitas vezes a gente encontra cliente que está explicando alguma coisa pra gente, e então, pra corroborar o que ele está falando, pedimos alguma documentação extra (não sei se expliquei no outro post, mas só pode estar registrado na contabilidade aquilo que está documentado de alguma forma), e o cliente vira pra gente e fala: 

-Mas eu estou falando que é assim! Você não acredita em mim?
Ao passo que temos que responder:
- Assim, não é nada pessoal, mas eu sou paga para NÃO acreditar em você. Somos treinados para desconfiar de tudo e todos. Pessoalmente, até acho que você está falando a verdade, mas, profissionalmente, não posso ficar sem o documento, senão me colocam na rua.

E já que estamos falando tanto em registro e documento, também vale acrescentar que tudo o que A GENTE faz também tem que estar documentado (“Se não está documentado, não está feito!”) em nossos “Papéis de Trabalho” – que não necessariamente são de papel hoje em dia. Como já expliquei, Excel existe e eu o adoro de paixão.


O trabalho de vocês é descobrir fraudes?

Não. O escopo principal do nosso trabalho é verificar se a contabilidade da empresa está razoavelmente certa.

Mas devemos estar atentos para esse tipo de coisa, e é possível descobrir operações mal intencionadas em alguns casos, porque pega muito mal pra auditoria emitir um parecer “limpo” de uma empresa que depois é acusada de fraude. As pessoas logo se perguntam: “Mas cadê a auditoria que não viu isso?”.

Acontece que nem sempre dá pra pegar a fraude. Seja porque aquela operação em específico não estava na nossa amostragem ou dentro do escopo de seleção relevante, seja porque o cliente age de má fé com a própria auditoria.

Mas tem coisas que se estiverem dentro da nossa amostra de testes determinada pela metodologia, são muito fáceis de ver, tipo emissão de nota para serviço que não existiu, despesas pessoais de diretores pagas pela empresa, caixa dois...

Já houve casos de empresas de auditoria que FALIRAM porque seus clientes foram descobertos em fraudes e eles não desconfiaram de nada. Mais tarde descobriram que a auditoria nem tinha culpa, mas aí já era tarde demais. Também por isso não podemos acreditar em qualquer história que o cliente conta pra gente.

Agora a pergunta mais difícil de todas:

Onde você trabalha?

Então, isso depende. Porque eu quase nunca fico no escritório da minha empresa, porque já que meu trabalho é entender, perguntar, verificar a contabilidade do cliente, nada mais justo do que fazer tudo isso lá da casa dele mesmo. Só que a gente não fica o ano inteiro auditando um cliente só, porque cada um tem um prazo diferente. 

Então, divide-se o tempo e as pessoas entre eles. De modo que eu não tenho casa, nada é certo, e hoje eu posso estar aqui perto, na outra semana no outro lado do Brasil. É claro que existe uma programação mais ou menos definida e não necessariamente a vida será essa loucura de viagens e ligações inesperadas o tempo todo. Eu, por exemplo, só faço clientes no Centro do Rio, nunca tive que viajar e trabalho mais ou menos com as mesmas equipes. Mas essa instabilidade existe e é uma das coisas que eu menos gosto na profissão.

Porque além de tornar uma pergunta como “Onde você trabalha?” extremamente complexa (olha só quantas linhas eu já gastei tentando explicar!), dificulta muito a sua capacidade de planejamento, transformando a marcação de idas ao cinema ou consultas médicas em atividades não tão simples assim. 

Sem contar que uma coisa é você trabalhar e lidar com as mesmas pessoas todos os dias. Outra é ter que se provar constantemente para pessoas que não te conhecem ou ter que aprender a lidar com a personalidade de cada uma delas (seja da equipe, seja do cliente) quase que sempre. E ao mesmo tempo que existe gente muito legal, também existe gente muito babaca. Só que nesse último caso, pelo menos a falta de rotina ajuda, porque não necessariamente você vai ter que olhar na cara dela durante todos os dias do ano. (Só para deixar claro, até que tenho muita sorte porque adoro as pessoas com quem trabalho. A gente ri o dia inteiro, fala besteira, faz musiquinha...)

No próximo post eu termino a série com algumas observações e histórias engraçadas e outras curiosidades da profissão (tanto da contabilidade, quanto da auditoria).
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segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

O que eu faço da vida #01: Os mitos


2012 foi meu primeiro ano sem estudar (assim certinho de segunda a sexta, pra pegar um diploma no final). E eu não senti a mínima falta.

