Outro dia no Twitter, uma pergunta sobre características inusitadas viralizou no Twitter e por um ou dois dias só se falava em outra coisa.
tem algum traço de vocês que seria considerado extremamente fora do personagem? tipo um furo de roteiro? o meu é gostar de matemática, não combina com minha persona
— namaia 🎃✨ (@tuiteirabr) October 17, 2020
A Juliana falou que apesar de amar samba, escolas de samba e
ter um pagode inteirinho dedicado a fazê-la sambar, não sabe muito como fazer
isso.
E eu queria muito entrar nessa corrente e compartilhar uma
coisa que fosse extremamente curiosa sobre mim, algo que fosse realmente absurdo,
que se o roteiro da minha vida parasse na mão de um revisor, ele com certeza
iria mandar voltar e reescrever porque não fazia o menor sentido, mas a real é que
não consegui achar nada que caracterizasse um erro de roteiro como a pergunta
sugeria.
Não que eu não tenha lá minhas contradições. Tenho muitas,
um montão.
Por trás da pessoa séria que constrói argumentos bem
fundamentados, tem uma menina que ri dos memes mais idiotas. Por trás da pessoa
que sabe todos os normativos da profissão de cor, tem uma menina que também
possui um conhecimento interminável de futilidades e ama discutir as tretas dos
famosos (o nível de comprometimento pra pesquisar e arquivar essas coisas na
memória é o mesmo). Apesar da aparência quietinha e da rotina provinciana
talvez, a pessoa que vos fala é capaz de comprar ingresso pra ver seu artista
favorito em outro estado (quiçá outro país) e se transforma loucamente quando
as luzes se apagam e o show começa. E apesar da paciência praticamente nula
para rituais de beleza, gosto mesmo é de uma romcom bem gostosinha pra
esquentar o coração e de um pop bem chiclete (geralmente as pessoas se
surpreendem quando descobrem que não sou roqueira). Na época da escola, apesar
das notas altas, mal podia esperar para a aula de Ed. Física e jogava handebol
do time do colégio. Embora seja um pouco tímida, não tenho medo de fazer piada
em público e rir de mim mesma. Embora seja um pouco mais fechada, amo abraçar
as pessoas e estar em comunidade.
Mas acho que nada disso seria suficiente para caracterizar
um erro de roteiro, ou um problema na construção do personagem. Na verdade, os
bons personagens são justamente esses que não são 100% estereótipo o tempo
todo. Ou, na verdade, tem muita coisa aí na lista que a própria contradição já
virou um estereótipo em si. Quando paro pra pensar, acho até que eu daria uma
excelente mocinha de romcom. Acho que ia gostar muito do meu personagem se
estivesse lendo/assistindo.
Pra você que acompanha esse blog há um tempo, ou me segue
nas redes sociais, nada disso que contei agora soará como surpresa. Talvez o
que os surpreenda é que no trabalho eu me fantasio (ou me fantasiava, antes da
pandemia) de executiva pra parecer mais séria, sou capaz de falar grosso com
gente preguiçosa, e não tenho medo de brigar com quem está abaixo da performance
esperada.
E isso também faz parte do personagem. Ou pelo menos faz
parte dessa outra faceta do personagem. Na vida, a gente interpreta diversos
papéis, diversas versões de nós mesmos, dependendo da situação. E nada disso se
caracterizaria como erro de roteiro. Essas aparentes contradições é o que nos
torna criaturas extremamente complexas, na verdade. Errado estaria se fosse ao
contrário. Porque os roteiros com personagens sem nuances geralmente são
roteiros que são ruins pra caramba.
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