Na época do colégio, História era uma das minhas matérias preferidas. “A História é a ciência que estuda o passado com o objetivo de entender o presente e tentar analisar o futuro”. Essa foi a definição da matéria na minha primeira aula, com o professor André Batalha (“aquele que quase nunca falha”) e da qual eu nunca mais me esqueci. Com uma boa aula de história é possível formar cidadãos com senso crítico e com maior capacidade de análise e consciência política.
De todos os assuntos estudados, sem dúvida, a Revolução Francesa sempre foi o meu favorito. Porque a Revolução Francesa é o povo na rua, tomando as armas,
cortando a cabeça do rei!
É a mudança de todo um sistema absolutista, a retirada da nobreza do poder, a prova de que quando as pessoas se juntam, as coisas acontecem! São conspirações e revoluções e reviravoltas (ugh!) constantes que alteraram a sociedade ocidental para sempre!
Não à toa, a Revolução Francesa é usada como marco para a transição da Idade Moderna para Idade Contemporânea, essa que a gente vive até hoje.
E isso é maneiro demais não só pra qualquer aluno do ginásio, mas para qualquer um que ainda tenha um pouco de esperança de que o futuro pode ser diferente daquele dito “impossível”.
Mas...depois da Rev. Francesa, a verdade é que a matéria de História fica muito chata. Não sei se porque aquele tempo do fim do séc. XVIII tem uma aura romântica que torna a história mais...hmmmm, atraente. Ou se é porque a partir daí que tudo fica muito mais parecido com aquilo que vivenciamos até hoje e desde então não aconteceu mais nada tão grandioso que colocasse as coisas em outro eixo.
No fim do livro, tinha até um quadrinho comentando sobre como alguns historiadores consideram que, após a queda do muro de Berlim, a História acabou. A humanidade teria atingido sua plenitude na conquista de direitos, o neoliberalismo havia vencido, nada mais iria mudar, ninguém precisaria lutar por nada, tudo ficaria estagnado para sempre. Uma visão bem deprimente, se você quer saber a minha opinião.
Mas, pessoalmente, de uns tempos pra cá, estava quase entrando na teoria desses caras. Parei de acreditar nas passeatas. É muita gente sem saber o real motivo de por que está lá e outras que só o fazem para ganhar visibilidade política para então fazer as mesmas coisas quando alcançarem o poder. Essas mesmas pessoas já não são exemplo pra ninguém como estudantes. Que dirá quando forem políticos? E elas estarem muitas vezes defendendo coisas com as quais eu não concordo não ajuda em nada (Marcha da Maconha, sério mesmo?). Trocando em miúdos, no jargão internáutico, essa galera “não me representa”.
Mas essa semana eu ouvi o povo cantar. E eu me arrepiei. Porque achava que a história tinha morrido.
Não vou porque não tenho coragem. Mas fico feliz que exista gente que tenha o bastante pra ir.
Não dá pra dizer que a causa não é justa. Não são só os 20 centavos. São outros muitos 20 centavos acumulados durante anos sem melhoria na qualidade do serviço. Você acha justo pagar quase 3 reais para andar num ônibus quente e lotado? Você acha certo pagar 5 reais pra pegar uma barca que todo dia dá problema?
Obviamente é um negócio muito lucrativo. Por isso as empresas se estapeiam para ganhar as licitações pelo direito de operar uma linha de ônibus ou outro tipo de transporte. Num sistema de monopólio em que não se renova frota, não se faz manutenção nos equipamentos e em que o recebimento é praticamente todo em dinheiro!!!! Imagina só a liquidez dessas empresas! Na hora de embolsar o lucro do ano eles têm recursos.
A SuperVia distribuiu mais de 6 milhões em bônus no ano passado. Mas pra investir no sistema de transporte querem ajuda do governo. Que contrato de concessão vagabundo é esse? Como já diriam nossos avós: “Só querem o ‘Venha Nós’, mas o ‘Vosso Reino’, nada, né!”?
Aí vem o prefeito e diz que o preço é justo desde que toda a frota tenha ar condicionado. E aí eu te pergunto: você acha realmente que esse ar vai funcionar? O do Metrô funciona?
O 003, que faz o percurso Nilópolis-Passeio, custa mais de 6 reais!!!! E por esse preço você assume que seja um transporte de luxo, com poltrona reclinável, e todo o conforto do mundo certo? Errado! É uma frota totalmente sucateada, com carros que não passam por manutenção, o ar condicionado não funciona direito e quando funciona fica pingando nos passageiros. O ônibus, claro, vive lotado, pois só passa a cada meia hora. E não bastasse isso tudo, ainda tem que dar sorte de conseguir fazer a viagem inteira.
Essa semana mesmo eu o peguei e o ônibus simplesmente QUEBROU no meio da Brasil. E eu bem queria dizer que é porque a gente está passando por uma maré de azar desgraçada aqui em casa, mas TODA A VEZ que eu pego esse ônibus, ele quebra no meio da Brasil. (Por isso que evito pegar até). E antes que algum engraçadinho venha dizer que o problema sou eu, outras pessoas, que o pegam com mais freqüência, também reclamam das constantes viagens interrompidas.
