segunda-feira, 2 de julho de 2012

House goes home

E terminou dia 21/06 (para quem acompanha pelo Universal) uma das séries mais importantes e mais assistidas da TV: House.


Interpretado brilhantemente por Hugh Laurie, House era o médico ranzinza que sofria um problema na perna e tomava altas doses de vicodin para aliviar a dor. Com a ajuda de sua equipe, House diagnosticava os casos dos mais inusitados a cada semana, sempre depois de um momento de epifania, e quase sempre depois de uma conversa com o amigo oncologista Wilson.

House e Wilson. Única relação duradoura e estável da série, os dois viveram um bromance para ninguém botar defeito. Os amigos não cansavam de implicar um com o outro, mas também não conseguiam viver a companhia da respectiva cara metade. House, a mente brilhante. Wilson, o parceiro de coração derretido. Dentre todos os outros personagens, somente Wilson fazia House repensar suas convicções. Todas as vezes em que tentou se afastar, Wilson acabou voltando e perdoando House. House e Wilson. Wilson e House. Holmes e Watson.

A homenagem dos criadores da série para com Sherlock não se limitava aos nomes dos personagens. Entre outras brincadeiras plantadas pelos produtores, House, assim como o detetive inglês, possui vício em substâncias ilícitas, mora no apartamento 221B e analisa o caráter psicológico das pessoas para resolver os casos mais impossíveis.

E enquanto tentava desvendar as doenças das quais ninguém nunca tinha ouvido falar, House se metia na vida pessoal de seus colegas de trabalho, flertava com a diretora do hospital e ainda debochava e desconfiava do paciente. Afinal, para ele “Todo mundo mente”. O doutor também utilizava de métodos pouco ortodoxos com o objetivo de salvar vidas, o que colocava em pauta discussões sobre o limite da ética na medicina, entre outros temas que beiram a filosofia. E é exatamente neste quesito que House se diferencia das demais séries médicas existentes.


Se fosse na vida real, obviamente House não ficaria empregado nem uma semana, porque por mais inteligente que fosse o médico, hospital nenhum acobertaria suas pegadinhas, o jeito como trata os pacientes, ou as toneladas de processos decorrentes de sua atitude arrogante.

Mas como é tudo televisão, House ficou no ar por bastante tempo. Tempo demais até. Em 8 anos o seriado já tinha aproveitado todo seu potencial e, embora nunca tivesse abandonado a série, saber que ela ia acabar em breve foi na verdade um grande alívio.

Sim, House sempre teve fórmula. E isso não é exatamente um problema, nem quer dizer que seja uma série mais fácil de ser produzida por causa disso. Concordo com David Shore quando ele diz que é ainda mais difícil fazer um programa em que o público espera ser surpreendido, como é o caso de House.

E durante 3 temporadas, pelo menos, a fórmula deu conta do recado. Mas como o próprio personagem dizia naquela finale de arrasar (um dos melhores episódios sem dúvida aquele do cubano que vinha ilegalmente para os EUA para que a mulher se consultasse com o doutor!), era hora de mudar. 

Então, depois de 3 anos incríveis, os produtores não se acomodaram e fizeram questão de ignorar a máxima de que em time que está ganhando não se mexe ao inventar um reality show para escolher os novos integrantes da equipe. O reality trouxe novo fôlego à série e mexeu um pouco com a estrutura do programa por um tempo, até que tudo voltasse a ser como antes. Desde então, ano-sim-ano-não, o seriado prometia mudar tudo para dois ou três episódios depois as coisas voltarem a exatamente ao mesmo lugar. 

Do sexto ano em diante, a série passou a ser diagnosticada com "esgotamento da fórmula aguda". Tudo o que ia ao ar tinha uma sensação de Deja Vu e aquela surpresa que David Shore comentava ser difícil de ser aplicada já não surpreendia mais ninguém. Mas foi na sétima temporada mesmo que as esperanças do público em ver a série que gostava de volta (apesar de ainda parecer praticamente a mesma) se foram.


Com o crescimento da audiência (House chegou a ser a série mais assistida do mundo por diversos anos), o seriado virou refém de si mesmo. Passou a investir cada vez mais nas pegadinhas do Doutor, no desenvolvimento de personagens que não interessavam e em romances que quase nunca faziam a diferença. Com exceção de Chase e Cameron, que transportaram para a telinha o relacionamento que já tinham na vida real, o público bocejou com a falta de química de 13 e Foreman e também com o casal House e Cuddy, cuja tensão sexual prometia desde o primeiro episódio.

No final da 5a temp, os produtores é que pregaram uma baita pegadinha no público ao mostrar uma transa dos dois que não passava de uma alucinação do médico. Eles só vieram a se acertar mesmo no final da 6ª temp, e no decorrer do 7º ano, a gente percebeu que House e Cuddy juntos não era uma ideia tão boa assim. E foi justamente o relacionamento com a diretora do hospital, que prometia transformar o médico ranzinza, o responsável por enterrar a série de vez. 

