segunda-feira, 29 de julho de 2013

Bluetooth de pensamento

Às vezes a gente tem a impressão de que se ficar calado e deixar os sentimentos trancafiados dentro da boca, as outras pessoas não vão saber o que se passa na nossa cabeça, o que tem dentro do nosso coração. Acontece que, como já diria uma música muito sábia de Chiquititas (que por sinal está volta num remake que substitui sua própria versão de Carrossel, numa clara estratégia do SBT em nos mostrar como estamos ficando velhos), “As palavras só te dizem um pouquinho da verdade/Os olhares nunca mentem falam com sinceridade/ Com as mãos, com cotovelos, com os braços e os pés/Com a boca, sem palavras/Adivinhe o que é”, e por mais que a gente tente esconder os sentimentos através do silêncio, o resto do corpo e de nossas ações nos entrega sem piedade. 

Engraçado pensar como depois de conhecer certas pessoas durante muito tempo a gente sabe exatamente o que elas estão pensando, sem necessidade de expelir um pio sequer. E como aquelas pessoas que num primeiro momento são tão diferentes de você, acabam por ser aquelas que mais dominam a tecnologia do bluetooth de pensamentos (como a gente costumava chamar essa sinergia no CEFET), justamente porque lá no fundo têm mais em comum do que a superficialidade de um primeiro encontro pode supor.

E eu, que sou dessas que prefere esconder os sentimentos, me surpreendo com minha própria incompetência quando defrontada com essas situações de gente que me conhece mais do que deveria. Mas, ao mesmo tempo, a todo momento em que uma camada de proteção se vai, também vem um alívio gostoso e a sensação de que, tudo bem, não é tão ruim assim ser desmascarada. Na verdade é bem bom descobrir que aquela pessoa é muito mais do que você esperava. E que agora tem mais alguém com quem contar.

Tem coisas que não precisam ser ditas. Nosso corpo fala. Nossas ações comprovam. Elas estão ali, subentendidas o tempo todo, sem que ninguém precise colocar em palavras. A gente sabe e pronto. Não tem necessidade de dizer.

Mas de vez em quando é bom externar tudo isso. Mesmo que não precise. Porque a sensação de libertação é incrível.

Essa semana tive uma dessas conversas francas sobre um assunto quase pessoal com alguém cuja relação é dessas que a gente fala mais com olhares do que imagina (tanto da parte dela, quanto da minha parte). Não foi nada premeditado, nem que fosse constranger ninguém, mas no meio da conversa, ao invés de fazer a cara pseudo-enigmática que faço quando quero evitar assuntos que não quero discutir, eu resolvi abrir o jogo. E de repente a gente estava lá falando tudo o que sempre pensou. A admiração, a insatisfação, os medos, os planos pro futuro... E foi bom.

Foi bom porque eu senti que não precisava mais esconder aquilo que estava me afligindo há meses. Foi bom porque a reação que obtive não foi de recriminação, mas de compreensão imediata. Foi bom porque eu descobri alguém mais com quem eu posso contar. E foi bom porque outras conversas no mesmo estilo surgiram depois, abrindo mais espaço para outros preconceitos e camadas de proteção caírem por terra.

E o mais engraçado dessas outras conversas é que muitas das coisas que a gente dizia vinham pontuadas com um “Eu sei” meio risonho, porque por mais que não tivéssemos efetivamente dito tudo aquilo antes, havíamos desenvolvido a tal tecnologia Bluetooth de Pensamento que só a convivência durante tanto tempo consegue explicar.

Depois eu fiquei pensando por que a gente não tinha tido essa conversa antes. Talvez tenha faltado oportunidade. Talvez eu não tenha quisto que a gente tivesse. Ou talvez a gente não precisasse ter mesmo, já que a maioria das coisas que falamos já estava dita em outros momentos, em forma de palavras ou não.

Mas também fiquei pensando em como a gente se deixa acomodar nos silêncios e perde a oportunidade de aprimorar as relações por orgulho, vergonha ou o que quer que seja. Em como a gente deixa de dizer “Eu te amo” às pessoas que gosta, por assumir que ela já saiba. Em como a gente fica preso nas próprias convicções e não demonstra o que sente, sem dar chance de que o outro também possa sair da própria redoma de proteção que coloca em volta de si próprio.

Não vou dizer “sempre”, mas “de vez em quando” é bom colocar pra fora tudo o que a gente pensa.

Porque nem sempre o Bluetooth de Pensamento funciona direito. E a vida é muito curta para depender da conectividade alheia. Daí um microfone em alto e bom som é muito mais eficaz.

2 comentários:

  1. Ah, bluetooth de pensamento! Uma das melhores coisas que já inventaram, mesmo eu sendo adepto de ter alguém para contar TUDO. Guardar sentimentos (ainda mais coisas conflitantes) não faz bem, é agoniante, e eu, como péssimo tomador de decisão, acho muito válido ter pessoas para nos ajudar a fazer escolhas, dessas bem difíceis que envolvem um mundo de outras coisas.

    Já fui muito fechado (Ninguém no mundo vai gostar de mim se souber como realmente sou mimimi), mas passei dessa fase. Não recomendo pra ninguém.

    Eu acho que é bom sempre externalizar, mas para as pessoas certas. Até a bíblia diz que é se confessando uns aos outros que a coisa funciona. Quem sou eu pra discordar? :P

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  2. Gostei dessa expressão "Bluetooth de pensamento"
    Também sou receosa quanto a falar de sentimentos. é sempre mais fácil não dizer nada. E meu medo é de falar pra pessoa errada pois, você tá com aquilo te perturbando e depois vem o outro e faz piorar tudo... é complicado, falar com a pessoa certa. E mesmo vc achar q é a pessoa certa e se enganar...

    Mas sinto falta de alguém com essa tecnologia... e que funcione bem rs

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