sábado, 16 de abril de 2011

Bolsonaro, opinião e intolerância

Se você não for um completo alienado, tenho certeza de que pelo menos ouviu falar da polêmica envolvendo o deputado federal Jair Bolsonaro nesse mês de abril. O deputado, no quadro “O Povo Quer Saber” do programa CQC, deu uma série de declarações que, no mínimo, careceram de um bocadinho mais de sabedoria, e acabaram resultando em acusações de racismo e homofobia.

Algumas delas por problemas de interpretação da pergunta, outras por interpretação da resposta, algumas outras porque, bom, pois é, o Bolsonaro é um idiota e fala demais.

O caso
Para começar, o deputado tem posições altamente questionáveis como a defesa da ditadura, simpatia pelo nazimo, etc, mas nem tuuuuudo o que ele falou no programa foi sem embasamento. O negócio todo é que ele passou dos limites, e não prestou atenção no que estava dizendo.

Na pergunta sobre se ele era a favor do sistema de cotas (uma questão polêmica que geralmente evoca discussões acaloradas), por exemplo, ele estava respondendo muito bem ao citar a Constituição, dizer que todos somos iguais perante à lei e que achava algo injusto um sistema que beneficia as pessoas só por causa da cor. Até aí eu estava concordando com ele até.

Sou contra as cotas também porque as acho injustas. Vi amigos meus ficarem reprovados no vestibular com notas duas vezes maior do que cotistas aprovados. Fora o problema de decidir quem é negro e quem não é, nesse país cheio de miscigenação. Outro dia passou no Fantástico o menino branco, passou no vestibular usando do sistema alegando que a AVÓ era negra. Ora, bolas, se é assim, eu sou negra também! Meu avô materno também era negro!

Só que aí ele pôs tudo a perder ao complementar que não aceitaria ser operado por um médico cotista. O deputado quis parecer racional, mas esse argumento não tem qualquer validade, uma vez que, a partir do momento em que o aluno cotista passa no vestibular, recebe A MESMA EDUCAÇÃO do cara que passou sem cotas. Foi pra isso, inclusive, que elas foram feitas. Não é porque o cara passa no vestibular com uma nota menor que signifique que ele é incapaz. Também tenho amigos na faculdade que são cotistas e são MUITO MAIS ESTUDIOSOS e tiram NOTAS MUITO MELHORES do que aqueles que entraram sem cota, e vão se formar COM HONRAS!

Dizer que não aceita ser operado por um cara que tirou uma nota inferior no vestibular (aí você pode incluir o cotista, o cara que passou em último lugar, o outro que passou na reclassificação...) é o mesmo que dizer que quem estava nas primeiras posições antes de entrar na faculdade foi um aluno melhor durante todo o curso. O que todo mundo sabe, não necessariamente é verdade. O vestibular é só um método de selecionar quem vai ENTRAR na faculdade. Se é justo ou não, aí já é outra discussão. Agora, quem vai SAIR um melhor profissional de lá não tem nada a ver com a prova feita 4, 5, 6 anos antes.

(Opinião pessoal: Sim, em parte acho o vestibular meio besta, pois é uma prova que vai testar um monte de conhecimentos que depois que passa o exame, todo mundo esquece. Mas também é extremamente eficaz porque é um sistema por mérito. A única coisa que se precisa ter é a nota. Simples assim. A prova não te olha com preconceito e ninguém precisa fazer doação pra faculdade, ter amigos na reitoria, parente político, etc. Não é um sistema perfeito, mas funciona).

Resumo: Falou demais, foi infeliz na resposta e ficou parecendo racismo.

Aí teve a outra pergunta da Preta Gil também. Logo que ele ouviu que era ela quem ia falar, deu uma risadinha. Ela perguntou “O que você faria se o seu filho se apaixonasse por uma negra?”, ou coisa parecida. E o IDIOTA respondeu algo totalmente NADA A VER! Chamou a Preta Gil de promíscua entre outras coisas GRATUITAMENTE. Ao meu ver, ele entendeu “O que você faria se o seu filho se apaixonasse por uma negra como eu?”. Quer dizer, o cara estava TÃO PREOCUPADO em esculachar com a mulher que nem esquentou em prestar atenção no que ela estava perguntando*. Resultado: ficou parecendo racismo de novo. Só que, se no caso anterior foi um exemplo de ignorância, nesse ele pagou a língua por querer desmerecer os outros. Também não acho que a Preta Gil seja santa, mas isso também não me dá o direito de sair por aí xingando ela em rede nacional. É, NO MÍNIMO, falta de educação. E, NO MÍNIMO, está merecendo todos os processos que está levando!
* Esse tipo de coisa acontece. Uma vez a Jami estava perguntando pra Fe se ela achava o Leonardo DiCaprio bonito, e a Fe ficava repetindo, e repetindo que A Praia era um filme muito ruim. Demorou um tempão até que a gente arrancasse um simples Sim ou Não dela.

