sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

CEO #06: Máquinas de interpretação


Faz alguns meses que tenho essa ideia em mente e simplesmente não a expunha em termos visíveis. O Papa renunciou, o Renan Calheiros retomou o poder, e essa coluna, para minha vergonha, passou 2012 em branco. Porém talvez a distância ajude a fazer textos melhores esse ano, mesmo que 2013 não tenha começado lá muito bem : como é de conhecimento geral, não teremos tantos feriados como gostaríamos, então é melhor aproveitarmos os instantes de ócio que nos restam.

Entre eles estava um desses momentos nos quais não nos sentimos compelidos a fazer algo, mas acabamos fazendo para apenas ocupar seguimentos vazios na grade da programação televisiva. Não chega a ser um pecado desperdiçar esses quinze minutos entre um programa e um filme assistindo a qualquer coisa que esteja no ar, embora não queiramos de fato vê-la -- o próprio Nick Hornby já valorizou esses pequenos tapa-buracos que usamos para continuarmos aparentemente felizes. O GNT, ao menos para mim, alguém que não se interessa por moda (exceto pelas linhas do Diabo veste Prada e Coco antes de Chanel) , tampouco se digna a discutir certos assuntos ditos femininos (cabelo, maquiagem, etc.) não é o canal mais assistido.

#Primeiro ato

Mas lá estava eu, escutando atrizes e atores seguidamente dissertarem sobre a importância de sua profissão. O que inegável caso não proclamassem frases pretensiosas nas quais o público, fosse ele um internauta ou telespectador, era considerado menos capaz de entender a real qualidade de um filme, uma boa história. Alegavam tão frivolamente que você, mero mortal que não se apresenta em palcos para sobreviver, é completamente inapto quando se trata de sentir “corretamente”.

De repente toda a humanidade fora desse círculo de artistas, cientistas ou médicos, deveria dignar-se a acatar sua palavra como censor do que era na verdade a real maneira de emocionar, de tocar outras pessoas.

A partir deste ponto a reflexão me fez perceber como seus conceitos, expostos em uma ridícula veemência, eram completamente corrompidos e errados.  Não é aquele que sobe no palco quem determina o que é sensibilizante. Não é quem diz que estipula padrões de risadas ou soluços. Quem de fato é o censor, o responsável por decidir um bom ator é quem paga o seu ingresso e deixa-se ser levado pelo que ele, o objeto, cuja função, por mais nobre que seja, é entreter os demais.

Sem espectador não há espetáculo.

O espetáculo, a melhor história, é completa apenas quando o ouvinte sai da sala e guarda, ri e chora do que lhe foi contado.  Para isso é preciso que o veículo, o ator, exista, como meio, não como início e fim, desse plano precioso que é atrever-se a emocionar outra pessoa.

#Segundo ato

Esgotavam-me as gotas de compreensão e tolerância quando irracionalmente, porque somente um ser irracional se põe em um papel tão patético, declararam que qualquer forma de cinema que não envolva pessoas de carne e osso claramente em frente a uma câmera é descartável e menos valiosa. Obviamente aqueles que os questionavam mencionaram a beleza de uma animação dos estúdios Pixar, o que foi rapidamente resultado de uma sandice seguida de vômitos de asneiras sem fim. Jogaram Wall-E no lixo e estouraram todos os balões em Up, ignorando por completo o trabalho duro daqueles que certamente foram responsáveis por criar figuras não-humanas para revelar a humanidade das lágrimas que brotam dos olhos daqueles que os contemplam.

A animação segundo sua vã filosofia quadrada não abrigaria a habilidade de tocar as pessoas por não apresentar elementos de fato humanos.  Esta é facilmente confundida como artificial, passando nada mais do que um engano, já que, sendo este contexto entre história e espectador o mais importante para que a arte se realize, o veículo não necessariamente deve envolver pessoas no sentido mais estrito, quase grudando seus rostos à câmera.

Sua preocupação com a transformação da arte em algo sintético e não natural acaba por converter-se em uma resolução simples ao perceber que existem sim pessoas por trás desses pixels tão cheios de vida. E perdoem-me se muitas vezes os prefiro à maquiagem falsa que esconde um ator medíocre, que se joga ao público tão cheio de si que se esquece de que só não passa de um tolo que mente, cego pela ilusão de meia dúzia de fotógrafos que lhe dizem “fantástico!”. 

Quando o seu propósito se extingue, ele nada mais é do que um caça-níqueis, uma máquina de interpretação movida a aplausos.  Facilmente consertada com uma salva de vaias.

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