quarta-feira, 27 de março de 2013

Mil sóis resplandecentes, só que não


Aviso: Muitos spoilers, porque eu preciso desabafar. E por, favor, a capa do livro entrega pelo menos metade da história.

Primeira Parte - Mariam

Sempre que alguém me indica um livro dramático, eu respondo: "Não, obrigada. De drama já basta a minha vida".

E se por vezes a frase pode soar meio exagerada, depois de ler somente 30 páginas de A Cidade do Sol, posso afirmar com toda a certeza que ela não é. Porque, antes mesmo de chegar ao capítulo 5, eu já estava chorando. Minha chefe, que havia me dado o livro de presente, me perguntou qual o motivo do choro. E eu menti. Disse que era porque a história da personagem era muito triste, que a mãe dela a maltratava muito... 

Mas eu sabia muito bem porque estava chorando. E não era por que a história do livro era triste. Mas por ele me fazer constatar o quão triste é a minha própria vida.

Enquanto lia, escutei diálogos e situações inteiros ecoando dentro da minha própria memória e percebi muito de mim em Mariam, mesmo que não morasse no Afeganistão, não tivessem me proibido de estudar ou fosse a filha renegada de algum dos pais. A rixa entre os dois lados da família, a guerra psicológica dos adultos querendo ganhar o coração das crianças com histórias mal contadas, a infelicidade da mãe, incapaz de perseguir outro caminho que não o da vítima, o sentimento de estar no meio de uma situação mais complexa do que parece e em que todos são vítimas e ao mesmo tempo são vilões.

Curiosamente, depois dessa parte inicial, eu não chorei mais durante todo o restante do livro. E olha que desgraça foi o que não faltou.

Logo depois das lágrimas, o que senti durante a maior parte do tempo foi raiva. 

Após a morte de Nana, fiquei com raiva do pai de Mariam, que nunca teve a decência de assumir a filha. Fiquei com raiva daquela sociedade machista que despreza tanto as mulheres.  Fiquei com raiva da nossa própria sociedade por não ser tão diferente. E fiquei com raiva das mulheres por terem Chritian Grey como símbolo de herói romântico, quando tá na cara que o sujeito é tão doente quanto o truculento Rashid.

Segunda Parte – Laila

Na segunda parte, acompanhamos a história de Laila. Me apeguei também àqueles personagens, por motivos diferentes dos da 1ª parte. Se na primeira, chorei junto por me identificar com os dramas familiares de Mariam, na segunda eu embarquei com tudo na história de amor de Laila e Tariq.

Gostei de ver ali naquela aldeia o contraponto de tanta amargura e a esperança de um povo, que, mesmo sofrido, tinha sonhos e tentava ser feliz.

É claro que eu sabia que aquilo não ia durar muito. A capa do livro já contava algo que ainda não tinha acontecido, mas que para que de fato ocorresse, o romance dos dois estaria fadado à tragédia, é claro.

Mesmo assim torci. Me apaixonei por Tariq. Suspirei.

Não chorei pela morte dos irmãos de Laila. Mas senti uma pontada no coração com o comportamento psico-depressivo de sua mãe. E nessa parte eu quase chorei de novo.

Mas a partir daí eu senti raiva novamente. Não daquele povo, não daquela cultura, não daqueles personagens. Mas senti raiva do autor que mostrou seu lado maniqueísta e não de um jeito bom. Ele entrou num deserto de tragédia e não saiu de lá por mais de 200 páginas!!! 

E ele me irritou ainda mais porque foi sádico. A cada 30 páginas, o safado nos enchia de esperança para então acabar com qualquer pedaço dela que ainda tivesse restado.

Quando Tariq foi embora e mesmo sabendo que o destino de Laila era encontrar com Mariam, eu ainda assim torci. Torci para ela sair de lá, torci para encontrar com ele. Meu coração deu saltos de alegria quando sua família anunciou a ida para o Paquistão. E no dia que eles iam fugir, uma bomba atingiu a casa deles e matou os pais de Laila.

E não deu mais 20 páginas e o Tariq morreu também. De um jeito muito sem criatividade, aliás. Outro míssil.

Existe uma cota de tragédia que uma pessoa pode aguentar. E a minha já estava defitivamente muito próxima de se esgotar.

Parte 3 – Laila e Mariam

E aí a Laila encontrou com a Mariam, e casou com o Rashid, porque, adivinha só, ela estava grávida do Tariq.