E aí teve a pergunta do filho gay também. O deputado podia dizer que não ia gostar, mas que ia respeitar; que não concordaria com a opção do filho, mas que nem por isso todo homossexual é digno de repúdia... Mas não. Preferiu falar a primeira coisa que veio à mente. Dar a resposta mais estúpida possível. Porque todo mundo sabe que por mais bem educado que seja um filho, nunca é garantia de que ele vai seguir tudo o que você ensinou.


Criando polêmica

Ao contrário do nosso deputado, ao escrever esse post, estou prestando bastante atenção às palavras para que não haja problemas de interpretação ou acusações posteriores. Sei que os assuntos são complicados e que estou pisando em ovos aqui, e aí qualquer “movimento brusco” pode ser fatal, mas... vamos colocar um pouco mais de lenha na fogueira.

Acho que já ficou bem claro aqui que eu achei que as declarações do Bolsonaro não foram nada bonitas e que o cara não teve nem um pouco de sabedoria e responsabilidade com suas palavras. Mas em algumas partes da entrevista, o deputado só estava expressando a sua opinião, e em outros, como disse, foi completamente estúpido e passou dos limites. E aí é que o bicho pega. Que limites são esses?

Até que ponto o que o cara falou foi opinião? A partir de quando virou intolerância? Será que essa tendência de ficar sempre em cima do muro não está incapacitando as pessoas de formarem suas próprias opiniões? Será que não é permitido pensar diferente da maioria? Isso não é censura também? E se o problema não for pensar, mas falar?

Aí, até que ponto a gente tem que se calar pra não criar confusão? Porque é que aqueles que têm uma opinião diferente da geralmente aceita têm que ficar quietos sempre e achar bonito tudo o que os outros acham?

Esse discurso de tolerância é a maior furada, né? Porque se tudo é uma questão de opinião, por que se perde tanto tempo discutindo o que é certo e o que é errado? Se existe certo e errado, então nem tuuudo é questão de opinião, não é? Porque na realidade é assim, né, quando concordam comigo, está certo, quando não, está errado.

Que apoio à diversidade é esse em que homossexualismo é opção e virgindade é caretice? Por que “100% negro” é bacana e “100% branco” é racismo? Por que se comemora o Dia da Mulher e não tem o Dia do Homem? Aliás, por que é que todo mundo tem que ficar ofendido com tudo? Por que tudo tem que ser tão intocável? Será que essa tolerância toda não está virando intolerância a tudo também?

E a liberdade de expressão? Aliás, até que ponto a liberdade de expressão se justifica? Mas, se existe limite para a liberdade, então ela não é mais liberdade, certo?

E o que é que eu vou fazer com essa tal liberdade, se estou na solidão, pensando em você? (rs! Só pra contrariar, digo, pra descontrair um pouco).

São perguntas difíceis, que eu sinceramente não tenho a resposta. Peço ajuda aos universitários, ao pessoal que estuda/estudou Direito, à galera que teve aula de Filosofia e Sociologia, e a você, leitor não estudioso das ciências sociais como eu, para dar o seu pitaco. Só peço atenção às palavras porque, se vocês falarem alguma besteira, depois a culpa cai pra cima de mim, que administro o blog.

É bem provável que a gente também não chegue um denominador comum (como já diria o Sheldon, de The Big Bang Theory: “Os estudos das ciências sociais muitas vezes são inconclusivos”.* Mas, acho que nesse tipo de coisa, mais vale o debate do que a resposta final, não é?
*Esse episódio é ótiimo! Ele constrói um algoritmo da amizade que entra em loop infinito! Sensacional!