House sempre foi um personagem complexo. Não gosta da felicidade alheia e por isso é fadado a viver sozinho e ser infeliz. Sua essência é a dor e como ela lhe transformou num viciado e idiota completo. Mas, nos últimos anos, vimos o Sherlock da medicina amolecer e até resistir e controlar o uso excessivo de Vicodin. A humanização do personagem através do amor parecia piegas mas até que funcionava porque ele nunca deixou de ser o canalha, inconsequente e mentiroso do início. É lógico que no fim os dois iam perceber que o House nunca ia mudar, mas o aguardado relacionamento não durou nem meia temporada, e o que mais doeu foi ver que dali em diante, com House voltando a ser estúpido e viciado, a série não tinha mais para onde ir.

É claro que, com tanto tempo no ar, é quase impossível para um programa conservar o seu elenco original. No quarto ano, Cameron, Chase e Foreman se desligaram da equipe para virarem coadjuvantes e integraram o novo time 13, Taub e Kutner. Naquela mesma temporada, Foreman voltaria para o time como supervisor de House. E mais tarde, em momentos distintos, se despediriam do elenco, a Dra. Cameron, Kutner e 13, e Chase voltaria a trabalhar para House. No último ano, com a saída de Lisa Endelstein, Foreman virou Cuddy e House renovou mais uma vez sua equipe. Mas no fundo os novos personagens eram apenas sombras de Cameron, Chase e Foreman, cumprindo exatamente o mesmo papel exercido pelos antigos assistentes: darem diagnósticos diferenciados e sacanear e serem sacaneados por House. 


No oitavo ano, a série já respirava com ajuda de aparelhos e foi um verdadeiro alívio para os fãs saber que ele seria o último. Um episódio negativamente marcante para mim nessa temporada foi quando o diagnóstico final foi Ascaridíase. Qualquer médico de quinta categoria já teria acertado o que o paciente tinha com muito mais rapidez ao passar um simples e rotineiro exame de fezes. Se os personagens já não tinham mais como se desenvolver, estava claro que nem os casos da semana eram mais interessantes. Mas, com o anúncio do final da série, os roteiristas parecem ter colocado a preguiça de lado a fim de dar um fim decente ao seriado.

Numa temporada em que tudo já parecia perdido, em seus últimos episódios foi introduzido o elemento que serviria de preparação e motivação para seu final: a iminente morte de Wilson, que havia sido diagnosticado com câncer e não queria passar seus últimos dias definhando como um de seus pacientes.

Incrivelmente, o final da temporada e da série conseguiu amarrar bem a pendência deixada no fim do 7º ano e início do 8º, em que House acabou preso, e não terminou como se os piores dias da série fossem em vão. A irresponsabilidade do médico, que tanto aprontara e havia atirou um carro contra a parede da ex-namorada e entupido o encanamento do hospital, faria seu melhor amigo pagar o preço, ao passar seus últimos dias sozinho, quando mais precisava da companhia. 

Mas esgotamento da fórmula de House era tanto que até os episódios que supostamente saíam da fórmula tinham fórmula. E nem o episódio final conseguiu fugir da mesma, uma vez que as alucinações de House ecoavam o final da 4ª temporada, com House no ônibus tentando descobrir quem era o passageiro desaparecido, ou o próprio desenvolvimento de toda a 5ª temp., com a mente de House tornando-se cada vez mais criativa e descontrolada.

A “fórmula para sair da fórmula” possibilitou o aparecimento de diversos personagens que um dia integraram o elenco principal da série. Kutner, Cameron, 13 e até Stacy (!) deram as caras em formato alucinógeno. (Só faltou a Dra. Cuddy, que não teve a mínima consideração de dar adeus ao seriado do qual fez parte por tanto tempo.) Esses personagens por sua vez colocavam House contra a parede e questionavam-no acerca de seu papel na medicina e se valia a pena continuar naquela vida tão repleta de dor (e agora sem Wilson), evocando algumas outras discussões filosóficas que permearam a série durante todos esses anos.

Sempre achei que o único final plausível em House seria a morte do médico, sacrificando-se por algum paciente. Assim, ele alcançaria sua redenção e mostraria que têm mais compaixão do que parece, ao mesmo tempo em que representaria um ponto final definitivo para o programa. Ou isso ou ele morrer de lúpus.


Mas acabou que, durante a cena do enterro, embora até desejasse esse final com a morte do doutor, não gostei dele. Porque essa era uma morte egoísta e covarde. E por mais egoísta que fosse, House, o anti-herói mais querido da TV, não merecia um final assim. E felizmente o destino apresentado foi indiscutivelmente digno. 

De certa forma, House “morreu”. Abdicou dos enigmas e da medicina para proporcionar os últimos momentos de felicidade ao único que esteve ao seu lado em todos os momentos.

E se a série foi baseada na dupla de detetives, nada mais justo do que focar os episódios finais na única relação de House que sobreviveu a todos esses anos: a de House com Wilson. Wilson com House. Holmes e Watson. A resolução do relacionamento dos dois lembra o destino do detetive em O Problema Final. (Vale lembrar que Swan Song, o especial que passou antes, dava todas as dicas do que estava por vir). A semelhança é tanta que o post de hoje poderia se chamar House goes Holmes. E se a relação dos dois sempre foi pautada pelas inúmeras pegadinhas, nada mais justo do que House terminar a série com a maior de todas: forjando a própria morte.

