Lembra de quando o Michael do Diário da Princesa fez aquela matéria na faculdade em que tinha que assistir aqueles filmes bizarros de sociedades distópicas? Pois é, na época eu me acabei de rir, mesmo não entendendo direito o significado da palavra “distópica” e achei meio absurdo uma matéria só pra isso. Mas depois de ter lido Feios, mudei totalmente de idéia. O Michael super tinha que ter feito essa matéria e podia muito bem ter estudado Feios durante o semestre porque de acordo com a Wikipédia:
Uma Distopia ou Antiutopia é o pensamento, a filosofia ou o processo discursivo baseado numa ficção cujo valor representa a antítese da utópica ou promove a vivência em uma "utopia negativa". São geralmente caracterizadas pelo totalitarismo, autoritarismo bem como um opressivo controle da sociedade. Nelas, caem-se as cortinas, e a sociedade mostra-se corruptível; as normas criadas para o bem comum mostram-se flexíveis. Assim, a tecnologia é usada como ferramenta de controle, seja do Estado, de instituições ou mesmo de corporações.
Feios é o exemplo perfeito da sociedade distópica e em outros tempos seria chamado até de “subversivo”.
Em um futuro não muito distante todos os adolescentes esperam ansiosos o aniversário de 16 anos, pois então serão submetidos a uma cirurgia plástica obrigatória que corrigirá todas as suas imperfeições físicas, transformando-os em perfeitos. A tal cirurgia deixa todos com feições semelhantes, a fim de combater a desigualdade entre as pessoas. Afinal, se todo mundo tem “a mesma cara” não há motivos para preconceito. Só que como toda distopia não há nada de perfeito nessa sociedade e logo percebemos problemas como autoritarismo e falta de individualidade, dando um significado praticamente literal à expressão “ditadura da beleza”.
E não só as questões da aparência física e da cirurgia plástica na adolescência são abordadas como também diversas outras reflexões acerca de meio ambiente, engenharia genética, petróleo, o eterno confronto de homem vs. natureza, e principalmente aquele processo difícil, doloroso e estranho que é crescer.
A repetição das palavras “feios” e “perfeitos” no início é intencional, mas não deixa de ser irritante. No entanto, é interessante notar como o autor utiliza o termo “feios” como metáfora para adolescência, aquela época a partir dos 12 anos em que a gente deixa de ser “bonitinho” e todo mundo se sente um pouco esquisito por causa de todas as espinhas e transformações no corpo, passa por momentos de rebeldia e anseia logo por tudo o que vida adulta (e “perfeita”) tem a oferecer.
A cirurgia aos 16 anos funciona como um rito de passagem, assim como qualquer festa de debutantes em que a menina troca a boneca pelo sapato alto (aqui a gente comemora com 15, lá nos EUA com 16), ou o ato de tirar a carteira de motorista (lá em alguns lugares com 16, aqui só com 18), ou simplesmente completar a maioridade e poder beber e entrar em todos aqueles lugares mais badalados e freqüentados por muito playboy da Zona Sul. O desejo de passar logo por essa fase chamada adolescência e soltar o grito de "independência ou morte" de uma vez não é privilégio dos personagens futurísticos do livro, mas é inerente em qualquer “feio” que você encontra pela rua nos dias de hoje mesmo.
E se crescer significa muitas vezes deixar a rebeldia para trás, no livro, o termo também carrega consigo o peso de não “envelhecer mais”. E nesse contexto, a Fumaça, onde se encontram os refugiados que não quiseram fazer a cirurgia, funciona ora como Terra do Nunca, ora como uma versão às avessas da mesma Terra de Peter Pan, uma vez que lá não se vive na alienação e no conformismo da vida adulta, mas por outro lado, terão seus rostos originais a mercê das armadilhas do tempo.
Scott Westerfeld dá um tapa na cara daqueles que têm preconceito com a literatura juvenil e prova mais uma vez que se pode sim fazer uma história inteligente para esse público. Curiosamente, o livro saiu com o novo selo da Galera Record, Galera, o qual é voltado especificamente para aqueles com mais 16 anos, embora qualquer “feio” possa encará-lo numa boa.
Entretanto, apesar de toda a reflexão e metáfora e distopia da trama, a narrativa se mostrou um tanto quanto travada. O início é bastante monótono e encontrei muitas partes No Limite, que foram quase uma tortura para eu continuar a leitura, uma vez que gente com fome, sede e frio e sozinha no meio do deserto é uma coisa muito chata de se assistir. Cheguei a entoar o tema do programa para ver se me alegrava um pouco (tã, nã, nãããã, tã, nã, nãããã...). E toda vez que a história parecia que ia engrenar e ficar animada, voltava à monotonia da parte do acampamento de novo, com mais críticas a nossa sociedade dos “enferrujados”.