8 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Cheguei a este post através da @cintiamcr.
    Sobre o Bolsonaro, apenas uma (e outras) observações:

    Ao contrário do que muitos imaginam, seus comentários não foram "impensados". Seu pensamento, do ponto de vista político, é de "ultra direita". Ou, ultra conservador se preferir já que este conceito de "esquerda e direita", na política, vem caindo em desuso rapidamente.

    Ao se analisar o episódio não se pode esquecer do seguinte: um político sempre fala para sua base, quando tem oportunidade! Sempre? Sempre!

    Logo, a resposta para a pergunta "Como alguém que pensa assim é eleito?" é: "Simplesmente porque existem pessoas que pensam desta forma" e ao dizer aquelas coisas ele stava se dirigindo a elas e, provavelmente, garantindo uma nova reeleição.

    O ponto, então é, ele será processado e perderá o mandato? Processado, certeza. Agora, se vai perder o mandato ai já é outra coisa. Ao dizer aquelas coisas estava manifstando seu direito de expressão e, como previsto já na Constituição Federal em seu Art 5º,IV "É livre a manifestação de pensamento, sendo vedado o anonimato" e o inciso VIII do mesmo artigo: "Ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei".

    Assim, em linhas gerais, desde que ele não crie óbices ao processo legal para averiguar sua conduta, nem se furte das decisões, EM PRINCÍPIO, "nada" acontece.

    Eis então que surge a tal "participação cidadã". Ora, se a sociedade não deseja este tipo de pensamento que não eleja representantes que pensem desta forma. Falando em termos alegóricos, nada prospera sem alguém a cultivar.

    Voltando à Constituição Art 1º paragrafo único "Todo poder emana do povo que o exerce atrvés de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição"

    E em tempos destes patrulhamentos ideológicos encerro deixando bem claro: Abomino o que disse o deputado Bolsonaro. Em hipótese alguma posso concordar com qualquer coisa que ele tem dito nesta ou em outras entrevistas e, neste aspecto, FAÇO MINHA PARTE: Não voto nesse tipo de gente!

    Começa por ai!

    É isso
    Belo post!

    Marcus Mortago. Bacharel em Direito. Programador PHP nos tempos áureos. Linux rules!

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  3. E a liberdade de expressão? Aliás, até que ponto a liberdade de expressão se justifica? Mas, se existe limite para a liberdade, então ela não é mais liberdade, certo?
    Agora chegou no meu ponto! (AGORA?!) *-* hahaha
    TODOS os direitos têm limites. (Todos mesmo, até o direito à vida) E, é claro, toda liberdade tem limite! Seria impossível que todas as pessoas exercessem sua liberdade se todos tivessem liberdade ilimitada. As liberdades das pessoas frequentemente colidiriam. Quer dizer, eu quero e posso fazer A, porque sou livre. Mas você, que também é livre e pode fazer tudo, resolve me impedir de fazer. Ou não sendo tão direta... Eu quero utilizar determinado recurso que só pode ser usado uma vez. Você também. Nós duas somos livres pra usar, mas a liberdade de uma exclui a da outra, porque só existe um bem, e se uma usar a outra fica sem.
    Sabe aquela coisa... quando todos são especiais, é pq ninguém é. Direito a tudo é direito a nada. Quem pode fazer tudo, não pode fazer nada. Porque na prática dessa liberdade ilimitada, as pessoas estariam sempre invadindo a liberdade alheia. Por isso existe limite à liberdade, para que se possa usufruir dela! (ó a empolgação da menina.. Ai, Senhor!)
    Então, é claro que ele está no seu direito, exercendo a liberdade de expressão. MAS liberdade de expressão não exclui responsabilidade. Cada um é responsável pelo que diz. Aliás, pode-se dizer que essa é uma condição da liberdade de expressão. Não dá pra deixar a pessoa falar o que quiser sem colocar o peso da responsabilidade. Quando a liberdade de expressão - direito fundamental - fere ao direito de outra pessoa, quem se expressou tem que aguentar as consequências do que disse. Pode até se arrepender, mas não dá pra engolir as palavras que já disse.

    Ai, acho que é 'só'... =P

    (Tinha 'respondido' todas as perguntas, mas não cabia... aí o blogger sumiu com meu comentário mais do que gigante, e eu só tinha guardado essa parte. A mais importante. Também, quem ia ler aquilo tudo??)

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  4. "até o direito à vida"...
    Onde este direito é limitado, exatamente? Não entendi

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  5. Marcus

    Existe a exceção expressa ao direito à vida, manifesta na Constituição da República, no art 5º, XLVII, alínea a: Não haverá penas... de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX (declarada pelo Presidente da República).