O que será de Wilson quando estiver muito doente? O que será de House quando Wilson já não estiver mais lá? O que será de nós, agora que House acabou? 

David Shore prefere não responder a essas perguntas e deixar no ar a esperança e a lição de Carpe Diem, tirada diretamente de Sociedade dos Poetas Mortos, ironicamente o papel de maior expressão de Robert Sean Leonard antes de encarnar Wilson (ri demais quando House faz a citação ainda no início do episódio).

Foi extremamente emocionante, aliás o especial exibido antes da series finale. Ver Hugh Laurie fazendo teste ainda sem os cabelos brancos, e a equipe se despedindo, mostrando cenas de episódios antológicos que me fizeram lembrar por que House conquistou tanta gente ao longo desses 8 anos. Porque apesar dos casos e dos enigmas, do “nunca é lúpus” (na verdade houve um caso só em que o diagnóstico era lúpus mesmo) e da punção lombar, House era uma série sobre pessoas (hehe), e era feita com muito cuidado e carinho. Tanto é que no último episódio os famosos “diagnósticos diferenciados” foram retratados apenas como “Blábláblá”, afinal, ninguém liga para eles mesmo.


Pode não ter sido o melhor final de todos. Mas está longe de ser o pior. Agridoce e coerente, o episódio honra toda a trajetória do seriado, encerrando-o com dignidade.

E depois de 2 semanas, já deu até pra sentir saudade de uma série que teve seus altos e baixos sim, mas, sem dúvida alguma, entra para o rol de maiores seriados de todos os tempos, por ter revolucionado seu gênero. E eu me sinto privilegiada de ter acompanhado isso tudo acontecer.


Obs.: O carinha que foi o paciente da semana na series finale é o piloto do avião que caiu na season finale de Grey's Anatomy!!!!! Onipresença nas finales!!!!

4 comentários:

  1. House foi o tipo de série que eu só via esporadicamente e que não conseguia entender nada (assim como Grey's Anatomy").
    Minha opinião é que uma série que se prolonga demais acaba estragando alguma coisa (vide Smallville).

    A descrição que você fez sobre ele ser viciado em vicodin me lembrou de outra série (que não vejo) "Nurse Jackie".

    De qualquer forma, "descanse em paz, House".

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    1. Já ouvi falar de Nurse Jackie. Tá na cara que quiseram fazer um House de saias. O legal de House é que, como é uma série do tipo "caso da semana", tipo CSI, dá pra acompanhar bem do modo esporádico também. Mas é muito raro de encontrar séries grandes que não se desgastem com o tempo. Outro dia li um comentário sobre o fim de House que faz todo o sentido: "O cinema não tem tempo suficiente para desenvolver seus personagens. A TV tem tempo suficiente para destrui-los".

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  2. Lisa, adorei seu post! Falou muito sobre o que House foi e sobre até onde deu certo e quando começou a descer ladeira abaixo. Concordo com tudo o que você disse, e acho que é uma opinião mais ou menos compartilhada pela maioria dos fãs da série.
    No começo já tinha fórmula, mas era aquela 'rotina' nova, sabe? Depois de oito temporadas, a série já 'respirava com a ajuda de aparelhos' mesmo. Já estava na hora - e fico feliz que o final tenha sido planejado, já que seria um absurdo a série não ter um final. Aliás, eu gostei muito. Não foi inesperado, porque imaginei que iam se inspirar em Sherlock Holmes de novo. Mesmo assim chorei que nem uma boba antes de ter a confirmação de que House não ia ser tão egoísta. Particularmente AMEI o diagnóstico blábláblá porque, no fim das contas, tirando lupus, não lembro mais de nenhuma das doenças e a medicina era o menos importante. Eu gostava dos dramas. Mas, principalmente, gostava dos quebra-cabeças.
    Vai ser esquisito não ter mais episódios novos pra assistir, mas estou feliz porque o final foi digno e porque veio na hora certa.

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    1. Salvo raras exceções, também não lembro mais direito das doenças. Falaram no especial também: sarcoidose. Era uma clássica, sempre estava na briga, mas lúpus é que entrou para a "mitologia House", rs! Não cheguei a chorar com a "morte" do House, mas fiquei muito sentida, e depois fiquei feliz quando ele apareceu de novo. Acho que também não estava preparada pra deixá-lo. Os quebra-cabeças, as análises que ele fazia das pessoas, realmente eram uma das melhores coisas da série. Na parte em que ele fazia clínica é que eu acho que isso ficava mais claro. (Não esqueço do dia que ele descobriu que a criança tava enfiando vários bonequinhos de bombeiro no nariz pra tentar salvar um outro treco de incêndio que tinha botado pra dentro antes)
      Foi esquisito semana passada não ter mais House novo pra ver. Mas também fiquei feliz de ver a série terminando bem. Olhando para a trajetória das temporadas, por mais que a série não estivesse bem há uns 2 anos, nem consigo imaginar ela terminando antes disso, na verdade.

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