domingo, 20 de julho de 2014

Superficial

Esses dias estava conversando com uma menina do Sul que tinha vindo morar no Rio há alguns meses sobre as suas impressões sobre a cidade maravilhosa. Ela disse que achava a cidade muito bonita, que o trânsito daqui era caótico, mas que o sistema de transporte público era bom (ela mora na zona sul e só conhece a linha 1 do metrô), que as pessoas eram muito mais tranquilas, mas também que estava achando os cariocas muito...superficiais.

Eu e minha amiga ficamos estupefatas. Estamos acostumadas a escutar algumas impressões dos cariocas como falta de pontualidade, ou excesso de malandragem – que não dá pra negar, são verdadeiras -, mas superficialidade era a primeira vez.

A menina explicou que estava aqui já havia 3 ou 4 meses e ninguém a convidava para sair no fim de semana. Que as pessoas sempre falavam: “Vamos marcar pra fazer tal coisa”, e aquilo ficava viajando pelas ondas sonoras eternamente e ninguém nunca marcava nada. (O que também é verdade. Isso é coisa de carioca mesmo!)

Mas não quer dizer que sejamos... superficiais.

Quer dizer, amizade e, consequentemente, programas no fim de semana vem com o tempo. Talvez seja um sinal que sejamos... ressabiados. Superficiais, não.

E o tal “Vamos marcar qualquer dia desses” está tão impregnado na nossa cultura que é difícil a gente fazer algo diferente até com nossos amigos de anos, que dirá com alguém com quem trocamos meia dúzia de palavras uma vez na vida.

Se você quer saber a minha opinião, a moça que não quer amizade coisa nenhuma. Só companhia para sair. Acho que está bem claro quem são os superficiais na história, né?

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Como ia dizendo, amizade é muito mais que “chamar pra sair no fim de semana”.

Amizade é chorar junto quando o companheiro chora. É não parar de falar quando se encontra. É não precisar falar nada e entender tudo só com o olhar. É tirar foto do celular e mandar para pessoa só porque lembrou de alguma coisa que vocês tenham conversado. É estender a mão quando o amigo precisa de ajuda. É dizer que acha que ele está fazendo tudo errado. É estar presente nos momentos mais importantes da vida dele. É sentir falta quando não está.

E isso tudo demanda confiança, compreensão, cooperação, lealdade, companhia, simpatia, empatia... e por que não dizer “amor”, já que está no radical da palavra? E tudo isso a gente conquista com o tempo. Não é assim, de uma hora pra outra.

Umas pessoas demoram um pouco mais. Outras um pouco menos.

Eu particularmente estou no time das que demoram quase uma eternidade.

Não me acho a pessoa mais sociável do mundo. Não me aproximo fácil das pessoas. E não faço Amigos (com A maiúsculo) com tanta facilidade. Geralmente não sou eu quem puxa os assuntos. Deixo darem o primeiro passo sempre. E me fecho muito no início. Por medo ou por desconfiança. Acho que até afasto as pessoas, meio de propósito. Por preguiça ou falta de vontade.

E depois até me arrependo por não ter sido mais receptiva antes. E às vezes acho que não mereço a quantidade de carinho que recebo de gente a quem me dedico tão pouco. Mas a experiência me mostrou que é mais fácil deixar que me conheçam aos poucos e ir surpreendendo aos poucos do que chocar de início com todos os meus paradoxos.

Minha estratégia é não deixar que as pessoas saibam quem eu realmente sou até que seja tarde demais. (É bem verdade que essa estratégia por vezes se demonstra bem furada, porque mesmo tentando esconder o verdadeiro eu lá dentro, as pessoas descobrem mesmo assim).

Só que aí o tempo vai passando, e a gente vai se aproximando, as guardas vão baixando, e de repente a gente se fala todo dia, e tem vontade de se falar ainda mais, e quer contar as novidades do dia e não sabe mais viver sem. E de repente a gente percebe que a pessoa já faz parte da sua vida. E de repente a gente percebe que a pessoa já faz parte de você.