Mesmo antes disso, já tem um tempinho que "trabalho" pra mim deixou de ser sinônimo de ir pra casa do colega brincar depois de terminar a tarefa especial para casa da professora. Dizem que você deve escolher um trabalho que ame e assim você nunca terá que trabalhar. O que é a maior mentira, porque AMO meu trabalho (graças a Deus!), mas ele ainda é trabalho, com toda a gratificação de fazê-lo e todo o estresse em épocas de pique (ah, sim, ao contrário da infância, pique por lá não é muito divertido).

E como nos últimos tempos tenho me deparado muito com a simples pergunta, porém com resposta complexa, que diz: “O que você faz lá no seu trabalho?”.

Pra quem ainda não sabe, apesar do meu passado informático, sou formada em contabilidade e trabalho com auditoria. E se já é difícil explicar o que faz um contador, mais difícil ainda é tentar situar alguém de fora no que consiste o meu trabalho de auditoria. Então, achei legal perder um tempinho para dar uma ideia do que eu faço da vida.

Vamos começar com a primeira pergunta, então:

O que é a contabilidade?
Segundo a Wikipédia: Contabilidade é a ciência que tem como objeto de estudo o patrimônio das entidades, seus fenômenos e variações, tanto no aspecto quantitativo quanto no qualitativo, registrando os fatos e atos de natureza econômico-financeira que o afetam e estudando suas consequências na dinâmica financeira.

Agora for dummies: Contabilidade é a ciência que se preocupa com o registro das operações de uma empresa. Ela tem como objetivo, através dos lançamentos feitos em partidas dobradas, transparecer a situação patrimonial da entidade da melhor forma possível. Ao final do exercício, as “grandes empresas”, grosseiramente falando, devem divulgar as demonstrações financeiras (no popular, “o balanço”) para os interessados a fim de que estes possam tomar as melhores decisões possíveis.

O que faz o contador?

Ao contrário do que o Felipe achou uma vez, o contador não fica contando coisas. Mas o Felipe não é parâmetro pra ninguém, né, gente!

Mas antes, vamos quebrar alguns mitos disseminados pela mídia ou pelo senso comum sobre meus colegas de profissão.

#01: Contadores são frustrados

Nos filmes, o contador é sempre o mané, o otário, o tímido, o frustrado que sonhava em ser importante mas acabou fazendo contabilidade por terem lhe negado um papel principal na peça da escola. 

Não acredite nisso. A maioria dos contadores que eu conheço vive muito feliz na sua profissão. E o que eu mais escuto nessas minhas andanças por aí é gente se lamentando porque devia ter feito contabilidade ao invés de administração, economia, engenharia, enfermagem, etc.

Porque, ao contrário dessas outras profissões que têm escopos muito vagos, a contabilidade é certeira, prática, e só o contabilista pode assinar o balanço. 

Nos primeiros episódios de Glee, o Mr. Schue ficava na dúvida se continuava como professor ou teria de fazer o imenso esforço de trabalhar com contabilidade, como se qualquer um fosse qualificado para o serviço. (E até hoje eu não sei se ele era formado em contabilidade mesmo, porque, naquele episódio do Ricky Martin, eles deixam bem claro que o mentor do Glee Club também não tinha nenhuma formação acadêmica para dar aula, então vai entender o que se passa na cabeça do Ryan Murphy).

#02: Contadores vivem rodeados de papel

É muito comum o contador ser associado à figura do cidadão arcaico e infeliz que vive rodeado de papéis, fica com uma calculadora daquelas que sai uma fitinha e usa uma viseira na testa. 


Não vou dizer pra você que ainda não exista gente trabalhando desse jeito. Mas posso te garantir que essas pessoas já têm mais de 50 anos de idade. Quer dizer, não sei se vocês sabem, mas existe uma coisa chamada “Computador”, que revolucionou o armazenamento das informações. É bem verdade que ainda tem muita coisa em papel (até porque só pode ser registrado aquilo que está documentado), mas o modo de trabalhar está totalmente informatizado. Não tem mais aquela de ficar escrevendo à mão nos livros. É tudo feito nos sistemas. Às vezes até integrados com os utilizados para o gerenciamento da empresa.

#03: Contadores sabem tudo de matemática e fazem todos os cálculos de conta de cabeça

Outro mito muito comum que assusta quem não faz ideia do que seja contabilidade é a lenda de o curso tem muita matemática e que seus alunos resolvem todos os cálculos de cabeça.

Pra falar a verdade, contabilidade envolve basicamente as quatro operações (no máximo uma potência e uma raiz). Você vai ver um pouquinho de cálculo (que não vai lhe servir para nada), estatística (que pelo menos serve pra fazer prova de concurso) e matemática financeira. De resto são matérias específicas do curso que utilizam sim muita matemática. Mas é tudo muito concreto e nada que um aluno que aprendeu bem a matéria do ensino fundamental não consiga tirar de letra.

