sábado, 11 de maio de 2024

A maior tijolada de Sophie Kinsella

No bingo da Sophie Kinsella sempre tem uma personagem atrapalhada, um mocinho charmoso, e uma trama envolvendo emprego ou carreira. Confesso que confio tanto na moça que compro os livros sem nem olhar a sinopse. Mas, numa época da vida em que terminar de ler um livro tem se tornado cada vez mais difícil, perceber que esse aqui só tinha 300 páginas ao invés das habituais 450 daqueles tijolões (divertidíssimos) que ela escreve, ao mesmo tempo em que me animou, também me acendeu um alerta de que tinha alguma coisa diferente aqui.

Os primeiros capítulos não são fáceis. A dinâmica da personagem se escondendo e escutando tudo, sem interagir com ninguém, cansa. Mas eu sabia que tinha um negócio ali que estava mexendo comigo e que, em algum momento, o livro ia fazer a virada. Ao poucos, o plano de passar despercebida de Effie vai se desmoronando miseravelmente, até que ela literalmente é descoberta por todos os irmãos, mas não sem antes descobrir todos os segredos que eles estavam escondendo. (Uma bela metáfora com as bonecas russas do plot, diga-se de passagem) E no final, ah, no final, o livro dá o arremate que estava faltando e entrega um nível de emoção bonito, do jeitinho que eu estava esperando mesmo.

A Penetra é um livro sobre recomeços. É sobre nostalgia, mas também sobre se desapegar das lembranças do passado e construir novas. É sobre entender que as memórias mais importantes não são importantes por causa dos lugares, mas por causa das pessoas. E que às vezes pode parecer que as mudanças acabaram com tudo o que existia de bom, mas, tudo bem mudar. As memórias ficam pra sempre, e ninguém tira da gente.

Nos últimos anos, a pessoa que vos fala vivenciou um pouco disso tudo aí. Cheguei até a esboçar alguns textos sobre como às vezes lugares são como lembranças de pessoas que um dia a gente conheceu, e às vezes pessoas são lugares que a gente tem necessidade de visitar pra se reencontrar. Num dia em que visitei a casa de meu avô, já com Alzeimeir, a casa dele, intacta, exatamente do jeito que sempre foi, guardava memórias de uma pessoa que nem ele se lembrava mais quem era. Mais tarde, num episódio em que a gente trocava de escritório, a gente fez festa de despedida e uma área quebrou o porquinho que guardava desde sempre. Um gesto simbólico pra marcar que as coisas não seriam mais como antes. Porque no fundo a gente sabia que não era só o prédio que estava ficando pra trás, mas, junto com uma porção de mudanças, que incluía a troca de controle da empresa, realmente nada mais seria do mesmo jeito.

Os dilemas de Effie e cia com relação à Greenoaks parecem uma bobagem, mas ressoaram aqui dentro de um jeito especial. "Eu te entendo, Effie.", pensava eu quase todo o tempo. Para ela, aquela casa era o lugar onde sua família tinha sido feliz. E agora tudo estava tão diferente! Sua venda era a concretização de que nunca mais seriam unidos novamente. Nada mais seria como antes.

Eu não sei exatamente como seria a sensação de ver meus pais vendendo a casa em que cresci. Acho que ficaria sentida. E me pegaria afogada em turbilhão de memórias de coisas boas que foram vividas ali naquele lugar, tal qual a mocinha desse livro. Porque se eu já fico emotiva em me despedir dos lugares que foram minha segunda casa, imagina só desapegar do lugar que foi minha casa de verdade? Sempre que eu volto pra lá, sinto uma dificuldade imensa de me livrar de elementos do passado que me trazem boas lembranças. Sempre desisto, guardo novamente e minto pra mim mesma: "Na próxima faxina eu vejo", só pra na próxima vez fazer o mesmo ritual de se enfeitiçar com as memórias e começar tudo outra vez. A casa tem espaço, não precisa jogar fora.

Em algum grau, A Penetra também é um pouco sobre crescer. Sobre entender que nossos pais também têm vontades e são imperfeitos. Que nem sempre a gente sabe de tudo e que toda história tem 3 lados, como já diria o Skank. E aí, o arco de Effie e cia lembram um pouco o de Andy e seus brinquedos em Toy Story 3.

Imagino o quanto desse livro tenha de autobiográfico, pois tem muito coração aqui. Do tipo de coisa que os detalhes podem até ser inventados, mas os sentimentos de luto precisam ser de verdade (calma, ninguém morre nesse livro). Ou talvez seja só eu projetando e potencializando a minha personalidade nostálgica mesmo. No final, o que parecia ser o livro mais leve (em quilos) da autora construiu mais reflexões do qualquer tijolão.

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