Só não desisti do livro porque gosto à beça do Tão Ontem e sei que o autor é bom. No entanto, Feios ficou longe de ser tão legal quanto “meu primeiro encontro” com Westerfeld. E discordo de uma citação que acabei lendo depois que diz que o livro é um casamento entre 1984, de George Orwell, e Diário da Princesa, de Meg Cabot. A parte do George Orwell pode até ser, mas não tem nada do Diário no livro. A não ser que você force a barra e diga que o Michael podia estar lendo esse livro para aquela matéria da faculdade. Faltou ironia, alívio cômico e desenvolvimento dos personagens. Não sei se esse é mais um problema das sociedades distópicas, mas fiquei com a impressão de que apesar de um bom livro, Feios é muito sermão e pouca diversão.
[OFF] Como qualquer livro juvenil atual, a série Feios também vai virar filme. Os produtores são os mesmos de Eragorn, e o estúdio é o de Querido John. No IMDB diz que o filme sai ano que vem (acho pouco provável), e parece que vai ser um resumo da trilogia. Tendo em vista que o primeiro volume é bem monótono, acho que essa foi a decisão mais acertada.
[SPOILER] Alguém aí acha mesmo que o pai do David morreu? Essas mortes sem corpo não me convencem. É tão óbvio que o cara vai voltar vivinho da Silva nos próximos volumes... E eu não li nenhuma sinopse deles. Estou só utilizando o meu poder de clarividência literária de novo.
Em um futuro não muito distante todos os adolescentes esperam ansiosos o aniversário de 16 anos, pois então serão submetidos a uma cirurgia plástica obrigatória que corrigirá todas as suas imperfeições físicas, transformando-os em perfeitos. A tal cirurgia deixa todos com feições semelhantes, a fim de combater a desigualdade entre as pessoas. Afinal, se todo mundo tem “a mesma cara” não há motivos para preconceito. Só que como toda distopia não há nada de perfeito nessa sociedade e logo percebemos problemas como autoritarismo e falta de individualidade, dando um significado praticamente literal à expressão “ditadura da beleza”.
E não só as questões da aparência física e da cirurgia plástica na adolescência são abordadas como também diversas outras reflexões acerca de meio ambiente, engenharia genética, petróleo, o eterno confronto de homem vs. natureza, e principalmente aquele processo difícil, doloroso e estranho que é crescer.
A repetição das palavras “feios” e “perfeitos” no início é intencional, mas não deixa de ser irritante. No entanto, é interessante notar como o autor utiliza o termo “feios” como metáfora para adolescência, aquela época a partir dos 12 anos em que a gente deixa de ser “bonitinho” e todo mundo se sente um pouco esquisito por causa de todas as espinhas e transformações no corpo, passa por momentos de rebeldia e anseia logo por tudo o que vida adulta (e “perfeita”) tem a oferecer.
A cirurgia aos 16 anos funciona como um rito de passagem, assim como qualquer festa de debutantes em que a menina troca a boneca pelo sapato alto (aqui a gente comemora com 15, lá nos EUA com 16), ou o ato de tirar a carteira de motorista (lá em alguns lugares com 16, aqui só com 18), ou simplesmente completar a maioridade e poder beber e entrar em todos aqueles lugares mais badalados e freqüentados por muito playboy da Zona Sul. O desejo de passar logo por essa fase chamada adolescência e soltar o grito de "independência ou morte" de uma vez não é privilégio dos personagens futurísticos do livro, mas é inerente em qualquer “feio” que você encontra pela rua nos dias de hoje mesmo.
E se crescer significa muitas vezes deixar a rebeldia para trás, no livro, o termo também carrega consigo o peso de não “envelhecer mais”. E nesse contexto, a Fumaça, onde se encontram os refugiados que não quiseram fazer a cirurgia, funciona ora como Terra do Nunca, ora como uma versão às avessas da mesma Terra de Peter Pan, uma vez que lá não se vive na alienação e no conformismo da vida adulta, mas por outro lado, terão seus rostos originais a mercê das armadilhas do tempo.
Scott Westerfeld dá um tapa na cara daqueles que têm preconceito com a literatura juvenil e prova mais uma vez que se pode sim fazer uma história inteligente para esse público. Curiosamente, o livro saiu com o novo selo da Galera Record, Galera, o qual é voltado especificamente para aqueles com mais 16 anos, embora qualquer “feio” possa encará-lo numa boa.
Entretanto, apesar de toda a reflexão e metáfora e distopia da trama, a narrativa se mostrou um tanto quanto travada. O início é bastante monótono e encontrei muitas partes No Limite, que foram quase uma tortura para eu continuar a leitura, uma vez que gente com fome, sede e frio e sozinha no meio do deserto é uma coisa muito chata de se assistir. Cheguei a entoar o tema do programa para ver se me alegrava um pouco (tã, nã, nãããã, tã, nã, nãããã...). E toda vez que a história parecia que ia engrenar e ficar animada, voltava à monotonia da parte do acampamento de novo, com mais críticas a nossa sociedade dos “enferrujados”.
