sexta-feira, 18 de maio de 2012

Sobre Shakespeare e Chaves

Eu confesso. Não sou muito chegada nos clássicos. Não tenho muita paciência para aquele vocabulário rebuscado, para aquelas histórias em que nada acontece durante páginas, para ter que ficar dizendo para mim mesma que eram outros tempos e que na época as pessoas tinham outra cabeça... Às vezes eu até tento encarar uma leitura dessas, mas sempre acabo dormindo, ficando com raiva de alguma coisa no mundo, me cansando e largando o livro.

No entanto, nada disso acontece com Shakespeare. Por que, apesar de ser do período renascentista (que antecede praticamente toda essa galera que a gente estuda na escola: romantismo, realismo, parnasianismo, modernismo...), ele é mais atual do que todos eles juntos.

Will.I.am Shakespeare

Ao pegar uma peça de Shakepeare, não se tem a impressão de que são histórias datadas, ou paradas, ou inacessíveis aos reles mortais. Ao pegar uma peça de Shakepeare, a sensação que se tem é justamente a oposta. A de que elas poderiam estar (e ESTÃO!) na tela dos cinemas, da TV, no meio desse povo, e com certeza a gente vê na Globo (ou no SBT). As histórias que Shakespeare escreveu há uns 500 nos atrás continuam a se repetir e a inspirar praticamente tudo o que é dramaturgia hoje em dia. E são absolutamente populares! Tanto é que permeiam os sucessos mais inusitados (alguns deles eu tenho quase certeza que o fazem revirar-se no túmulo).

William (Shakepeare é muito difícil de escrever, foi mal) escreveu 38 peças entre comédias e tragédias, além dos inúmeros poemas. Mas, nada disso teria valido a pena, se ele não tivesse encontrado o amor nos braços da linda, simpática e talentosa Anne Hathaway.

Sacanagem, é claro que não é essa. 
Mas a foto é de uma cena de Noite de Reis*.

Tenho absoluta certeza que se fosse hoje, ele ia fazer o maior sucesso. Isso porque suas obras por mais complexas que sejam, ao mesmo tempo são muito simples. E populares! Cheias de reviravoltas e cenas marcantes, o trabalho de tio William era apresentado para as massas e sem dúvida, hoje em dia, seria um ótimo trunfo para atrair a “nova classe C”! Não à toa, dizem, Ricardo III já frequentou o horário nobre através de Flora em  Favorita e A megera domada já deu às caras umas 2 vezes no Vale a Pena Ver de Novo através de O cravo e a Rosa. E se você parar para pensar, muitos dos truques novelísticos usados à exaustão já estavam lá, nas obras bardo, há meio milênio de história, iluminando o caminho de qualquer dramaturgo até os dias de hoje! O que quer dizer que talvez o mundo não tenha mudado tanto assim nos últimos 500 anos, afinal na de contas.
* Lembra quando o Homem de Ferro ironiza o Thor, perguntando se aquilo tudo era "Shakespeare in Park"? Então era isso aí que a Anne fez. É um projeto de encenar peças do bardo em pleno Central Park, inteiramente de grátis.

Shakespeare conduz o público (ou o leitor) através da história pela mão e nos momentos cruciais o larga exatamente onde quer, deixando o espectador inquieto, mordendo as unhas, com o coração apertado.

Uma das coisas de que mais gosto é como ele sempre adiciona referências metalinguísticas ao gênero do teatro, como se ao mesmo tempo prestasse uma homenagem a seus atores e desse uma piscadela para o espectador logo à frente. Um exemplo disso é incluir (mais de uma vez) cenas em que personagens femininos fingem-se de homens, sendo que esses personagens já eram interpretados por homens mesmo! E apesar do linguajar sofisticado (pra falar a verdade, a leitura de um Shakespeare não chega a ser tão fluída, dependendo da tradução, mas também não chega a ser nenhum martírio), e do romantismo exacerbado e das grandes declarações de amor, e dos monólogos intermináveis, pode reparar só, sempre rola uma piadinha suja, estilo 2 Broke Girls!

Eu não estou participando do Desafio 6MS, mas acabou que o projeto reacendeu minha vontade de cozinhar esse post (acredite, ele já estava de molho há muito tempo) e de ler alguns outros exemplares de tio William que já estavam aqui em casa. Então, se vocês não se importam, comentarei brevemente algumas de suas obras logo abaixo daquele jeito herege do Inútil.

