terça-feira, 5 de março de 2013

Orgulho e Preconceito e Vampiros


Sempre me perguntei o que seriam desses escritores defuntos caso ainda fossem vivos. Se seriam idolatrados como são, o que achariam da interpretação por vezes hiper-rebuscada de suas obras e das releituras... duvidosas que acabam ganhando com o passar do tempo. Como lidariam com a publicidade em massa, as feiras de livros, as adaptações cinematográficas, os brinquedinhos licenciados, a pressão do mercado editorial.

Por isso, assim que fiquei por dentro da sinopse de Jane Austen, a Vampira, sabia que cedo ou tarde teria de conferir essa história, mesmo não tendo terminado nenhum romance da escritora mais aclamada da literatura inglesa.

Imagine você que Jane Austen não morreu. Ela ainda está entre nós, é dona de uma pequena livraria no interior dos EUA e sofre para publicar um novo romance sob um pseudônimo. A desculpa para ela ainda habitar esse planeta? Ela é uma vampira.


Como disse, nunca li Jane Austen. Tentei encarar Orgulho e Preconceito uma vez e achei tudo muito parado. Não consegui acompanhar aquela história com personagens demais (em certo ponto não sabia nem mais quem era homem, quem era mulher, se tinha algum transexual no meio de tudo) e acontecimentos de menos. Respeito muito o trabalho de Austen e a admiro por seu subtexto feminista e tudo, mas essas histórias em que as pessoas só andam na brisa de dia e fazem dancinha de noite não são pra mim.

Entretanto não tive problemas para sacar a piadinhas internas com seus romances. Pra falar a verdade, senti que papei mosca foi na parte da crítica a escritoras de romance contemporâneas, já que o autor faz aquele tipo de deboche velado, mudando um pouco os nomes, apenas dando a entender de quem se trata, ao descrever as características de seus alvos. Assim como Jane, descobri que estou bem por fora do mercado editorial de romances. Dentre os poucos tiros que consegui captar estavam uma passagem óbvia em que Austen critica Gossip Girl, outra em que parece tirar sarro de Nora Roberts e mais outra que acusa uma escritora de não escrever seus próprios livros (nem lembro se era Nora Roberts também, talvez fosse).

O romance usa e abusa das gracinhas envolvendo a idade de Jane, a rixa com as irmãs Bronte e das situações embaraçosas vividas por Austen quando esta encara a publicidade de seu livro. E tem seu ponto alto quando coloca Jane tendo que se defender sem comprometer sua identidade ou enfrentando dificuldades para ser publicada ao mesmo tempo em que vê tanta gente pegando carona no seu sucesso, sem embolsar nem ao menos a grana dos direitos autorais. (Imagino o que Jane não deve achar de “50 tons de Sr. Darcy”...).


A sacada da ajudante de Jane ser uma ex-feminista ferrenha foi ótima (ela era integrante do Pussy Riot?), assim como todas as partes em que Austen comenta como as pessoas interpretam erroneamente seus romances. Mas talvez a passagem mais inusitada tenha sido ver Jane dando seu aval para Orgulho e Preconceito e Zumbis, muito provavelmente o livro que serviu de inspiração para esse aqui.
*Ah, a história de Jane viver solitária e ter um gato como animal de estimação foi bem esperta. Quem diria que Austen se tornaria a velha dos gatos?

Mas se Jane e a crítica ao mercado literário dão conta, o desenvolvimento dos personagens é falho. A ideia de ter Lorde Byron como um deles (também vampiro), tendo em vista que este último está por trás de alguns causos envolvendo as míticas criaturas na literatura, é ótima, mas esperava mais dele. A vilãnização excessiva de Byron, com direito a uma chantagem digna de vilãozinho de novela das oito lá no meio da história foi demais e afastou por um tempo o livro daquilo que ele mais tinha de interessante, que era a crítica ao atual mercado editorial. Mais à frente, o autor parece tomar consciência de como estava desperdiçando o potencial de Byron, ao torná-lo mais humano e até mais atrapalhado (coisa que já devia ter feito desde o início), mas peca por fazê-lo quase onipresente em todos os acontecimentos importantes dali em diante. São coincidências demais até para uma história de vampiros.