Em regra geral, para considerar amizade verdadeira mesmo, tem que “me aguentar” alguns anos, resistir a uma série de provas, passar por muita coisa junto. E quem já está nessa comigo há tanto tempo, já teve tempo não só de se surpreender com um monte de coisas, como também já teve oportunidade de enxergar um “eu” superfrágil nos seus piores momentos. E geralmente é aí você se dá conta do quão importante aquela pessoa é para você. E vice-versa.

Porque eu posso demorar a me apegar. Mas quando engato, sou 200% leal. Porque a vida é muito curta pra não demonstrar o quanto elas significam pra gente. Ainda mais tendo desperdiçado tanto tempo, na fase pré-operacional da amizade.

Gosto de abraçar, de beijar, de estar perto, de gargalhar escandalosamente, de zoar infinitamente, de inventar presentes legais...

E sofro muito no momento da eventual separação. Porque dói saber que aquela pessoa não vai mais estar com você. Que não vai mais tê-la por perto para desabafar ou contar aquela piada que só vocês entendem. Por mais que exista internet, e whatsapp, a gente sabe que não é a mesma coisa. Sente falta da presença física. De estar junto, de chorar no ombro, de olhar no olho, de rir sem parar.

E eu choro. Choro mesmo. Não um choro contido. Antes fosse. Mas de um soluçar, que vem de dentro da alma. Pra enxugar a saudade que já começa se formar.

Porque dói demais ter que arrancar um pedaço de você mesmo. Ou pelo menos realocá-lo em uma outra parte de uso menos frequente.

Se a ferida fosse superficial, qualquer Merthiolate sarava. Mas estar longe de amizade de verdade (ou pelo menos se acostumar com isso) é procedimento quase cirúrgico. Acho até que devia ter anestesia local.

PS. Feliz Dia do Amigo pra vocês que me aturam há tanto tempo. E, parece que não, mas já passaram por algumas boas aqui comigo. Obrigada!

3 comentários:

  1. também tem que passar por provações para ser meu amigo. as pessoas fazem amizade tão facilmente. eu não. demoro pra me abrir de verdade. pra conversar direito,etc. sou meio lenta... ah, sim,essa coisa de chorar com a partida. ..imagine se romper uma amizade. machuca pra caramba. | Emilie Escreve |

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  2. Lisa, que texto bacana!

    Pra mim também é bem difícil fazer amigos (amigos com A maiúsculo mesmo) e tem muito pouca gente que eu chamo de "amigo" de verdade. É até estranho porque às vezes eu não sei me referir às pessoas direito: se não é colega, mas não é amigo, como a gente chama? "Um conhecido meu"? É tão esquisito - mas não consigo usar "amigo" a torto e a direito, não. Demora muito pra isso acontecer.

    Essa separação é triste. Mas acho que uma das coisas mais tristes de crescer é que, conforme o tempo passa, algumas pessoas que significavam tanto, com quem essa conexão toda *realmente* existia, acabam se afastando da gente (e vice versa) pelas circunstâncias. Amizade de verdade é uma coisa tão rara e bonita e é tão triste que às vezes... diminua tanto, ou acabe? Você continua desejando tudo de bom no mundo pra pessoa, mas fica por aí.

    Beijo! Feliz dia do amigo atrasado!

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  3. Faz um tempo, eu tentei escrever um texto sobre amizade no meu blog, que acabou terminando no limbo dos rascunhos inacabados, porque no fim das contas, não consegui colocar em palavras os meus sentimentos e pensamentos a respeito. Mas se o texto tivesse saído, provavelmente o resultado teria sido parecido com esse texto aí... em outras, palavras, super me identifiquei. Com a diferença de que, parece que quanto mais velha fico, mais difícil é me aproximar das pessoas. E os amigos de verdade, apesar do carinho e (por que não) do amor, a vida às vezes acaba afastando do convívio... e aí, fica no lugar aquela solidão chata. Não é fácil...

    Bjs!

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