A Comédia dos Erros: A história é a seguinte: dois pares de gêmeos (2x Antífolo e Drômio) são separados “na maternidade”. (Atenção: Não são quadrigêmeos! São 2 gêmeos + 2 gêmeos, sacou?) Um dos pares vai para Siracusa, com o pai (Egeu). O outro vai para Éfeso. 25 anos depois, o pai é condenado à morte em Éfeso por ter violado a fronteira das duas cidades. Com todo mundo na mesma cidade, é óbvio que vão rolar muitas confusões na sua Sessão da Tarde. A Comédia dos Erros é praticamente um episódio de Chaves inteiro. É pastelão até dizer chega, com direito a muitos cascudos a la Seu Madruga na cabeça dos escravos Drômios. E o que dizer dos ciúmes das mulheres? Adriana ficou doidinha, e a irmã dela também! Não era pra menos! Com dois pares de gêmeos, os dois com os mesmos nomes, e nenhum deles possuindo alguma personalidade do mal, fica difícil diferenciar mesmo!


O Mercador de Veneza: Na cidade de Veneza, no século XVI, Bassanio pede a Antonio o empréstimo de três mil ducados para que possa cortejar Portia. Antonio é rico, mas todo seu dinheiro está comprometido em empreendimentos no exterior. Assim ele recorre ao judeu Shylock, que vinha esperando uma oportunidade para se vingar de Antonio. O agiota impõe uma condição absurda: se o empréstimo não for pago em três meses, Antonio dará um pedaço de sua própria carne a Shylock. No finalzinho é uma aula de Direito! Mas também no finalzinho tem mais aquela cena do anel uma cena que podia estar em qualquer comédia romântica, numa boa. Fiquei aqui pensando que se o Seu Barriga e o Shylock se encontram, vou te contar, seria o fim do Seu Madruga, que nunca paga o aluguel!


Hamlet é um novelão! Folhetinesco, dramático, emocionante! A peça, passada na Dinamarca, reconta a história de como o Príncipe Hamlet, tenta vingar a morte de seu pai Hamlet, o rei, executando seu tio Cláudio, que o envenenou e em seguida tomou o trono casando-se com a mãe de Hamlet. Rei Leão respira Hamlet. O integrante dos vingadores Thor também! (Não à toa o diretor do Thor é Kenneth Branagh - um cara conhecido por sua familiaridade com o texto shakespeariano, uma vez que já adaptou 5 de suas peças para os cinemas, mas que você deve conhecê-lo mesmo por causa do professor sósia do Neca Gilderoy Lockhart de Harry Potter ;P) O mais engraçado é que as duas frases mais famosas da peça “Ser ou não ser, eis a questão”, "Existe algo de estranho no reino da Dinamarca", “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia” são quase imperceptíveis! Gostei muito mais das reflexões acerca dos corpos que viram comida de minhoca, que adubam a terra, de onde são tirados os alimentos (nojentão!). E eu esse tempo todo achando que a Profª Deborah tinha sido original lá na 8ª série quando citou “self-service de verme” como eufemismo para morte! Que nada! Era Shakespeare puro! No fim das contas, a grande lição de Hamlet também pode ser encontrada nas palavras do maior filósofo de nossa geração: Seu Madruga.

Seu Madruga sobre Hamlet

Sonhos de uma Noite de Verão: Lisandro ama Hérmia que ama Lisandro e é amada por Demétrio, que é amado por Helena, que não é amada por ninguém. Se perdeu? Melhor desenhar.

Triângulo amoroso é coisa do passado...

Só que aí Oberon (uma fada macho, ou seja, um fado) faz um feitiço que era pra consertar essa história, mas acaba por confundir tudo de novo! E ficamos assim: Demétrio ama Helena, que ama Demétrio e é amada por Lisandro, que é amado por Hérmia. 

...agora a moda é.. desfazer o feitiço e ajeitar tudo de novo! #nãoseirimar

Imagina só como a Hérmia, acostumada a ter dois arrastando asa pra ela, ficou quando percebeu que agora a amiga fura-olho é que tinha virado o centro das atenções dos dois rapazes? Uma palhaça, né? E a melhor parte é que ela fala isso mesmo! Com essas palavras!

No meio disso tudo ainda tem um casamento, um grupo de teatro que ensaia uma peça (ruim pra caramba – mas fiquei com a maior do dó da pecinha dos caras, apesar de tudo, era de coração) para ser apresentada nesse casamento, um duende, um cara com cara de burro e uma (sa)fada que cai de amores pelo burro.

Sou fã desse filme só porque fizeram uma versão musical de Sonhos. E tiveram a heresia de mudar o final! Pra fazer tio William se revirar no túmulo, diz aí?

Obs.: Tem um infográfico direito aqui no link.