Fiquei com muita vontade de pegar um pedaço de pau e acabar de quebrar aquele bando de lata velha. É claro que não o fiz, porque sou covarde. Mas não tiro a razão de quem o faz.
Não são só 20 centavos. É a indignação de uma gente que cansou de ver tanta injustiça e não fazer nada. E agora já é a indignação de uma gente que quer sair para as ruas pelo simples direito que tem de sair às ruas.
Sinceramente, a essa altura do campeonato, fico muito chateada com a pequena minoria que ainda insiste em quebrar tudo, mas não dá pra criminalizar uma pichação num ônibus tendo um governo que gasta milhões na reforma no Maracanã para entregar nas mãos do Eike Batista. E você não vai nem ter a chance de assistir nenhum jogo da seleção lá porque os ingressos são caríssimos e o Brasil só entra no Maracá se for pra final.
Sei que é errado, mas parece que só assim seremos ouvidos.
Quis o destino que aumento da passagem se desse às vésperas do início da Copa das Confederações, evento em que o Brasil já ocuparia as páginas internacionais por causa do esporte, mas agora também começa a chamar atenção pelos conflitos do povo, que atendeu ao apelo não planejado de uma propaganda de automóveis, e
foi pra rua.
A mídia quer calar os protestos, o governo tira os sites do ar, a polícia reprime com violência e gente vai presa por ter vinagre na bolsa.
Que democracia é essa? Democracia Chinesa? Pra que Comissão da Verdade se as ordens que vem de cima são exatamente as mesmas de 50 anos atrás? Vamos implantar uma pra investigar a ação da polícia nessa semana também, então!
A diferença é que naquela época as pessoas não tinham internet. E tendo um pouquinho de boa vontade dá pra acompanhar os outros muitos lados dessa mesma história. Aquilo que os grandes noticiários não publicam, aquilo que só quem estava lá sabe.
Não é de hoje que esse tipo de coisa acontece. Não é hoje que isso vai parar de acontecer.
E ainda bem que não vai. Porque quando essas coisas acontecem é que eu restauro a minha fé na força do povo. E volto a acreditar que o futuro não precisa ser uma grande repetição de indignações vazias. A História está sendo escrita agora. E quem está com a caneta somos nós.
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E daí que enquanto via os manifestantes em várias de nossas capitais, cantando todos juntos, uma coisa linda demais de se ver, eu lembrei de Os Miseráveis. O filme tem muitos problemas de roteiro, a Cosette é chata pra caramba, são passagens de tempo demais (tipo novelas da Globo), não dá pra entender a motivação dos personagens na maior parte do tempo...
Mas se tem uma coisa que o filme consegue fazer é te emocionar. Os números musicais são de arrepiar!
Em outro ano, acho até que tinha chances de levar o carequinha pra casa, mesmo com tudo isso aí. (Com tanta coisa ruim levando o Oscar nos últimos anos, por que não Os Miseráveis, que, se tem defeitos óbvios, também possui qualidades inquestionáveis?)
Mesmo sendo um musical, baseado na obra de Vitor Hugo, que já tem mais de 100 anos, Os Miseráveis é tudo isso que a gente está vendo pela televisão (e pelo Twitter, e pelo Thumblr e pelo Facebook, e pelo YouTube) hoje. A injustiça, a pobreza, o povo tomando as ruas, a repressão da polícia, Javert infiltrado ali no meio da multidão, o elefante branco ali no meio dos protestos...
E é impossível não ser arrebatado com o canto de um povo, que começa tímido, mas vai ganhando força, e toma as ruas e o som da orquestra sobe e você não tem outra reação senão levantar o braço e cantar junto!
Tenho certeza de que nosso protesto não é só por causa do aumento da passagem. Desconfio seriamente de que tem alguém com interesses escusos por trás de tudo isso. Sei que no final, mesmo após um eventual triunfo do movimento,
os “heróis” da causa se tornarão os “vilões” que tanto criticaram e virarão as costas para o povo que os apoiaram. Como aconteceu no nosso passado recente. Como aconteceu na própria Revolução Francesa.
Mas hoje eu quero sonhar. Quero acreditar que a força de um povo tem o poder de mudar o nosso destino. E mesmo sendo covarde quero sentir a emoção de ouvir o povo cantar.
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E aí nessa de escutar a música do filme, fui olhar nos comentários, que a essa altura já tinha gente do Brasil se manifestando por ali, junto com uma galera apoiando os “companheiros” da Turquia. E nesses comentários da Turquia, achei esse vídeo deles cantando Do You Hear The People Sing? durante o seu próprio protesto, com a segunda metade em turco. Se na ficção já era de arrepiar, "quando a batida do coração ecoa a batida dos tambores" na vida real é impossível não se emocionar.