quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Um tapa no tempo


Certa vez, há muito tempo, eu devia ter uns 15 anos, observava as crianças do primário descendo para o recreio. A gurizada corria, brincava de pique-pega, se esforçava para serem os primeiros na fila do totó e do pingue-pongue (para desespero das tias, que se descabelavam com a possibilidade de alguém se estrepar no chão e quebrar um dente). Os alunos também compartilhavam o lanchinho na mesa e o recreio acontecia como deveria acontecer. 

Prestei atenção especialmente nas meninas, que deviam ter entre 8 e 9 anos. Reparei como, ao contrário do que a mídia e o resto do mundo parecem tentar nos convencer, eram crianças que se comportavam como crianças, e também corriam pelo pátio como os garotos, sem nenhum tipo de frescura. E daí que eles são meninos? E daí que eu vou sujar a roupa? E daí se eu esbarrar nessa mesa que está no meio do caminho e derrubar tudo? A inocência daquelas crianças me surpreendeu. A infância não estava perdida afinal de contas e a hora do recreio ainda continuava exatamente do mesmo jeito.

No entanto, ao mesmo tempo em fiquei feliz com a constatação, invejei aquelas crianças por não fazerem ideia de que aquele tipo de comportamento não seria mais possível nos anos que se seguiriam. E não porque correr no pátio seria proibido. Isso aí sempre foi e elas continuavam correndo mesmo assim! Mas sim porque dentro de 3 a 5 anos tudo ia mudar, a começar por elas mesmas. 

E aí fiquei triste por perceber que passado esse tempo, as meninas se tornariam patricinhas incorrigíveis que nem de longe lembravam as “levadas da breca” que eu via ali no recreio do primário. Elas iam parar de correr atrás dos meninos (ou melhor, iam começar a correr atrás no sentido figurado), e iam ficar frescas e não iam mais querer sujar o uniforme na hora do recreio, e iam ficar chatas e começar a desprezar as outras coleguinhas por motivos diversos, e se esquecer que um dia foram melhores amigas com quem compartilhavam o lanche trazido de casa (porque nessa época as meninas também não querem trazer o lanche de casa e comprar na cantina parece muito mais descolado). 

Não é exatamente culpa delas. Simplesmente acontece. É culpa do tempo que muda tudo sem pedir permissão. Inclusive a gente. 

Mesmo assim, não pude deixar de ficar chateada com a visão do futuro que tive de meninas legais virando pré-adolescentes chatas.

Atualmente, vira e mexe eu observo situações parecidas na hora do almoço. Só que ao invés de invejar crianças de 8 anos, fico prestando atenção aos adolescentes uniformizados andando pela rua (ou pelo shopping) e almoçando em bando. Observo seus visuais, hm, diferentes, e principalmente presto atenção em como eles escolhem os lugares mais baratos para comer, como trabalham em grupo para conseguirem mesa, como reclamam dos professores, como se comunicam ao telefone (“Porque se ela ficasse com o Jake ia ser, tipo, muito idiota!”), como riem alto sem vergonha nenhuma de ser feliz, etc.


Também os observo na hora de pegar o ônibus para ir para casa, torcendo para o motorista parar. E se pego o mesmo ônibus que eles, sinto como se tivesse ajudado aquele povo todo na volta pra casa (afinal, talvez sem um pagante no ponto, o motorista não parasse). E depois que eles entram, presto atenção em como continuam as conversas num volume de alto a normal como se não houvesse mais ninguém dentro do transporte.

Gosto de ver como são cheios de sonhos e como sua feições são desprovidas de preocupação. Gosto de reparar que aquilo que lhes aflige é se vão conseguir passar na prova de matemática ou se a Tati terminou com o Bruno mesmo ou se a Bella devia ficar com o Edward ou com Jacob.

E me vejo ali na pele daqueles estudantes, do mesmo jeito que me vi nas meninas de 8 anos correndo pelo pátio. E os invejo por poderem usar aquele uniforme azul com tênis All Star. E tenho vontade de me meter nas conversas e avisar: “Vocês não têm noção de como o tempo passa rápido e como são privilegiados! Aproveitem bem porque um dia vocês também vão sentir falta disso tudo aí”. Ao invés disso, só rio com paixão dos “tipos” encaixados nas frases.