Romeu e Julieta: No baile de máscaras, Romeu se apaixona por Julieta. Isso não seria problema algum se ele não fosse um Montecchio e ela não fosse uma Capuleto. Duas famílias absolutamente inimigas! E agora? Quem poderá lhes defender? (Como Roberto Bolaños tem claramente inspiração na obra do bardo, é óbvio que não podia faltar um especial do Chapolin com Romeu e Julieta, não é?) A história de amor mais famosa do mundo é acima de tudo envolvente. Mesmo não concordando com metade das atitudes dos dois, e já sabendo o final, me peguei gritando pro livro: “NÃO BEBE O CÁLICE, SEU IDIOTA! ELA TÁ VIVA!”. Romeu e Julieta está presente em qualquer história de amor proibido e já ganhou releituras das mais diversas que vão desde Gnomos, rivalidade de times e até uma com a Hebe. Tem um filme do Baz Luhrman (aquele de Moulin Rouge) com Leo Dicaprio e Claire Daines em que todos os cenários e figurinos são contemporâneos, mas o texto é o original, com todos aqueles floreios de linguagem. O mais legal de Romeu e Julieta é que se você parar pra pensar, mal entendidos como o não envio da carta acontecem até hoje, mesmo com quase ninguém indo até os correios! Ou nunca aconteceu de você se desencontrar de alguém porque o celular estava sem créditos ou sem bateria? Rola um boato de que está sendo produzido um “Romeu e Julieta pra geração Crepúsculo”. MEDO!

Onde tem mais facadas? Shakespeare ou Pânico?

Próxima parada: MacBeth – a peça maldita!
Se bem que depois desse post eu já devo estar mesmo amaldiçoada até a 5ª geração!

5 comentários:

  1. Eu gostei da maioria dos clássicos que li e há vários outros que quero ler. Com Shakespere eu ainda não consegui decidir. Achei A Megera Domada sem graça, gostei de Muito Barulho por Nada, abandonei Romeu & Julieta (não sei se foi pela tradução, mas achei chato pra caramba) e amei Hamlet. Preciso ler os outros 3 que comprei pra ver se chego a alguma conclusão.

    Faltou citar Suave Veneno, que foi inspirada n'O Rei Lear.

    Eu li a sinopse de A Comédia dos Erros quando fui comprar os livros do 6MS e me lembrei de um episódio do Chapolin em que dois "Quico" namoram duas "dona Florinda", lembra? E o de Juleu & Romieta (é isso, mesmo?) é ótimo também.

    Sempre me pergunto se Drummond leu Sonho de Uma Noite de Verão antes de escrever Quadrilha. Ainda não li, mas tem cara de ser muito comédia romântica.

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    1. Não sabia de Suave Veneno (nem lembro mais da novela direito), mas Rei Lear está na lista dos futuros encontros com o bardo, com certeza. Também quero ler Muito Barulho por Nada (sempre lembro de Gilmarley Song do Kid Abelha. http://letras.terra.com.br/kid-abelha/64093/).

      Tb não assisti esse dos 2 Quicos com 2 Donas Florindas. Eu falei desse do Romeu e Julieta no post! Meu Deus, "há mais semelhanças entre Shakespeare e Chaves do que supõe a nossa vã filosofia"!!!!

      Enquanto escrevia sobre Sonhos, quase coloquei um link pro poema do Drummond. :)

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    2. Aqui o episódio dos gêmeos. Mas me enganei, é só um casal de namorados.

      http://www.youtube.com/watch?v=VBrD5diuJ_A&feature=related
      http://www.youtube.com/watch?v=cce58TMQzxA&feature=relmfu

      há mais semelhanças entre Shakespeare e Chaves do que supõe a nossa vã filosofia Hahaha verdade.

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  2. Amei! Os resumos estão ÓTIMOS. Especialmente quando incluem o Seu Madruga (momento em que revelo um grande segredo com medo de ser linchada pela minha geração inteira: não gosto de Chaves).

    Acho muito legal o quanto as obras do Shakespeare são inspiração pra ficção até hoje. É bem como você disse, talvez o mundo não tenha mudado tanto assim nos últimos 500 anos (e eu acho que é isso mesmo).

    Quanto ao 6MS, o coitado acabou morrendo :( Calculei errado e achei que ia conseguir ler um por mês, mas a verdade é que como leio clássicos pra cadeira de... bom, Clássicos, toda hora, quando sobra um tempo aproveito pra ler YA - e ter o que resenhar. Mas como vou fazer cadeiras Literatura Inglesa em breve, espero ter oportunidade.

    Adorei o post, como de costume!

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  3. Adorei seu texto.
    Amo Shakespeare e realmente ele serve de inspiração para muita coisa hoje em dia.

    Beijos,

    Carissa

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