    A exceção em sentido amplo é o próprio estado de exceção, onde todas as regras de direito estabelecidas são relativizadas, a mercê da vontade do soberano. No estado de exceção não existem direitos. Nem direito à vida. Existe uma discussão interessante sobre a Constituição, o Soberano e o Estado de Exceção entre Carl Schmit e Hans Kelsen, nteressantíssima para aprofundar o tema.

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  6. Annie

    Hmmmm foi o que imaginei.
    Contudo, para o texto que se comenta, não visualizo meios desta exceção ser aplicada. Justamente por ser exceção.

    A previsão deste tipo de pena não pode ser entendida como relativização do direito à vida. Mesmo pq, saliente-se, o artigo 5º como um todo é considerado cláusula pétrea. Mais do que indicar a total impossibilidade de sua alteração, isto sinaliza a expressa vontade do constituinte originário em defender aqueles valores.

    Há que se lembrar que, num eventual estado de guerra, há uma modificação no ordenamento jurídico onde, sim, há limitações mais severas às liberdades e direitos individuais e coletivos. Contudo, não é um "liberou geral". Regras há para "manter o Estado sob controle" de modo que o estado democrático possa tomar lugar tão logo a exceção se encerre.

    Há que se salientar que o Deputado fez as declarações sob um sólido estado democrático, em pleno exercício de seus direitos políticos, com os excessos já bem conhecidos.

    Por pensar desta forma isônomica (estado de paz e de guerra devem ser analisados cada qual dentro do seu contexto) é que não havia entendi a referência feita por você

    :-)

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  7. Sheldon é pura sabedoria, Elisa. Ciências sociais nos enchem de perguntas e nos devolvem muito poucas respostas - mas o Futura já dizia que "não são as respostas que movem o mundo, são as perguntas" por isso amor para as ciências sociais (embora eu esteja considerando seriamente mudar pra alguma... engenharia em breve). Eu, sempre viajando.

    Acho que o deputado foi muito infeliz na maior parte de suas colocações, sim. Ele tem o direito de se expressar? Tem. Direito a uma opinião diferente? Também tem. Agora, você chegar em rede nacional e dizer que não tem como seu filho ser homossexual porque teve boa educação, porque teve pai presente? Mas O QUÊ, amigo? A não ser que ele esteja se referindo ao fato de a pessoa aprender que homossexualidade é do capeta, só que daí se vier a se sentir atraída pelo mesmo sexo reprime tudo e vive infeliz.
    E essa questão das cotas? O quê? Então ele quer dizer que o amigo que é negro e ingressou na universidade pelas cotas é ruim? Necessariamente? (Bem como você disse, todos recebem a mesma educação dentro da universidade e é exatamente pra isso que as cotas servem. E o amigo que entrou pelo acesso universal pode passar os próximos quatro anos achando que faculdade é pra encher a cara todas as noites e passar sempre raspando, estudando na véspera. E aí?).

    Direito de opinião todos temos, somos livres para pensar o que quisermos sobre tudo, mas partir para a ignorância nunca resulta em coisa boa. E também existe aquele velho fator: a maneira como você se expressa faz toda a diferença. E o Bolsonaro escolheu se expressar de uma maneira bem ruim, ficou bem feio para ele. Só que tem muita gente que pensa igual, então ele é deputado federal. E vai continuar tendo gente que concorda, e daí vai perguntar se não tem direito a opinião. E... hm, o negócio é meio que um ciclo vicioso (e daí eu penso: cara, tenho que correr para as exatas AGORA!)

    Falei, falei e não disse muita coisa. Enfim, excelente post, como de costume!

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  8. Eu soube por alto desse babado todo... não procurei mais a fundo sobre o que o homem falou, então nem posso comentar direito. Mas acredito sim, que ele tenha sido muito infeliz na forma como colocau algumas coisas...

    Pulando pra parte final do post, eu acho mais ou menos a mesma coisa. Porque hoje em dia, pode tudo, tudo é certo, tudo é tolerado! Mas se vc diz que algo não pode, que algo é errado e que não tolera algo, tá ferrado..!

    Na sociedade de hoje, aa pessoas são livres para fazer o que quiserem... Mas não para não fazer.

    Aff. ¬¬

    Bjs!

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