Aí eu fiquei com mais raiva, porque, como eu já havia desconfiado desde que eles ficaram juntos, É CLARO, que ela ia ficar grávida, sozinha no mundo. É o clichê melodramático mais batido de todos. Tive a sensação de já ter visto essa história uma vez. Duas vezes, aliás. Mais de duas pra falar a verdade. Em O Clone, Caminho das Índias e América (nessa última tinha até a parte de tentar atravessas a fronteira, que eu comento mais a frente). Só que nas 3 novelas da Gloria Perez, pelo menos tinha uma dancinha no meio pra animar.

Mesmo assim, ainda dei mais uma chance à terceira parte da história, que prometia o encontro entre Laila e Mariam e a presença da primeira prometia mudar a vida da segunda. Achei bonitinho a interação das duas com o neném. Torci para as duas conseguirem fugir. Mas, é claro que, no fundo, eu também já sabia que aquilo não ia dar certo. Ainda faltavam 200 páginas pro livro acabar. Era óbvio que cedo ou tarde elas iam ser pegas (hello, eu já assisti América e a Sol só consegue entrar nos EUA na 2ª ou 3ª tentativa)

Existe uma cota de tragédia que uma pessoa pode aguentar. E a minha nesse momento se esgotou de vez.

Desde o início, mesmo com todo o sofrimento, torci para aqueles personagens. Mas a partir do momento em que a tentativa de fuga não deu certo e o talibã assumiu o governo, por mais que eu tivesse simpatia por elas, a ausência de esperança em seus horizontes me desanimou tal qual um torcedor que vê seu time perder por 3 a 0 faltando somente mais 15 minutos para o final. Foi por pouco que não abandonei o estádio.

Me perguntava se toda aquela tragédia era mesmo necessária porque depois que [SPOILER ]Mariam teve uma infância difícil, descobriu que seu pai tinha vergonha dela, viu a mãe ter se matado no mesmo dia, casou um cara velho na outra semana, perdeu um bebê e passou a apanhar do marido durante anos, ao passo que Laila perdeu amigos na guerra, os pais no dia em que pretendia se mudar, ficou sabendo da morte do namorado, descobriu que estava grávida, casou com o marido violento e agora também tomava surras quase que diariamente [SPOILER], eu já tinha entendido que a vida das duas era sofrida. Não precisava mais.

Mesmo assim, ainda tem muito mais cenas de violência doméstica e de desprezo pela mulher, uma de tortura, um parto a sangue frio, personagens passando fome, personagens abandonando filhos no orfanato... E MEU DEUS, ISSO É MESMO NECESSÁRIO????

E a essa altura ainda faltavam umas 100 páginas pro livro acabar e eu me perguntava como aquilo ainda podia ficar pior!!!!!

Pedia por favor para o juiz soar logo o apito final, para que meu time, que agora já tomava de 8 x 0, pelo menos não levasse mais nenhum gol! Pedia por favor, para que acabasse logo com esse sofrimento de livro porque eu já sabia que nada mais de bom ia acontecer aí. Não me contive e passei o olho nas últimas páginas que tinham a palavra “enterro”. Vi que ainda estávamos no ano de 95 e a história ainda iria além de 2003, bem depois do 11 de setembro, adentrando com a Guerra ao Terror, declarada pelo Bush no início da década.

Fiquei com raiva do autor de novo porque é claro que ele tinha mesmo que contar os últimos 40 anos do Afeganistão nos mínimos detalhes, mesmo que para isso ele precisasse arrastar seus personagens por 20 anos de sofrimento desnecessário em que não há avanço narrativo nenhum.

Ao invés da identificação com os personagens complexos que havia encontrado no início, só o que restava agora era uma mistura de novelas da Gloria Perez (sem as dancinhas) com um documentário sensacionalista que só faltava declarar apoio à invasão norte-americana no final e tangenciava um ode à cultura ocidental. Tudo era previsível e unidimensional e arrastado demais. Já tinha acabado o amor. Só não tinha acabado o livro.

Parte 4 – O final

Felizmente, eu estava errada, pois, nesse momento em que toda a esperança já tinha evaporado, eis que me aparece, no maior estilo Jamanta, Tariq, vivinho da silva, para esquentar novamente o meu coraçãozinho.