Porque percebo que dali a alguns anos eles também vão mudar. Vão deixar de ser jovens descolados e despreocupados para serem profissionais que usam roupa social e olheiras debaixo dos olhos por causa das noites mal-dormidas e dos prazos de entrega. Vão se tornar pessoas que só pensam em dinheiro e que se acabam de beber no fim de semana como forma de aliviar as mágoas. Não vão mais ter tempo para encontrar com os amigos e nem vão ficar sabendo que a Tati e Beto eles estão morando junto há mais de um ano. Se ainda gostar de ler, estará com um volume de Cinqüenta Tons de Cinza, tentando entender o que todo mundo viu nesse livro, só pra ter o que comentar com gente de quem nem gosta de verdade.


E aí aconteceu de esses dias uma de nossas amigas se casar. E esse tipo de ocasião é legal porque junta todo mundo de novo. E a gente percebe que embora o tempo tenha passado, no fundo, ainda somos as mesmas pessoas. Sim, agora muitos de nós têm carteira de motorista (tá legal, não tantos assim). Sim, agora temos nosso próprio dinheiro e não precisamos mais necessariamente escolher o lugar mais barato para comer. Sim, estamos com roupas diferentes. Alguns de nós até filhos já têm. Mas ao mesmo tempo nos reconhecemos naqueles adolescentes de uniforme que sofriam para pegar ônibus, e rimos das mesmas piadas e conversamos como se nenhum tempo algum tivesse passado. 

Conversamos sobre o primeiro casamento do grupo (e como foi preciso alguém CASAR pra conseguir reunir todo mundo de novo - e ainda ficou faltando gente!) e sobre quem seriam os próximos a subirem ao altar e como seriam nossos próprios casamentos se/quando eles acontecessem.

E brincamos de apertar o botão do The Voice na hora em que um cara cantava em homenagem ao casal e fizemos comentários a la Dança dos Famosos no meio da primeira dança dos noivos, entre outras bobildices.

(Porque somos esse tipo de gente que não consegue ficar sem fazer piada nem nos momentos mais sérios. E se estivermos quietos, respeitando o momento, tenha certeza que estamos rindo por dentro de alguma coisa. E a gente não precisa fingir ou ficar pensando no que os outros vão pensar antes de falar. Aliás, a gente não precisa nem falar nada. Porque antes de falar, a gente já sabe o que o outro está pensando. Uma técnica de pensamento via Bluetooth, digamos assim)

A gente se completa e vai complementando os comentários uns dos outros de um jeito que nenhuma gracinha fica sem réplica. Tudo parecia um pouco como um episódio de Friends, com direito a pérolas espontâneas da nossa querida Carol-Phoebe como “Peguei Sprite, mas era água”. (Hahahahahahahaha!), entre muitos outros momentos inesquecíveis que só a Carol consegue proporcionar.

E de repente nossas maiores preocupações eram somente as de aproveitar ao máximo aquele momento, como tivéssemos 17 outra vez. Não queríamos saber da hora mesmo sabendo que passava da meia-noite e talvez nossos ônibus já tivessem virado abóboras (o que nos lembra A Fatídica Piada da Cinderela!). 

Apenas as pessoas mais legais do mundo

E eu me senti como se tivéssemos dado um tapa no tempo. Esse mesmo tempo que simplesmente acontece e muda tudo sem pedir permissão, inclusive a gente.

Porque naquela noite a única urgência que tínhamos era a de aproveitar que somos jovens. Nada mais.

3 comentários:

  1. Eu estava pensando... A Carol é tão Carol! Quer dizer, as coisas só acontecem com ela! Imagina, não teria a menor graça se eu tivesse pegado a água por engano. Mas TINHA que ser a Carol! Hahahah

    Eu adoro essa COISA de pessoas que não se vêem há muito tempo se reencontrarem e terem a sensação de que nunca se separaram ou de que tempo nenhum passou desde a última vez. As piadas estão todas ali, as lembranças, os momentos... É bom mesmo.
    Ao mesmo tempo é estranho porque (falo por mim) sei que o passado não volta mais. E tudo é um momento. E que pra fazer com que a coisa toda funcione precisamos de MAIS momentos!

    PS: Aquela coisa preta atrás de mim na foto me fez parecer gordo! Hahahahah Nunca pensei que eu fosse me ver assim :D

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  2. Um post que não tem muito o que comentar, mas que eu adorei! O tempo é sinistro, mesmo... a gente muda tanto, mesmo sem querer. è bom poder ter esses momentos de "voltar aos bons tempos".. pena que são tão raros.

    Bjs!

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  3. Oh-Oh ! É o Felipe ali ? Ah , é . Acabei de ler o comentário . Falando nele , tem notícias ? Sei que ele está muito ocupado e tals mas eu estou quase stalkeando ele.

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