Agora sobre a calculadora com a fitinha, ela realmente existiu, porque contador não é bom de conta de cabeça. Mas também já ficou pra trás porque, hello, existe Excel, gente!

Um detalhe: Mexo com planilha Excel o dia inteiro. E descobri que nasci pra isso. Copia os dados pra cá, transpõe tabela pra lá, separa as colunas, sumariza do outro lado, seleciona os maiores, aplica um monte de fórmulas, usa formatação condicional, muito PROCV, tabela dinâmica... Recebo arquivos de tudo quanto é formato, e tenho que dar um jeito pra transformar tudo em uma planilha agradável de manipular. Estou sempre tentando descobrir uma maneira de otimizar o processo, porque ninguém merece trabalho manual! O dia que eu aprender a fazer macro ninguém me segura!

 #04: Contadores são ricos
Então, não é porque contadores são profissionais que lidam com finanças que eles necessariamente são ricos. Mas não vou mentir pra vocês. Existem contadores ricos, sim. Mas geralmente são os caras que já ocupam um cargo de diretoria, gerência, chefia dentro do departamento, que realmente assina o balanço e tal. E enquanto você tem o chefe ganhando uma quantia, hmmm, interessante, também tem o estagiário ou assistente ganhando muito, muito menos. Tem bem mais a ver com a posição do seu cargo do que com área em que atua. Mesmo assim, isso varia MUITO de onde você vai trabalhar. E dependendo de onde você trabalhe pode ser que continue ganhando mal a vida toda (mesmo ocupando um cargo interessante).

As áreas da contabilidade

A Contabilidade permite que o graduado atue em diversas áreas da profissão como:
  •  Contabilidade gerencial - Menos preocupada com o registro e sim com a relação entre os custos dos produtos e serviços ofertados.
  • Contabilidade Tributária/Fiscal – Relacionada ao estudo e ao cálculo dos tributos devidos.
  • Contabilidade Pública – Área que estuda o registro das operações das entidades públicas.
  • Perícia Contábil – Contratada para emitir parecer acerca do patrimônio da empresa quando dentro de um processo de litígio.
  • Auditoria – Depois eu falo.

Passado e futuro

Contador não é vidente. E isso é uma das coisas que eu mais gosto na profissão. A contabilidade é ao mesmo tempo um meio (para as tomadas de decisão) e um fim (que mostra o que resultou de tudo o que aconteceu na empresa, desde seu nascimento). Não vou dizer que seja uma ciência totalmente exata, porque nos últimos tempos, com a aprovação das normas internacionais, ela adquiriu um teor subjetivo maior. Porém, na maioria dos casos, existe sim uma resposta correta pra tudo e a gente não fica muito na base do “Depende”. E outra: uma hora ou outra, mesmo sem querer, você vai estudar nem que seja um pouquinho de contabilidade na sua vida.

Alguns podem alegar que o contador só se importa em registrar o passado, sendo sua função meramente ilustrativa para fins de cumprir a obrigatoriedade com o fisco e em alguns casos de empresas pequenas, familiares, isso pode até ser verdade. 

O contador dificilmente terá uma visão gerencial, de tomada de decisão, preocupado se as vendas vão aumentar, se vão diminuir, de as despesas devem ser cortadas ou não. Ainda mais em microempresas. Mas o seu trabalho deve servir de base para que aqueles que vão tomar as decisões possam ter uma visão clara de que as vendas aumentaram, diminuíram, se as despesas estão muito altas, se a empresa está dando lucro ou prejuízo, e então possam traçar sua estratégia.

E se a contabilidade estiver uma bagunça ou estiver refletindo uma situação preocupante (por exemplo, muitas dívidas e poucas garantias de pagamento), e a empresa quiser pegar um empréstimo, participar de uma licitação, vender a companhia ou até abrir o capital, eu duvido muito que ela consiga.

Nas empresas maiores, como elas têm a necessidade de divulgar periodicamente suas demonstrações financeiras, o setor da contabilidade é um pouco mais respeitado. Afinal, todo mundo vai ver um retrato da situação patrimonial da empresa saindo no jornal! E pra sair no jornal tem que estar bem bonito na foto, afinal todo mundo vai ver, e aqueles poucos doidos investidores, fornecedores, clientes que leem aquelas letras miúdas tem que ter uma visão muito clara de como a empresa está.

E é aí que entra a auditoria! Mas isso é melhor eu explicar na semana que vem! 

No final de tudo, nosso trabalho acaba resultando numa DF tipo assim:
E quando tem que sair no jornal mesmo, dá vontade de falar: “Manhê, fui eu que fiz!”

PS Se tiver alguma pergunta, a caixa de comentários está aberta às dúvidas. :)
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