No início de outubro a Netflix soltou em seu catálogo mais
um título de qualidade duvidosa do qual não conseguimos parar de comentar. De cada
10 tweets sobre Emily in Paris, 10 comentam como a série é ruim, mas de alguma forma adorável a ponto de causar anseio pela 2ª temporada.
As críticas vão desde a polêmica dos franceses, que ficaram extremamente ofendidos com a maneira como foram retratados na série (em minha opinião, uma reação exagerada, mas compreensível. A gente também não gosta de ver os estereótipos e as peculiaridades do brasileiro jogadas na nossa cara quando abordadas por um olhar estrangeiro.), até o estilo de vida completamente irreal dos personagens.
Criada pelo mesmo produtor de Sex in the City e com a mesma figurinista que além da icônica série da HBO, também montou o guarda-roupas de O Diabo Veste Prada e Delírios de Consumo de Becky Bloom, Emily in Paris é puro escapismo clichê. O figurino, aliás, é um deleite à parte, comunicando através de cortes e cores exatamente a personalidade de cada personagem. Não importa se os parisienses se vestem assim de verdade, como muita gente se questionou, mas que as roupas mostrem como Emily é exagerada e desajustada naquele ambiente. E isso Patricia Field faz com maestria.
Emily in Paris Emily not in Paris pic.twitter.com/oAccgeBZ6d
— uge (@uuugggsss) October 4, 2020
Poor Emily
Mas, a série é boa? A resposta é...não.
A título de comparação, esse ano a HBO Max lançou uma minissérie com a
Anna Kendrick, com foco na vida amorosa e profissional de uma jovem de vinte e
poucos anos em NY, infinitamente melhor. Mais bem filmada, atuada, atual. Love Life, #ficaadica. Também não é uma obra prima não, mas, pelo menos mais ambiciosa do que essa daqui.
Os personagens de Emily in Paris todos têm a profundidade de
um pires, e em tempos de convulsão social Emily in Paris ignora totalmente a
atmosfera tóxica em que vivemos. A protagonista, por si só, é bobinha demais e
parece viver num mundo paralelo em que tudo se resolve com um sorriso e um papo
honesto. (Ainda estou bem confusa como uma menina tão novinha e tão ingênua tem um cargo de gerente sênior em qualquer lugar) Todos, eu disse TODOS, os caras gatos de Paris se interessam por ela.
Seu instagram dá uma bombada da noite pro dia por causa de umas fotos que nem são tão legais. Seu estilo de vida e roupas que veste claramente não combinam
com o seu poder financeiro. Problemas psicológicos ou traumas do passado?
Também não. Nem sua chefe em Paris, que a gente ficou esperando sair do clichê
da megera que a odeia acrescentou algo a mais do que isso.
O elenco também não é lá essas coisas. Tirando a amiga
chinesa (que eu sei que é maravilhosa pois Mean Girls na Broadway), os atores
não têm aqueeeela extensão dramática que faça você admirá-los. E os diálogos também
não são muito inspirados, apesar de arrancar algumas risadas por episódio.
Falta substância que justifique uma série como Emily in Paris em pleno 2020. Quer dizer, onde estão as discussões sobre feminismo e diversidade? Onde estão as bandeiras das minorias? Uma série que fala tanto sobre moda vai mesmo nos apresentar só personagens magérrimas todo episódio assim sem falar nada? Não fosse pelas redes sociais, Emily in Paris poderia se passar facilmente nos anos 80 ou 90. Existe um certo anacronismo que às vezes incomoda. Quer dizer, se as pessoas enchem tanto o saco com Friends, um produto até bem progressista para o seu tempo, por que Emily in Paris faz tanto sucesso?
Mas ao mesmo tempo, é EXATAMENTE por todas essas coisas que
não dá pra não gostar de Emily in Paris. Quer dizer, sim, a Emily é um pouco
bobinha demais e vive num mundo particular e não tem problemas de verdade. Mas
será mesmo que a gente precisa de mais problemas?
Falem a verdade, eu sei que vocês curtem Girls e Crazy Ex-Girlfriend, e que elas são super a frente do seu tempo e tal, mas quando vocês estão assistindo essas séries, vocês também não ficam cansados de tanta militância e ausência de pessoas (muito) bonitas?
E por mais que Lily Collins seja canastrona e caretuda, há
algo de admirável em sua Emily. A personagem não é a
protagonista-feminina-forte que estamos acostumadas, mas é extremamente
resiliente e não se deixa abalar mesmo quando tudo dá errado. A garota toma esporro
toda semana, e nem quando perde o emprego ela desmorona. Existe algo de Polyana
em Emily, de olhar as coisas pelo lado bom. Ela está em Paris, vivendo o sonho
de toda garota, curtindo a vida, pegando vários caras gatos, pelamordeDeus!
Realmente não dá pra reclamar muito não!
Às vezes tudo o que a gente precisa é de uma seriezinha de
30 min pra desligar o cérebro, e babar nos figurinos e ficar se questionando
como aquelas situações são irreais, e admirar uns carinhas gatos, e sonhar com
o dia em que finalmente poderemos ir a Paris de novo (vou te falar que de todas
as cidades do exterior que já visitei, Paris é uma das que tenho menos vontade
de ir de novo, mas assistindo a série, já estou aqui me questionando se não
deveria dar mais uma chance à cidade luz, porque não é possível que eu não
tenha conseguido enxergar essa cidade idealizada que a série faz propaganda).
E é por isso que em pleno 2020 a gente não se cansa de assistir Friends, e as pessoas param tudo o que estão fazendo para assistir de
novo as novelas do Maneco e de vez em quando eu me pego com vontade de
mergulhar dentro dos livros que gosto e gostava quando adolescente. Porque no
meio dessa turbulência que está sendo 2020, a gente precisa de um conforto e
quer fugir para esses lugares em que as coisas dão certo. A gente está precisando
sonhar.
E Emily in Paris pode não ser a série que a gente
merece, mas, dadas as circunstâncias, certamente é a série que a gente precisa.
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