E falando em vampiros, bom, como você já deve ter percebido, a inserção deles neste meio é mera desculpa esfarrapada para explicar como os tais escritores defuntos ainda perambulam pelo nosso planeta. Eles não brilham no sol, nem se desvanecem sob o astro-rei, saboreiam um bom jantar, ficam cansados como qualquer um e não tem vergonha de dormir de noite (em camas). Levariam uma vida bem normal, sem nem dar na pinta sua verdadeira identidade, se não fosse o fato de a fome bater de vez em quando e terem de mordiscar algum pescoço para tapear o estômago. (O poder de hipnotizar mentes ainda funciona por aqui e explica tudo).

Já no ato final, a revelação da identidade da vilã foi GENIAL e eu já estava pronta para me rasgar em elogios a Michael Thomas Ford, mas tive que abortar a maioria deles depois do término do livro. Além do final em que tudo se resolveu de maneira quase anticlimática ([SPOILER] uma briguinha na livraria em que ninguém sai morto ou gravemente ferido? Sério?), o livro deixa tudo quase do mesmo jeito em que começou e a resolução da maioria dos conflitos (que já não eram muitos) para os próximos volumes (Sim, infelizmente é uma trilogia).
* Ah, esqueci de dizer, o negócio de desacordar um personagem com um livro do Stephen King foi engraçado!

Eu sei que a opção de serializar a história era tentadora, mas isso acabou por matar a maior parte do interesse do leitor, tendo em vista o gancho colocado no fim. Até ali, o fato de todo mundo ser vampiro era só uma desculpa para os escritores defuntos apresentarem-se vivos em pleno século XXI (aliás, me esqueci de dizer: impagável ver Jane Austen acessando a internet, lendo a Wikipédia e os blogs literários). Ao que parece, o autor quer transformar Jane Austen na líder de um exército-vampiro que terá uma guerra sem sentido à la Crepúsculo. 

Glossário:
UG2BK: "you've got to be kidding"
TLMINTWICEBPOTM:"The last man in the world whom I could ever be prevailed on to marry."

E aí é impossível não comparar este Jane Austen, A Vampira (Jane Bites Back, o nome original é bem mais legal) a outra série com sanguessugas e paródias que arrebatou meu coração há alguns anos atrás. Falem o que quiserem, mas Meg Cabot é mestra na arte de criar histórias interessantes e amarradinhas, com finais empolgantes. Além disso, Dona Meg tem a manha de arrumar seus arcos de maneira que as histórias sempre acabam no momento exato e de um jeito pelo menos satisfatório. 

Fico me perguntando se o segundo volume de Jane Vampira possui alguma crítica embutida a respeito do fenômeno da multiplicação das séries desnecessárias. Se sim, o escritor ganhou pontos comigo. Se não, perdeu uma ótima oportunidade de dar mais uma alfinetada no mercado editorial e nada mais justifica a extensão dessa história que é engraçadinha e vale a leitura, mas não tinha necessidade nenhuma de continuar.

PS. Pensando aqui, sabe outra coisa que eu queria ver num segundo volume dessa série? Jane Austen encontrando Anne Rice, Jane Austen encontrando Stephenie Meyer, Jane Austen encontrando E.L. James... Jane Austen formando uma liga de autores defuntos, estilo Vingadores, que dão fim em todos esses escritores ruins... O novo livro da Jane virando filme! Meu Deus, tantas ideias legais, e o cara insistindo nessa história de guerra de vampiros! Me dá esse negócio aqui que eu mesma escrevo!
PS2. Já imaginei até uma versão brasileira da história com Machado de Assis como chefe da Liga Vampira que vai caçar Paulos Coelhos e afins... José Alencar seria do clã inimigo. Clarice Lispector escreveria conselhos de sabedoria no Twitter. E não é que o negócio está ficando bom mesmo?
PS3. Não aguentei e fui ler um pedacinho do segundo volume da série que já começava com uma chacoalhada na blogosfera literária. Ok, acho que vale a pena! Parece seguir mais a linha das séries de chick lit do que os Crepúsculos da vida, com direito a casamento no final e o desafio de conhecer a família do noivo. Mas ainda acho que as minhas ideias são muito mais interessantes.