E então, finalmente se acendeu a luz do fim no túnel, e a história rumou em direção a um final agridoce, mais ou menos feliz, passando por momentos de tristeza, sim, mas principalmente de redenção. A Cidade do Sol deixava de ser uma narrativa sobre o país e o tratamento das mulheres no islã radical e voltava a focar em seus personagens, graças a Deus!

E ok, foi satisfatório, mas ainda acho que tudo isso podia ter terminado umas 100 páginas antes, quando a gente já tinha sacado que a vida de Mariam tomou sentido com a chegada de Laila, que ela tinha se tornado uma mulher mais segura de si, etc.

Na parte 3, em que tudo ficou insuportavelmente infeliz, a história teve uns dois ou três pontos de inflexão que permitiam o mesmo final, com a mesma coerência (um ajuste aqui, outro ali e a gente podia ter passado sem a parte do parto, da fome e do abandono da filha, pelo menos). Porque, afinal de contas, assim que a tentativa de fuga fracassou, ficou óbvio que o único jeito de sair daquela situação era matando o marido.

E mesmo depois disso, a predileção do autor por contar tudo nos mínimos detalhes, ainda arrasta o livro por mais 50 páginas desnecessárias. Uma elipse ali logo após a despedida das duas cairia bem, mas, pra quem já tinha mostrado tanta gente morrer, até que a opção por narrar a morte de sua personagem principal não é das mais recriminadoras. O que me deixou chateada mesmo foi como, já praticamente no final, o autor tangencia insinuações que associam a invasão norte-americana à volta da paz e da tranqüilidade.

No final, não foi uma experiência ruim. O livro é envolvente, tem um viés político interessante e até determinado ponto personagens bem construídos. Só que eu fico muito revoltada quando percebo maniqueísmo dramático nos autores. E de drama já basta a minha própria vida.

And sometimes it's a sad song

11 comentários:

  1. Que desgraceira. Socorro. Eu com certeza não chegaria ao final. Você foi forte. Simplesmente não aguento ler um livro que só tem desgraça atrás da outra mesmo que essa seja a realidade. Quando tem gravidez no meio então... É uma das situações que acho mais agoniantes nos livros: Mãe solteira e pobre com filho pequeno pra cuidar.

    Li (tentei ler) um livro assim, Apátrida. Era desgraça atrás de desgraça e estava na cara que nem no final teria um pouco de felicidade. Abandonei. Com esse não seria diferente. Gosto de livros com altos e baixos. Esse negócio de só baixo não funciona comigo. A propósito, estou pegando birra de finais pseudo-felizes. O clichê "e viveram felizes para sempre" está ficando raro.

    PS: Me deu agonia ver você falando do "quão triste é a minha própria vida" :(

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    1. Oi Felipe.

      Terminei só pq ganhei de presente e sabia que a pessoa que me deu, ia perguntar o que eu tinha achado. Não é nem de longe meu tipo de livro, mas de verdade, achei que foi uma leitura muito válida.

      A menina descobre que está grávida praticamente no mesmo momento em que os pais morrem e já casa com o marido violento, então ela não fica muito tempo sozinha, muito embora, a gente se pergunte se ela não estaria melhor sozinha mesmo.

      Acho que tem histórias em que um final feliz-sorridente não cabe, e o máximo que dá pra tirar é algo próximo do agridoce mesmo. Mas não tiro sua razão de estar sentindo falta de um "feliz pra sempre" de raíz. Qd terminei esse livro, tive que resgatar DP10 da prateleira pra desfrutar dessa sensação de "só coisa boa" de novo.

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  2. Eu sofri muito com esse livro também. Mas não me identifiquei tanto assim. Não costumo levar minhas reflexões sobre os livros a um ponto tão profundo - e acho que perco muita coisa por isso, de vez em quando.

    Dos livros do autor, achei esse mais felizinho até. Li o Caçador de Pipas logo depois e naquele livro tem mta desgraça.

    No todo, concordo com você. É melhor ler livros felizes e deixar para sofrer minhas decepções na vida real.

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    1. Nossa, Karol! Não sei se levo essas reflexões nos livros pra mim sempre, mas nesse caso, na parte inicial, foi tudo tão direto, o livro falou direto comigo, com uma parte de mim que eu sei que está lá, mas que não gosto de conversar, eu não me forcei a enxergar nada, simplesmente percebi, sei lá.

