terça-feira, 20 de agosto de 2024

Silvio Santos, legado e um monte de reflexões atrasadas

Acho que não existe uma pessoa nesse Brasil que não tenha ficado impactada pela morte do Silvio. Silvio Santos era o self-made man que nos fazia companhia na TV há mais de 50 anos. O homem do baú, da Telesena, do aviãozinho, das imitações, dos bordões inesquecíveis. O maior comunicador do nosso país. Um personagem absolutamente folclórico sem qualquer comparação na história mundial que, como apresentador e dono do SBT, fez parte também da nossa história, mesmo sem nos conhecer.

Silvio Santos era tão grande que sempre tive certeza que o dia que se fosse seria um evento de parar o país. Nos perguntamos o que seria do SBT sem ele, afinal, ao contrário de outras emissoras, o SBT era Silvio Santos. Não só porque ele era o rosto da emissora, protagonizando diversos programas e formatos, mas porque boa parte do sucesso da grade era oriundo de atrações desenhadas e escolhidas a dedo pelo homem do baú, inclusive colecionando histórias inusitadas de filmes que anunciavam sem a menor vergonha que só iam começar depois da novela da concorrência, ou porque, com frequência, trocava a programação a seu bel prazer. Para contar só a última das traquinagens de Silvio, esse ano, o homem ligou para o SBT e ordenou que exibissem o desfile da Tradição, feito em sua homenagem, há mais de 20 anos. Detalhe: o SBT não tinha os direitos para a exibição. E o vídeo exibido foi baixado do Youtube mesmo. Coisas que só se veem no SBT!

Já com mais de 90 anos, o velho, totalmente sem filtro, enfrentou o cancelamento das redes, e muita gente se pegou desejando que Silvio saísse do ar, a fim de preservar sua imagem. A impressão que dava era que Silvio tinha vivido tempo suficiente para se tornar vilão de sua própria história. Há pouco mais de 2 anos, finalmente saiu do ar. E durante os últimos tempos, acompanhamos a passagem de bastão nos palcos e nos negócios para suas herdeiras.

No final das contas, de certa forma, nos acostumamos com a sua ausência e com a ideia de que seu fim já estava próximo. Sentimos até um certo alívio de perceber que o SBT perpetuaria, mesmo que nunca mais fosse o mesmo.

E mesmo assim, sua partida não deixou de mexer com a gente. Não deixou de mexer comigo. E de uma maneira muito específica. Que eu nunca tinha parado pra prever. Porque, para além do homem dos negócios, do microfone da lapela, do dono do SBT, quem tinha partido era um senhor alegre, discreto, humilde, expansivo, teimoso, cheio de manias e que amava muito sua família. Um homem que lembrava muito o meu próprio avô. E cuja principal herança não ia ser disputada, nem repartida, num testamento. Pois o que ele tinha deixado de mais precioso era sua alegria de viver, o espírito trabalhador e o respeito pelas pessoas.

Assim como meu avô, Silvio também tinha ciência da sua finitude e por isso tratou de repartir o máximo possível dos seus bens já em vida. E assim como meu avô, já no fim da vida, o velho totalmente sem filtro falava as maiores atrocidades sem o menor pudor. Foi difícil acompanhar já seus últimos anos, em que as memórias já se embaralhavam todas e as pernas não aguentavam mais ficar de pé. Mas deve ter sido muito mais difícil pra ele perceber que aquele cara independente com uma saúde de ferro que podia fazer qualquer coisa agora dependia de um monte de gente para as coisas mais simples.

Assim como meu avô, Silvio também tinha uma saúde de ferro, mas foi vencido por uma doença respiratória. No caso dele, Covid. Mas podia ter sido uma gripezinha qualquer, como foi no caso do Silvio.

Me faltou tempo pra escrever na época, mas quando meu avô morreu, uma coisa que me pegou muito foi como as mortes, muitas vezes acontecem aos poucos. Afinal, uma parte daquele meu avô alegre, ativo e esbravejante já não estava lá mais. Mesmo assim, o lance do descolamento da matéria dá um baque danado. Do fato de ele ter morrido sozinho no hospital. Do fato de que nem ele achava que valia a pena mais. E mais um monte de outras coisas que a gente faz força para não pensar todos os dias porque as respostas não são fáceis. Ou porque talvez nem tenham resposta mesmo.

Mas, no final, acho que o que me pegou foi uma outra palavra que dá sentido, pelo menos momentâneo, a tudo isso: legado.

Quando a gente é adolescente, ainda com toda a vida pela frente, a gente é muito preocupado se vai deixar a nossa marca no mundo. Se vamos acumular riquezas suficientes para deixar para nossos herdeiros. Se vamos ser grandes, importantes, relevantes para a história. Parando pra pensar, duvido que esse tipo de coisa tenha passado pela cabeça do meu avô. Sendo tão tranquilo com parecia ser, duvido até que passasse pela cabeça do Silvio também na época em que era camelô. Talvez seja coisa de millennial, sei lá.

Fato é que, obviamente, o legado do Silvio para TV brasileira é imensurável. Mas achar que seus feitos históricos durarão para sempre é ingenuidade. Ainda vai demorar algumas gerações até que seu nome deixe de ser mencionado ou pare de fazer sentido quando alguém falar em televisão. Mas também é fato que nem o Silvio Santos será imortal. E tudo bem.

Acompanhando os depoimentos de pessoas que tiveram contato com ele, tenho a certeza de que a verdadeira marca que deixou no mundo foi a de uma pessoa excepcional que tratava a todos com respeito e humanidade. O tipo de patrão à moda antiga, que carregava o radical da palavra bem enraizado e tratava a empresa como família (para o bem e para o mal!). Ver como sua gentileza e generosidade cascateava e irradiava ao seu redor. (Não à toa o brasileiro tem um carinho diferente pelo SBT). Um cara que tinha consciência do seu tamanho, mas nem por isso deixava de ser humilde com seus admiradores. Em cara que se divertia com tudo isso. E como não se admirar com uma lenda viva que te olhava no olho e sabia rir de si mesmo?

Imediatamente lembrei de alguns líderes que passaram pela minha vida. Alguns deles tiveram trajetórias longevas dentro da empresa. Mas para além das conquistas (essas depois de um tempo ninguém lembra mais mesmo), aquilo que realmente conquistava as pessoas era tratar os outros com verdade e bondade. Ajudá-las nos momentos de dificuldade. Fazer a diferença na vida delas.

É claro que os feitos históricos enchem as manchetes e os currículos. Mas são as histórias, piadas, apelidos e risadas que enchem os corações. Esse é o legado que realmente importa. Pode ser que não seja lembrado para sempre. Mas será lembrado pelas pessoas que interessam.

Como já diria o próprio Silvio: “Do mundo não se leva nada, vamos sorrir e cantar”.

Obrigada, Silvio!

0 comentários:

Postar um comentário

Não seja covarde e dê a cara a tapa.
Anônimos não são bem-vindos.
O mesmo vale para os spammers malditos. Se você fizer spam nesse blog, eu vou perseguir você e acabar com a sua vida.
Estamos entendidos?