Acho que eu já contei aqui que eu fui uma adolescente quegostava de Smallville. Era sofrido gostar de Smallville naquela época, se você não tinha tv a cabo e dependia do SBT. Você tinha que se adequar aos horários imprevisíveis do Silvio Santos, comerciais infinitos, e não bastasse tudo isso, ainda tinha o Celso Portiolli atendendo ligações para distribuição de prêmios prolongando ainda mais os intervalos. Mas quando você tem 14 anos, e um ídolo teen pra chamar de seu, você aguenta qualquer coisa.
Se fosse hoje em dia, confesso que não teria a mínima
paciência para uma série como Smallville, com o freak of the week, e 25
episódios mais ou menos com a mesma estrutura. Mas Smallville construiu o meu
caráter e eu, sem querer, aprendi a gostar de séries, e criei um sentimento de
muito carinho pelo Superman.
Mesmo que o elenco aparentasse ter pelo menos 10 anos a
mais, o Tom Welling não fosse lá essas coisas como ator, e a série tivesse os
efeitos especiais que cabiam no orçamento da CW, Smallville acertava em cheio
na premissa de mostrar o herói descobrindo seus poderes ao mesmo tempo em que
passava pela adolescência, essa época em que a gente também está descobrindo
quem é e qual é o nosso lugar nesse planeta.
De lá pra cá, a DC passou uns belos 20 anos tentando fazer
acontecer o seu universo cinematográfico, sem saber que, enquanto ela não
acertasse no Superman, o DCU nunca ia funcionar. O Snyderverso era sombrio e
realista, com um Superman carrancudo e que não usava a cueca por cima da calça,
numa tentativa frustrada de aproximar o Superman no Batman, à época o herói
mais popular da DC, pois, veja só (!): "o Batman é mais vulnerável, ele
não tem poderes, e é muito mais interessante de assistir do que o Superman".
Uma conversa fiadíssima de quem não conhece, nem entende verdadeiramente o
Superman.
Se o Snyder assistisse Smallville, saberia que o Superman
tem excelentes dilemas éticos e morais, justamente por ser tão poderoso e
aparentemente invencível. E que uma das coisas mais legais do Superman era
justamente ele tentando equilibrar sua dupla personalidade, e todos os
conflitos de identidade que isso lhe causava. Se Snyder assistisse Smallville,
saberia que o verdadeiro trunfo do Superman é a bondade do Clark Kent. E que
ela muitas vezes é a verdadeira kryptonita.
Snyder podia até fazer um Superman forte e poderoso, mas
falhava miseravelmente em mostrar que, no fundo, o Superman também era o Clark
Kent. E é por isso que o seu Superman era horrível.
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Lá nos anos 2000, um Junior Lima com a voz hesitante cantava
"Super Herói" como uma metáfora para o fardo de ser uma pessoa
pública, e ter de lidar com as expectativas irreais da mídia, dos fãs e de quem
mais fosse. Sempre achei um exagero a comparação e confesso que me faltava a
empatia necessária para entender o porquê do dilema de algo tão intrinsicamente
ligado à fama.
Mas, o tempo passou, e conforme a gente cresce, vai
percebendo que "ser herói" não é nada fácil. Porque a gente quer ser
perfeito, e se sente (eternamente) responsável "por aquilo que
cativa", e sente o peso da capa e das expectativas das outras pessoas
sobre a gente. E muitas vezes a gente se questiona se estamos fazendo tudo o
que podemos, ou se estamos fazendo realmente o bem.
Os dilemas do super-herói passam a fazer muito mais sentido
depois de uma certa idade. Especialmente se você está numa posição de liderança
(seja ela qual for: no trabalho, na família, em algum projeto paralelo que
seja). Porque você percebe que o famoso dito do Tio Ben é tão literal que chega
a doer. Sim, “Com grandes poderes, vem grandes responsabilidades”. E os
talentos que nos foram agraciados pela natureza (ou por alguma aranha
radioativa) têm o seu preço. Estar sob os holofotes exige cuidado no agir e a
consciência de que tudo o que você disser será usado contra você. Poder fazer a
diferença na vida das pessoas é uma dádiva, mas que tira noites de sono,
pensando se você eventualmente não cometeu uma injustiça. Ser líder é ser o
exemplo, afinal de contas, e você precisa tentar se aproximar da perfeição,
para corresponder àquilo que esperam de você.
Com o tempo, você também vai percebendo que a única certeza
que existe é que você não vai acertar todas. Porque, mesmo com tudo isso, você
ainda é só uma pessoa. Alguém tentando encontrar o seu lugar no mundo, e que
acorda todos os dias e tenta fazer boas escolhas e dar o seu melhor. Alguém que
também tem o direito de sangrar e de sonhar, como já cantava Junior Lima.
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E é aqui que o Superman do James Gunn voa alto, e com muito gosto.
É um Superman que apanha tanto, mas tanto, que chega a sangrar. É um Super
extremamente vulnerável, que chora e não tem vergonha dos sentimentos.
Praticamente um ensaio da Brene Brown. Ele toma porrada de todos os lados: dos
vilões, da mídia, do cachorro, do governo e da opinião pública. Em dado
momento, sofre tanto com as expectativas que lhe foram impostas que chega a se
questionar se realmente é o herói que ele acreditava que fosse.
E é por isso que o Superman do James Gunn me pegou de jeito.
Mesmo sendo super, o Clark não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo.
Mesmo sendo super, ele não consegue salvar todo mundo. Mesmo sendo super, ele
também precisa de cuidado quando se machuca. Mesmo sendo super, ele também é
uma pessoa, afinal de contas.
E daí quando ele faz aquele discurso pro Lex no final, eu
chorei gostoso. Chorei não só porque o meu Superman da época de Smallville
estava de volta, mas porque ele verbalizou tudo aquilo que o Junior cantava e que
eu agora sentia na pele (e demorei tantos anos pra entender!). O discurso me emocionou
ainda mais porque dias antes, eu tinha escrito uma carta para uma pessoa que
estava pra começar num cargo de liderança praticamente com as mesmas palavras.
Uma pessoa que, num determinado momento, também se esqueceu que eu era só uma
pessoa (foi uma longa história!) e que também me fez questionar se eu era o
herói que achei que fosse. E ver o Superman falando ali, sem vergonha nenhuma,
que ser humano era o seu maior superpoder me pegou demais.
É claro que todos os dias você vai se questionar se está fazendo o suficiente. Mas, também como o Superman do James Gunn, com o tempo você vai percebendo que a vulnerabilidade é o verdadeiro superpoder. E daí a sua missão fica muito mais fácil de cumprir. Porque ser humano é uma meta perfeitamente alcançável. E a recompensa de fazer a diferença nesse mundo, usando os seus próprios superpoderes, é maior do que qualquer peso que a capa de herói pode ter.
PS. Precisamos falar aqui também como o novo Superman é um gostoso. E a cena da cozinha, olha, que inveja da Rachel Brosnel, viu!
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