7 comentários:

  1. Achei que nunca, jamais, veria alguém comentando esse livro. Que, pelo jeito, é muito mais interessante do que eu imaginava até ler sua resenha.

    A ideia é boa, mas as suas ideias pro desenvolvimento me parecem melhores. Não sei se consigo encarar Jane Austen vampira. [Digressão: Ontem assisti uma biografia bem legal da autora, Miss Austen Regrets, que dá de dez a zero naquele filme com a Anne Hathaway. Porque é bem mais como eu imaginava a autora, a partir do que li a respeito. E se aquela adaptação (a da Anne) já me incomoda por ser muito fantasiosa... (no fim das contas eu adoro por motivos de: James McAvoy e romance, mas que é super inventiva, é) Acho que não ia dar certo com esse livro.]

    Ah, e sobre as pessoas que interpretam erroneamente os romances: a ideia toda me incomoda. Sei que no caso seria a Jane discutindo o assunto, mas que tipo de critério o autor usou pra escolher qual a interpretação certa? (e nem tem só ~uma~ interpretação certa, né?) MEH hahaha

    Ótima resenha, como sempre, Lisa (nossa, tenho vários posts atrasados pra ler! YAY! hahah)

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    1. Oi Fernanda!

      Tem uma resenha no blog do Felipe também. Ele que me emprestou, apesar de eu ter dado a dica pra ele há uns 3 anos. Eu ia comprar, mas descobri que era série e desanimei. Aí só fui ler mesmo agora.

      [Digressão: Aquele filme com a Anne Hathaway era pra ser meio fantasioso mesmo, misturando realidade com ficção, fazendo uns paralelos com os livros dela, sem a mínima pretensão de servir como biografia da autora. Mas diz que o personagem do James McAvoy (como não amar?) existiu mesmo.
      Ah, tem uma história legal sobre o James McAvoy nesse filme.

      A Anne comentou que qd vai gravar cena de beijo, chega nos caras e dá o papo: "Olha, meu filho, o beijo é técnico! Pode tirando o seu cavalinho da chuva". Mas q qd foi gravar esse filme, o James McAvoy, que é (ou era) casado (por quê? por quê???), é que avisou: "O beijo vai ser técnico, tá?" :O *-*

      [Fim da Digressão]

      Sobre essa história de pessoas que interpretam erroneamente os romances, eu concordo com você que não existe uma só interpretação correta também. Mas no livro é tudo num contexto tão esdrúxulo que não dá muito espaço para esse tipo de contestação. Você meio que concorda com a Jane sem fazer muito esforço.

      Muito obrigada pela visita! Adoro seus comentários, sempre instigantes. :D

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    2. [O personagem do James McAvoy não só existiu como foi citado algumas vezes nas cartas da Jane pra Cassandra Austen. Lembro que a Jane comentava sobre eles dançarem e e... flertarem, talvez (sim, admito que li as cartas, mas era pra apresentar um trabalho!). Enfim, eu pesquisei um pouco sobre o filme pra ver onde era realidade e onde não era, e obviamente tem muito de Orgulho e Preconceito nele... Bom, no fim acho que tudo tem a ver com o tanta gente até hoje se perguntar COMO uma autora que escreveu uma das maiores histórias de amor de todos os tempos morreu solteira, talvez sem nunca ter passado por aquilo. Estava pensando a respeito desse filme, e do outro, e acho que dá um post.

      James McAvoy é um lindo!]

      Sobre a questão das interpretações: faltou eu escrever ali que, é claro, eu teria que ler e ver como é no livro. Agora já imagino que não me incomodaria tanto.

      Enfim. Acho que é melhor eu parar de falar.