Só não desisti do livro porque gosto à beça do Tão Ontem e sei que o autor é bom. No entanto, Feios ficou longe de ser tão legal quanto “meu primeiro encontro” com Westerfeld. E discordo de uma citação que acabei lendo depois que diz que o livro é um casamento entre 1984, de George Orwell, e Diário da Princesa, de Meg Cabot. A parte do George Orwell pode até ser, mas não tem nada do Diário no livro. A não ser que você force a barra e diga que o Michael podia estar lendo esse livro para aquela matéria da faculdade. Faltou ironia, alívio cômico e desenvolvimento dos personagens. Não sei se esse é mais um problema das sociedades distópicas, mas fiquei com a impressão de que apesar de um bom livro, Feios é muito sermão e pouca diversão.
Se o pessoal do livro soubesse como você fica depois de um monte de plástica...
Vai ver é por isso mesmo que eles escondiam as revistas.
Porque isso aí é de dar medo em qualquer um...
[OFF] Como qualquer livro juvenil atual, a série Feios também vai virar filme. Os produtores são os mesmos de Eragorn, e o estúdio é o de Querido John. No IMDB diz que o filme sai ano que vem (acho pouco provável), e parece que vai ser um resumo da trilogia. Tendo em vista que o primeiro volume é bem monótono, acho que essa foi a decisão mais acertada.
[SPOILER] Alguém aí acha mesmo que o pai do David morreu? Essas mortes sem corpo não me convencem. É tão óbvio que o cara vai voltar vivinho da Silva nos próximos volumes... E eu não li nenhuma sinopse deles. Estou só utilizando o meu poder de clarividência literária de novo.
Bom, vou ter que discordar que o livro é monótono, porque eu realmente achei que as coisas foram bem na medida certa pra o começo de uma trilogia. E me fez refletir muito, o que por si só já me valeu totalmente a leitura. Mas muita gente concordaria com você, né.
ResponderExcluir[Spoiler] Nem tinha parado pra pensar nessa questão do pai do David, mas quem sabe ele volte em algum momento com mais informações preciosas sobre a Circunstâncias Especiais, sei lá. [/Spoiler]
Enfim, mal posso esperar pra ler Perfeitos. :)
:*
Liv, é como eu disse. O livro é bom. Só que eu fiquei com a sensação de que as reflexões eram mais importantes que os personagens.
ResponderExcluirÉ tipo Wall-E. O filme é lindo de morrer, mas meio paradão.
E eu viajei nas reflexões também em Feios (como você deve ter visto na resenha), mas chega um ponto em que você já sacou que a nossa sociedade está toda errada e não quer mais "ouvir bronca".
Só quer saber o que vai acontecer e relaxar.
Também acho que parte da "monotonia" tem a ver com o "mal necessário" de apresentar todo um novo universo no 1º volume. Só que tanto os sermões, quanto as apresentações foram até o final. E eu fiquei com a impressão de que não vão parar por aí.
Some isso ao fato de que eu não criei grande empatia pelos personagens, e já adivinhei uma das reviravoltas dos próximos volumes e você vai ver porque a série já não me parece tão atraente.
Achei que o autor dosou melhor as reflexões e o entretenimento em Tão Ontem. Um dos meus livros preferidos.
Mas você tem todo o direito de achar o que você quiser do livro. O legal é a gente debater mesmo. E talvez seja eu que não nasci pra essas "sociedades distópicas", afinal de contas, rs.
Ainda não achei tempo de ler esse. mas pretendo... daí vejo se concordo com vc! ;) Já vi gente falando que tem umas partes meio paradonas, mesmo! :/
ResponderExcluirBjs
Gostei da resenha, o universo do livro me interessou, careço de encontrar livros desse tipo.
ResponderExcluirVocê já sabe que eu também adorei Tão Ontem (mesmo com um final de confundir qualquer um), talvez eu goste desse também.
Odeio essas partes monótonas que cria na gente uma vontade de parar de ler. Alguns livros narram duas ou mais cenas e sempre uma é super interessante e a outra é o ó. Confesso que já li superficialmente uma parte chata só para chegar logo na parte boa rs
Ótima resenha, Lisa! Eu li Feios e gostei muito, conseguiu me prender muito, apesar das partes meio monótonas do acampamento.
ResponderExcluirTão Ontem está na minha lista.
Também não vi semelhança nenhuma com DP. [SPOILER] E também acho que o pai do David não morreu. A mãe dele é muito misteriosa, acho que ela sabe de alguma coisa.[/SPOILER]
Beijos
SPOILER
ResponderExcluirNem precisa aprovar o comentário, só lembrei que, quando li Perfeitos, você me perguntou sobre o pai do David. Não, ele não volta no final, morreu mesmo.
Ainda não sei se gostei do Especiais, mas você fez bem em ter parado. Quem não gostou do primeiro, não vai gostar mesmo dos outros dois.
FIM DO SPOILER