      Mas, por incrível que pareça, gostei dessa parte, pareceu honesta, consegui estabelecer paralelos ali. Depois ele entra numa de usar os personagens para falar do Afeganistão, e aí nossas realidades são muito diferentes, afastou aqueles personagens que estavam tão próximos.

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  3. Nossa! Eu li esse livro faz tanto tempo, e foi logo depois de O caçador de pipas, alias eu considero Cidade do Sol melhor.

    Enfim, eu tbm sou super a favor de não ler tragédias, pq para isso só precisamos ligar a televisão. E não sei qual é o problema de certos autores que não sabem para de escrever tragédias em cima de tragedias... chega um hora que perdemos completamente as esperanças. Eu passei isso recentemente com o livro Belle.

    Enfim, prefiro voltar minhas leituras para livros sem pretenções politicas ou lições de superação;

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    1. Só quero comédias por um bom tempo agora também. Não quero pensar, não quero chorar, só quero suspirar, me divertir, me apaixonar pelos personagens.

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  4. "E fiquei com raiva das mulheres por terem Christian Grey como símbolo de herói romântico, quando tá na cara que o sujeito é tão doente quanto o truculento Rashid."

    APIOADA! Não sei quem é Rashid, mas Cristo, COMO ALGUÉM PODE CURTIR UM DOENTE COMO O CHRISTIAN GREY?

    "Só que nas 3 novelas da Gloria Perez, pelo menos tinha uma dancinha no meio pra animar."

    HAHAHAHAHAHAHHAHAHHAHA! xD

    Mas comentando agora... também não sou a maior fã de livros tão dramáticos. Preciso estar muito no clima pra curtir. Até acho que esse aí me interessaria, apesar de tanta tragédia.... mas não agora, quem sabe um dia. Também costumo dizer o que vc diz: de dramalhão, já basta a minhja vida! ;)

    Bjs

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    1. Eu sempre soube, mas depois desse, eu tive a confirmação de que não nasci para esses dramas lacrimais (porque ou eu choro de verdade ou eu acho tudo muito forçado e não choro nada).

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  5. Eu comprei esse livro naquela época que Caçador de Pipas estava bombando e começou a pipocar livros no estilo. Aliás, comprei e ficou guardado. Resolvi ler um dia, sabe como é, pra esvaziar a estante... E AMEI! Gente, esse livro é amor. <3 Não sei se porque eu tenho essa coisa dramática. E também o achei mais legal que o Caçador de Pipas.

    Um Lugar Para Todos também é triste e me surpreendeu bastante.

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  6. Eu gosto de livros (e filmes) dramáticos. Gosto mesmo. Só que também não gosto desse maniqueísmo que você citou (você sabe, existe aquele autor... famoso. E. eu. detesto). Porque eu acho que se você enche loucamente sua história de momentos horrendos em cima de momentos horrendos, ela perde a força. Fica exagerado demais, passa do limite, e incomoda. Daí você nem consegue mais sentir pelos personagens porque está incomodada. Acho que a gente não precisa de algo tão exageradamente 'explícito' pra entender que os personagens estão passando por situações difíceis, e sobre como a vida delas é complicada.

    Se eu lesse, seria uma experiência diferente, porque não estou acostumada a essa temática. E acho que provavelmente seria válida. Mas depois dos seus comentários - e do resumo das milhares de tragédias - acho que, por ora, passo.

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    1. Fernanda, enquanto eu lia pensei comigo mesma: "Ok, então eu já sei que nunca vou poder pegar um Nicholas Sparks porque eu vou ter muita vontade de socar ele".

      "Porque eu acho que se você enche loucamente sua história de momentos horrendos em cima de momentos horrendos, ela perde a força."
      Foi exatamente isso que aconteceu. Chegou um ponto em que já não torcia mais pelos personagens, e meio que colocava a culpa neles, mesmo sabendo que não tinha muito jeito. Também acho que não precisa fazer algo explícito pra se fazer entender. No início estava meio assim, com algumas coisas meio nebulosas, implícitas. Depois o cara ficou sanguinário mesmo, passou do limite. E o pior é que ele passou do limite sem dar um resquício de esperança pela frente. Sei lá, afastou muito os personagens da nossa realidade, ficou difícil se identificar, torcer por eles.

      Apesar de tudo, achei a experiência válida também. Mas só quero comédias românticas por um bom tempo agora.

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