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  2. Você ia ficar doida com Persuasão, onde metade dos personagens chamam-se "Charlie".
    Nunca pensou em dar uma 2º chance pra Orgulho e Preconceito? Nem pra pegar todas as referências em TLBD? :D
    Eu indicaria outros livros da Austen, uns mais animados, como Lady Susan e A Abadia de Northanger (nem tanto) mas acho que Orgulho e Preconceito tem o melhor texto (dos que eu li). Ah, em Persuasão tem um tombo feio, se isso conta como ação rs

    Não lembro de ter sacado alguma das críticas diretas a livros da atualidade oO

    Há alguma relação entre o autor desse livro e o cara de Orgulho Preconceito e Zumbis. Agora não lembro qual... Talvez seja só a recomendação dele...

    De fato o mais legal do livro é a inserção de pormenores do mundom editorial, mas depois da metade do livro os vampiros tomam cada vez mais conta da história. E o final... blé.

    Imagina ele criticando séries desnecessárias no próximo volume desnecessário de Jane Austen, a vampira! Seria revolucionário. A primeira metacrítica da história da literatura :D

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    1. Não assisto TLBD. Não tenho paciência pra videoblogs. Eles exigem atenção completa por muito tempo, se for em inglês, atenção redobrada... Quando entro na internet, tento otimizar o meu tempo, e, sabe como é, ver as entrevistas da Anne são prioridade, rs! E tipo, não dá pra ficar entrando no YouTube no trabalho, mesmo que não seja bloqueado, pq pega malzão. Por isso, prefiro mil vezes ouvir um podcast do que assistir a um vlog. Dá pra fazer outras coisas ao mesmo tempo, você só ouve, ninguém fica sabendo o que vc está ouvindo, e talz.

      Não penso em dar outra chance para Orgulho e Preconceito.

      Acho que tem alguma coisa entre os dois mesmo, já ouvi falar em algum lugar, mas não lembro o que era.

      Acho que o problema maior não foram nem os vampiros, mas o negócio é que o autor não soube muito bem o que fazer com eles. Até que a traminha não era ruim, ele só não soube desenvolver, ficou com preguiça e deixou tudo pra resolver depois.

      Realmente não me lembro de ter visto um livro com metacrítica DESSE jeito. Filmes eu já vi (Pânico 4, Tropa de Elite 2), mas livro... é, acho que não tem não. Pelo menos, eu não conheço. Acho sinceramente que alguém devia me contratar como auxiliar de argumento, conselheira de autores, sei lá, porque tem umas sacadas tão óbvias que os caras deixam passar e se me chamassem as histórias iam ficar muito mais interessantes.

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    2. Gente, mas acho a sua cara assistir TLBD. Não é a minha! rs
      Você que adora essa literatura pop e tal. Não que eu entenda de muita coisa do mundo literário mas acho que hoje os autores mais pops são os irmãos Green. E há (atualmente) 76 episódios de TLBD legendados (Até parece que eu conseguiria acompanhar de outra forma). E são rapidinhos. A maioria tem menos de 5 minutos.
      Ou seja, suas desculpas foram consideradas esfarrapadas.
      MAS se você acha chato (principalmente por não ter gostado de O&P) e não quer dar uma chance... Sim, esse é um bom argumento pra não ver :)

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  3. Que pena você não ter curtido "Orgulho e Preconceito"! É um dos meus livros favoritos, simplesmente adoro a história. Mas te confesso que não foi amor à primeira leitura, só fui gostar mesmo depois que reli alguns anos depois. Mas quem sabe se você der uma chance ele te ganha, rs.

    E confesso, também, que sempre torci o nariz para esses tipos de paródia. "Orgulho e Preconceito e Zumbis" ou "50 Tons de Mr. Darcy"?! HAHA, por favor, passo longe! Mas sua resenha de "Jane Bites Back" (nome original infinitamente mais legal!) me despertou a curiosidade. E, sério, se o autor insistir nas briguinhas de vampiros, escreva sua continuação! Adorei as ideias que teve, e pra versão brasileira também, rs.

    Beijo!

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